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NECESSÁRIAS REFLEXÕES SOBRE O PEDIDO DE EXTRADIÇÃO NO CASO ROBINHO

Em 17/2/2023, a Coordenação de Extradição e Transferência de Pessoas Condenadas do Ministério da Justiça e Segurança Pública encaminhou à Presidência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) "solicitação da República da Itália de transferência da execução da pena imposta pela Justiça italiana ao nacional brasileiro Robson de Souza, com base no artigo 6, 1, do Tratado de Extradição firmado entre Brasil e Itália, promulgado pelo Decreto nº 863, de 9 de julho de 1993".

Robinho vai disfarçado à manifestação em apoio ao então presidente Jair Bolsonaro
Reprodução

Trata-se de pedido que deu origem à Homologação de Decisão Estrangeira (HDE) — nº 7.986, conforme despacho da Presidência do STJ: "consiste em sentença penal proferida pelo Tribunal de Milão, datada de 23 de novembro de 2017 e tornada definitiva em 19 de janeiro de 2022, por meio da qual o brasileiro nato Robson de Souza foi condenado pelo cometimento do crime de estupro coletivo (violência sexual de grupo, artigo 609 do Código Penal italiano) à pena de nove anos de reclusão".

Conforme mencionado no mesmo despacho: "(...) o Superior Tribunal de Justiça ainda não se pronunciou, por meio de sua Corte Especial, acerca da possibilidade de homologação de sentença penal condenatória para o fim de transferência da execução da pena no Brasil, notadamente nos casos que envolvem brasileiro nato, cuja extradição é expressamente vedada pela Constituição Brasileira (artigo 5°, LI)". E prossegue o despacho: "Não obstante, destaco a existência de decisão monocrática da lavra do Exmo. ministro Humberto Martins, ex-presidente desta Corte, reconhecendo a validade desse procedimento (HDE nº 5.175, ministro presidente Humberto Martins, decidido em 19/4/2021)".

Pois bem. Interessa-nos refletir aqui acerca da força jurídica do precedente citado a partir do qual se busca dar seguimento ao caso Robinho, qual seja, a mencionada HDE — nº 5.175, notadamente porque o próprio Ministério Público Federal brasileiro, ao impulsionar a questão, registra: "cumpre destacar que a norma do artigo 100 da Lei nº 13.445/17 contém a seguinte redação: 'Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem'. Além disso, conforme o MPF, 'embora um dos requisitos para aplicação do instituto seja a nacionalidade brasileira do condenado, a repercussão do caso tratado no título homologado deu início a notória discussão doutrinária acerca da possibilidade ou não de transferência da execução da pena imposta a brasileiros natos".

Neste ponto específico, o Ministério Público Federal destaca as duas posições enfrentadas na discussão: "De um lado, defende-se que, por não ser possível a extradição de brasileiros natos, a transferência da execução da pena também estaria vedada, uma vez que o art. 100 da Lei nº 13.445/17 somente a permitira nas hipóteses em que couber o pedido extradicional. (...) outros juristas, no entanto, a exemplo do professor Davi Tangerino, afirmam que a referida norma apenas condicionou a transferência de execução da pena à mera solicitação de extradição executória, razão pela qual o brasileiro nato pode ser submetido à execução de pena privativa de liberdade estrangeira. Sustentam, ainda, ser possível solicitar a extradição de pessoa com nacionalidade originária, ainda que esse pedido venha ser indeferido por falta de requisito".

Por fim, o MPF cita trecho do voto do ministro Herman Benjamin, proferido na Ação Rescisória 7287, ajuizada justamente para rescindir o quanto fora julgado no âmbito da HDE — nº 5.175 (de origem em Portugal), e na qual o pedido homologatório contra o acusado foi julgado à revelia sob curadoria da Defensoria Pública da União, ou seja, com a alegação de diversos vícios de caráter penal e processual penal, em que o ministro Herman Benjamin destaca trechos de seu raciocínio utilizado para negar monocraticamente a liminar rescisória.

Cita: "(...) o que se busca é criar um requisito não previsto expressamente e, como se sabe, onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. Noutras palavras, se de fato fosse intenção do legislador estabelecer restrição adicional à transferência da execução penal, haveria disposição explícita nesse sentido". E prossegue: "(...) quanto à alegada ofensa ao art. 5º, inciso XL, da CRFB/88 e ao art. 1º do Código Penal, que consagram a irretroatividade da lei penal, igualmente não procede a pretensão rescisória (...) porque a transferência de um processo de execução penal não constitui, ao menos neste momento cognitivo, matéria tipicamente penal e, nesse caso, sujeita às regras próprias; trata-se, isto sim, de norma de caráter processual e, desse modo, aplicável às situações que se constituírem após sua vigência".

Assim, "(...) as demais violações reportadas na petição inicial estão relacionadas à tramitação do feito originário, no caso, a Homologação de Decisão Estrangeira 5.175, da relatoria do eminente ministro presidente desta corte. Contudo, examinadas neste momento, conclui-se que nenhuma dessas teses subsidiárias colhe proveito no sentido da rescisão pretendida".

E finaliza fazendo referência a trechos inteiros da manifestação do Ministério Público Federal como razão de decidir: "(...) a simples leitura da decisão rescindenda permite notar, ao menos nesta etapa inaugural, que não se mostram claras, efetivas e frontais as alegadas violações aos dispositivos citados na petição inicial, exatamente como anotado pelo Ministério Público Federal em sua manifestação (e-STJ, fls. 188-189), a qual, por sua precisão e síntese, passo a transcrever (...)".

Pois bem, a primeira observação jurídica que deve aqui ser realizada é a de que, quando a decisão judicial no caso Robinho (HDE nº 7.986) cita o anterior caso (HDE nº 5.175) como suposto precedente jurídico, na verdade, não passa ele de enfraquecido decisum jurídico vazio de força normativa, pois nem sequer atende aos preceitos dos artigos 926 e 927 do Código de Processo Civil.

E quais as razões? Determina-se que os tribunais devam uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Para tanto, devem ter como referência as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em Controle Concentrado de Constitucionalidade, os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, os enunciados das súmulas do STF em matéria constitucional e do STJ em matéria infraconstitucional, e, a orientação do Plenário ou do Órgão Especial aos quais estiverem vinculados.

De outra parte, conforme se observa, o caso da HDE nº 5.175 fora julgado pelo presidente do STJ, ou seja, sem distribuição perante a Corte Especial e ainda sob os influxos de diversas violações de direitos, todos eles discutidos neste exato momento por meio de Ação Rescisória (AR n. 7287). E sem caráter de força de precedente que pudesse ter utilidade no desfecho da controvérsia fático-jurídica.

Além disso, realiza-se o julgamento inicial (tanto da AR n. 7287 quanto da HDE nº 5.175) com um duplo padrão de Direito Civil e de Direito Criminal, numa mixagem de há muito indevida, sem considerar a gravidade e as substanciais diferenças que operam entre demandas cíveis e imputações/condenações penais.

Acrescente-se, ainda, a simplória resolução dispensada acerca do ponto central do artigo 100 da Lei nº 13.445/17, que claramente, na parte inicial do seu caput, menciona o elemento essencial do caso concreto: "Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória (...)", regramento que se projeta aos incisos, alíneas e parágrafos do artigo. Ou seja, tratando-se de brasileiro nato, opera-se a impossibilidade de extradição por expressa disposição constitucional. E idêntico tratamento jurídico é o ofertado para os casos de perda da nacionalidade originária, conforme já decidiu o STF no rumoroso caso do MS 33.864.

Vale complementar, ainda, que ao pautar fundamentação sobre o tema no juridicamente frágil argumento de que "onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir. (...) se de fato fosse intenção do legislador estabelecer restrição adicional à transferência da execução penal, haveria disposição explícita nesse sentido", viola-se regramento que disciplina aspecto sensível ligado ao jus puniendi, na medida em que, em casos penais, não se realiza interpretação restritiva por analogia em desfavor do acusado.

Desse modo, forçoso dizer que esse propósito consubstanciado num pretenso remédio jurídico de transferência da execução da pena da Itália para o Brasil passa pela necessária alteração legislativa, a qual, por óbvio, somente incidirá para fatos posteriores à sua edição (lex gravior).

Além disso, em ambos os casos aqui mencionados (HDE nº 5.175 e HDE nº 7986), os fatos neles cristalizados são em tudo anteriores à promulgação da Lei de Migração (publicada em 24 de maio de 2017 e com vacatio de 180 dias). Queremos dizer, por se tratar de cumprimento de pena, nitidamente possui reflexos penal e processual penal (caráter misto), razão pela qual só podem retroagir para beneficiar o investigado, acusado ou condenado, jamais para prejudicá-lo. Ou seja, tratando-se de normas híbridas, incide o princípio da retroatividade e da ultraatividade da lei, desde que mais favorável ao réu (condição para a retroatividade).

Por fim, é certo que em ambos os casos deve ser arguida perante a Corte Especial do STJ a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo suscitados nos processos submetidos ao julgamento do tribunal, nos termos do artigo 11, IX do RISTJ, c/c artigo 97 da CF/88. Isso para que se possa assentar a segurança jurídica necessária da normatividade do artigo 100 da Lei de Migração, que posteriormente poderá ser submetida via recurso extraordinário com potencial repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal.