ATUALIZAÇÃO DE DÉBITOS EM FACE DA FAZENDA DIANTE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO STF
O Brasil tem um regime específico de pagamentos dos débitos da Fazenda Pública, conhecido como regime dos precatórios.
Nesse regime especial, prescrito pelo artigo 100 da Constituição, "[o]s pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim".
O artigo 100, §5º da Constituição prescreve que os pedidos de pagamento de débitos de precatórios judiciários devem ser apresentados até 02 de abril, os quais deverão ser pagos até o exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente. Esse prazo específico para pagamento é conhecido como período de graça.
A Constituição prescreve também um procedimento simplificado para o pagamento de dívidas de baixa monta, conhecido por requisição de pequeno valor. De acordo com o artigo 100, §3º, "o disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado". O prazo para pagamento das requisições de pequeno valor é de dois meses, conforme prescrição do artigo 535, §3º, II do Código de Processo Civil. Este prazo também é conhecido por período de graça.
Poderia se suscitar, no entanto, as seguintes dúvidas: Existem critérios específicos para a correção monetária e os juros? Há correção monetária e juros durante o período de graça?
A resolução das referidas dúvidas é o objeto da presente coluna, o que se fará com fundamento na jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Correção monetária e juros das dívidas fazendárias
O artigo 1-F da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, prescreve que "nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança".
No entanto, ao decidir o Recurso Extraordinário nº 870.947/SE, no julgamento do tema 810 (repercussão geral), em acórdão de relatoria do ministro Luiz Fux, o Supremo Tribunal Federal entendeu pela inconstitucionalidade do referido artigo na parte em que disciplina a correção monetária dos débitos fazendários pela remuneração oficial da caderneta de poupança. O entendimento foi confirmado pelo STF no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 5.348/DF, de relatoria da ministra Cármen Lúcia, que julgou "procedente o pedido formulado na ação direta para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, alterado pela Lei nº 11.960/2009, na parte em que se estabelece a aplicação dos índices da caderneta de poupança como critério de atualização monetária nas condenações da Fazenda Pública".
Em substituição ao critério de correção pela caderneta de poupança, tanto o RE nª 870.947/SE quanto a ADI º 5.348/DF fixaram o IPCA-E como índice para correção das dívidas fazendárias, tendo sido acentuado que "no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs. 4.357 e 4.425, 'a Corte assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Nesse exato sentido, voto[u] pela aplicação do aludido índice a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer que seja o ente federativo de que se cuide'".
No entanto, conforme o que ficou fixado no RE nº 870.947/SE e foi mantido pela ADI nº 5.348/DF, na parte em que o artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97 disciplinou os juros moratórios aplicáveis aos débitos fazendários, o referido artigo é: 1) inconstitucional em relação aos débitos jurídico-tributários, sobre os quais devem ser aplicados "os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, artigo 5º, caput)"; 2) constitucional quanto aos débitos não tributários, fixando-se os juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de popança.
O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.492.221/PR, de relatoria do ministro Mauro Campbell Marques, julgado sob a técnica dos recursos repetitivos (tema repetitivo 905), confirmou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ao fixar que o índice de correção monetária dos débitos fazendários é o IPCA-E e os juros devem ser calculados com base no índice de remuneração da caderneta de poupança nas condenações de natureza administrativa em geral após a vigência da Lei nº 11.960/2009.
Com isso, respondendo ao primeiro questionamento suscitado na introdução, tem-se que a jurisprudência consolidada do STF e do STJ consigna que a correção monetária de débitos fazendários não tributários deve adotar o índice IPCA-E e os juros moratórios devem se dar segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança.
Resta, no entanto, a solução do segundo questionamento: Há correção monetária e juros durante o período de graça?
Quanto à correção monetária, o artigo 100, §5º da Constituição é expresso ao especificar que os créditos serão devidamente atualizados durante o período de graça. No entanto, isso não implica necessariamente incidência de juros moratórios. Conforme a Súmula Vinculante nº 17 do Supremo: "Durante o período previsto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre os precatórios que nele sejam pagos".
A ausência de incidência de juros se dá, somente, durante o período de graça. Isso significa que antes do período de graça e após ele, em eventual mora da entidade fazendária, há a incidência de juros. É o que decidiu o STF , no âmbito do Recurso Especial nº 579.431/RS, em acórdão de relatoria do ministro Marco Aurélio, que fixou a seguinte tese para efeitos de repercussão geral: "Incidem juros da mora entre a data da realização dos cálculos e a da requisição ou do precatório".
Com isso, embora haja incidência da correção monetária durante o período de graça, o mesmo não ocorre com os juros moratórios, que incidem desde a data da condenação até o efetivo pagamento, com exceção somente do período de graça.