GUILHERME CALMON PARTICIPA DE SEMINÁRIO SOBRE SUBTRAÇÃO INTERNACIONAL DE CRIANÇAS REALIZADO NA JFCE*
Um drama vivido por milhares de pessoas ao redor do mundo e cuja solução, em muitos casos, depende da cooperação internacional. Assim é definida a subtração internacional de crianças, tema do seminário “Subtração internacional de crianças: a experiência comparada dos países do sistema da common law”, iniciado nesta quinta (23/03), no edifício-sede da Justiça Federal no Ceará (JFCE), em Fortaleza. O evento é resultado da parceria entre o Tribunal Regional Federal da 5ª Região – TRF5, a JFCE, a Embaixada Britânica no Brasil e as missões diplomáticas americana, canadense e australiana para o tema.
Pela primeira vez, esse tipo de encontro é realizado em diálogo com países de língua inglesa. Assim, o encontro reuniu cerca de 100 juízes brasileiros e estrangeiros, representantes do Poder Executivo, de autoridades centrais brasileira e de países parceiros, além instituições de apoio às crianças e às famílias, para compartilhar e trocar experiências e boas práticas na solução de casos. O seminário será encerrado amanhã (24).
No território nacional, de acordo com o desembargador federal Guilherme Calmon, existem, atualmente, cerca de 250 casos de crianças trazidas para o Brasil tramitando na Justiça Federal. No entanto, segundo Calmon, o país ainda não consegue calcular o caminho inverso, ou seja, de crianças levadas daqui. Já na Inglaterra, segundo Melanie Hopkins, vice-embaixadora chefe da Missão do Reino Unido, são 1.100 casos ativos. “É uma tarefa urgente: a cada ano, em média, seis crianças são levadas do Reino Unido para o Brasil e para outros países”, informou. “Mesmo que não pareçam números significativos, cada caso representa a vida de uma criança ou adolescente prejudicada, uma família dilacerada. Vamos fazer o máximo para garantir que esses jovens possam ir para casa rapidamente”, clamou.
Para o desembargador federal Guilherme Calmon (TRF2), coordenador da Rede de Juízes de Enlace no Brasil e do evento, junto com o desembargador federal Rogério Fialho Moreira, Juiz de Enlace para a Convenção de Haia na Justiça Federal 5ª Região, o que se busca é a efetiva proteção à criança no âmbito transfronteiriço. “Este seminário vai fazer história dentro daquilo que envolve o tema da subtração internacional de crianças; um seminário que foi concebido dentro da Rede de Juízes de Enlace para a compreensão sobre a subtração internacional de crianças, cujo objetivo não é só capacitar magistrados, advogados, procuradores, auxiliares da Justiça, mas também pessoas que têm interesse sobre esse tema, de modo que possamos avançar no direito brasileiro no âmbito da proteção internacional de crianças”.
O governador do Estado do Ceará, Elmano de Freitas, prestigiou a abertura do evento. Em sua fala, ele afirmou que o Estado recebeu o Seminário com muita honra, considerando o debate de um tema tão relevante. “Um seminário fundamentalmente centrado na dor das pessoas, importante não somente para o Ceará, mas para milhares de famílias e crianças, que poderão ter profissionais muito mais capacitados para lidar com essas situações”.
O presidente do TRF5, desembargador federal Edilson Nobre, também destacou o fato de o Ceará sediar o evento. “O direito, no mundo globalizado, tornou este seminário uma grande realização. A experiência com as quatro delegações de sistema jurídico vinculado à common law (Inglaterra, Estados Unidos Austrália e Canadá), sem dúvida nenhuma, nos enriquecerá bastante. E o Ceará sempre esteve na vanguarda do Brasil, como na abolição da escravatura, primeiro marco do Brasil na área de direitos humanos, e na reforma da doutrina jurídica do direito comparado; o primeiro livro sobre o tema, ainda hoje citado internacionalmente, foi escrito pelo cearense Clóvis Beviláqua.
Painéis
A programação científica do Seminário, nesta quinta-feira (23), contou com seis painéis, nos quais foram apresentadas visões gerais das experiências, abordagens e dos normativos que regem as autoridades centrais e a atuação dos juízes de Enlace, nas perspectivas processuais e legais, da Austrália, do Brasil, do Reino Unido, do Canadá e dos Estados Unidos.
Nos países de língua inglesa, nos quais o termo utilizado para subtração é “abduction”, tais experiências e atuações são semelhantes às do Brasil – guardadas as peculiaridades de cada país -, considerando que a Convenção de Haia tem força de lei. No entanto, na Inglaterra, por exemplo, as equipes não têm histórico de interação com o Judiciário, como ocorre no Brasil.
De acordo com Andrew Moylan, juiz do Tribunal de Recurso britânico, a experiência e o instinto de um juiz de enlace sempre é proteger e buscar o bem-estar da criança. “Esse instinto e experiência às vezes é desafiado pela obrigação internacional de aplicar limites estritos e determinar a resolução final”, comentou.
Nos Estados Unidos, segundo David Okun, oficial do Escritório de Assuntos Relacionados a Crianças, os escritórios (de advocacia) disponibilizam advogados pró-bono, para conversar com famílias de outros países, assim como tradutores de diferentes idiomas, para manter contato entre família e Sistema de Justiça. “No final das contas, o que dizemos aos pais é que, quanto mais um caso de sequestro demora para ser resolvido em qualquer país, mais difícil é para a criança e para os pais envolvidos, em qualquer um dos lados. Além disso, é mais provável que os pais fiquem frustrados com um Sistema que deveria ser rápido e eficiente, o que pode gerar desesperança nesse Sistema. Então, é consenso entre todos nós que é importante resolver estes casos o mais rápido possível, para o bem dessas famílias”.
A Autoridade Central Administrativa Federal (ACAF) é o órgão, no Brasil, incumbido da adoção de providências para o adequado cumprimento das obrigações impostas pela Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis da Subtração Internacional de Crianças, pela Convenção Interamericana de 1989 sobre a Restituição Internacional de Menores e pela Convenção de Haia de 1993 Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional. Nos países signatários da Convenção, as autoridades centrais têm papéis similares.
As experiências da Austrália e do Canadá também foram relatadas.
Um olhar feminino
Aproveitando os debates em torno do Mês da Mulher, da equidade de gênero, a desembargadora federal Daniele Maranhão (TRF1) falou, dentro do painel sobre a experiência dos juízes de Enlace brasileiros, sobre o tema na perspectiva feminina, visto que, na maioria dos casos, a mulher brasileira que vai para o exterior é rotulada como aquela que vai trabalhar como profissional do sexo ou em busca de um casamento rentável, de uma “vida fácil”, o que termina repercutindo em decisões judiciais. “Não adianta cumprirmos os ditames da Convenção sem um olhar mais humanizado. A finalidade da Convenção é o bem-estar do menor, e um menor sem acesso à mãe provavelmente não está bem”, ponderou. A desembargadora contou que foi a partir dessa percepção que ela começou a provocar os magistrados integrantes da Rede de Enlace no Brasil a terem um novo olhar sobre os julgados. Não à toa, ela informou, de 44 processos que já tramitaram na 1ª Região, 23 foram resolvidos por meio da conciliação. “A conciliação promove não apenas a devolução do menor, mas a pacificidade das relações. Não estamos tratando com um objeto, estamos tratando com seres humanos, com a restituição de famílias”, finalizou.
Dia 24
O seminário “Subtração internacional de crianças: a experiência comparada dos países do sistema da common law termina amanhã (24), com os seguintes painéis: “Atuação das instituições de apoio às crianças subtraídas no Reino Unido e nos EUA”, com Alison Shalaby, representante da Reunite International (Reino Unido), Orquidea Rivera (Family Advocacy) e Preston Findlay (Office of Legal Counsel), do Centro Nacional para Crianças desaparecidas e exploradas (EUA); “Atuação das representações diplomáticas brasileira e dos estados de língua inglesa na proteção da criança no âmbito da subtração internacional”, com o ministro André Veras Guimarães (Diretor do Departamento de Imigração e Cooperação Jurídica – MRE), a ministra Conselheira Kimberly Kelly (Department of State – EUA) / Cônsul Antonio Agnone (representante designado pelo Congresso dos EUA para assuntos relacionados à subtração internacional de menores) e Sneha Lala (Gerente Consular da Unidade Políticas para Crianças) – Reino Unido. O evebto também contará com uma palestra sobre “A conferência da Haia de Direito Internacional Privado e a Convenção de 1996”, ministrada por Ignacio Goyicoechea, representante da Conferência de Haia para a América Latina e Caribe.