TSE DISCUTE SE COMPRA DE VOTOS PODE GERAR ABSOLVIÇÃO CÍVEL E CONDENAÇÃO CRIMINAL
A independência entre as instâncias cível e criminal é suficiente para permitir que a Justiça Eleitoral, com base nos mesmos fatos e provas, afaste a ocorrência do ilícito eleitoral de compra de votos, mas imponha pena criminal pela mesma conduta?
Absolvido do ilícito eleitoral, candidato foi condenado criminalmente por comprar votos ao fornecer gasolina a seus apoiadores
senivpetro/freepik
O tema está em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral, que registrou divergência durante a sessão da noite de terça-feira (21/3). O caso foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, que prometeu retomar a discussão com breviedade.
A ação envolve o ex-vereador de Nova Andradina (MS), João Dan (PSDB), que nas eleições de 2016 distribuiu combustível a eleitores apoiadores de sua candidatura para participar de atos e carreata de campanha. Ele foi alvo de ações sob acusação da compra de votos.
Na seara cível-eleitoral, o Tribunal Regional Eleitoral julgou a ação de investigação judicial eleitoral contra ele improcedente, por entender que as provas eram insuficientes para comprovar a prática da captação ilícita de sufrágio, ilícito descrito na Lei Complementar 64/1990.
Posteriormente, com base exatamente nos mesmos fatos e provas, o TRE-MS condenou João Dan a 3 anos e 4 meses de prisão em regime inicial aberto pelo crime descrito no artigo 299 do Código Eleitoral: dar qualquer vantagem para obter voto.
O tema desafia o princípio da independência das instâncias judiciais, já consagrado pelo Supremo Tribunal Federal. Ele indica que a decisão na seara civil, penal ou administrativa não influi na análise dos mesmos fatos pelas demais esferas. A exceção é quando há absolvição por inexistência de fato ou de negativa de autoria.
Para o ministro Raul Araújo, há incongruência em afastar ilícito por falta de prova de dolo, mas condenar penalmente
Antonio Augusto/Secom/TSE
Dolo pra um e pra outro
Relator, o ministro Alexandre de Moraes votou por manter a condenação criminal. A razão é predominantemente processual: para afastar a condenação de João Dan, o TSE precisaria analisar fatos e provas, medida vedada em seus julgamentos por conta da Súmula 24.
Abriu a divergência o ministro Raul Araújo, para quem há uma incongruência grave na conduta do TRE-MS. Isso porque ambos os casos se baseiam nos mesmos fatos e passam por uma definição: que o ato praticado tenha a específica finalidade de obter votos.
A jurisprudência do TSE indica que o ilícito cível-eleitoral de captação ilícita de sufrágio depende de três critérios: a conduta de oferecer ou prometer vantagem pessoal, a finalidade de obter votos em troca disso e o ato ter sido praticado no período eleitoral.
Já a condenação criminal tem duas elementares: o dolo específico de obter o voto do eleitor e prova robusta da pratica criminosa. Isso faz com que exista uma relação de prejudicialidade entre ambas as instâncias criminais, já que a independência entre elas não é absoluta.
"Como pode o tribunal regional, com esteio nos mesmos fatos e provas, entender no feito cível que não houve intenção de comprar votos e, no feito criminal, perfilar conclusão oposta, assentando que houve dolo especifico em corromper voto do eleitor?", indagou o ministro Raul.
Coerência em questão
O voto divergente ainda aponta que a absolvição na Aije foi confirmada pelo próprio TSE. Logo, cabe à Corte, por coerência, ter a mesma conclusão sobre a inexistência do dolo de comprar votos, o que levará à absolvição do acusado na ação criminal.
O ministro Alexandre de Moraes, por sua vez, não vê incoerência em manter a condenação. Ele defendeu que, em ambos os casos, o TSE se atenha à análise de fatos e provas feita pelo TRE-MS. "Se não analisamos as provas na outra ação, por que poderíamos analisar nessa?", indagou.
REspe 0000002-83.2018.6.12.0005