NOVO MARCO REGULATÓRIO DO TSE: EXECUÇÃO E CUMPRIMENTO DE CONDENAÇÕES PECUNIÁRIAS
A Justiça Eleitoral é o ramo especializado do Poder Judiciário dotado de competência normativa, consultiva, administrativa e jurisdicional afeta ao processo eleitoral brasileiro.
Na legislação eleitoral, precipuamente no Código Eleitoral, na Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) e na Lei 9.096/97 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), há diversas condutas e omissões sujeitas às sanções cíveis-eleitorais, dentre elas, a multa e a sanção pecuniária. A guisa de exemplo, cita-se a multa aplicada ao candidato por conduta vedada e a sanção de devolução de recursos públicos aplicados irregularmente na campanha eleitoral.
Em setembro de 2022, o Tribunal Superior Eleitoral aprovou a Resolução nº 23.709, que disciplina o novo procedimento de execução e cumprimento de decisões impositivas de multas e outras sanções de natureza pecuniária, exceto criminais, proferidas pela Justiça Eleitoral.
Na data da sua publicação oficial, em 23/3/2023, o texto aprovado sofreu nova alteração com a Resolução TSE Nº 23.717/2023.
Com a entrada em vigor deste novo marco regulatório, diversas lacunas até então existentes na legislação foram sanadas e esclarecidas. Por outro lado, alguns pontos sedimentadas passaram por significativas alterações, notadamente nos seguintes temas: 1) competência entre a AGU (PGU) e a PFN para cobrança de multa e sanções pecuniárias, 2) vedação de parcelamento de débitos referente à restituição de recursos de fonte vedada e de origem não identificada; 3) contagem de prazo em dias úteis; 4) atuação subsidiária do Ministério Público na cobrança de multa judicial eleitoral e de sanção obrigacional eleitoral.
Com esses breves apontamentos já é possível perceber que a Resolução TSE nº 23.709 e trouxe modificações legislativas relevantes que exigem estudo aprofundado daqueles que militam na seara eleitoral.
A seguir, enumera-se as principais novidades estabelecidas:
Nova classificação de sanções pecuniárias impostas pela Justiça Eleitoral
A resolução didaticamente conceitua e classifica as sanções pecuniárias eleitorais em quatro grupos:
a) Multa administrativo-eleitoral: sanção pecuniária imposta em razão de descumprimento de obrigação eleitoral, decorrente de decisão administrativa ou lançamento automático em sistema da Justiça Eleitoral.
Como exemplo, pode-se citar a multa aplicada ao eleitor que deixa de votar e não justifica sua ausência (artigo 7º, CE) e a multa aplicada ao membro da mesa receptora que não comparece no local de votação sem justa causa (artigo 124, CE).
b) Multa judicial eleitoral: sanção pecuniária imposta em decisão judicial irrecorrível em razão de violação dos dispositivos do Código Eleitoral e das leis eleitorais, excetuadas as penalidades de caráter processual. São as multas aplicadas nos seguintes processos: 1) representação por infringência à Lei 9.504/97 ; 2) Prestação de Contas de Campanha; 3) Prestação de Contas Partidárias; 4) Representações por Conduta Vedada de Agente Público; v) Representação por Captação Ilícita de Sufrágio.
c) Sanção obrigacional eleitoral: sanção imposta por decisão judicial irrecorrível em razão de violação dos dispositivos do Código Eleitoral e das leis eleitorais, que tem por objeto obrigação de pagar, fazer ou não fazer, incluídos entre tais hipóteses a devolução de valores, o acréscimo no gasto com programas de incentivo à participação política das mulheres e a suspensão de cotas do Fundo Partidário. Como exemplo, cite-se o ressarcimento de valores por aplicação irregular de recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, bem como o dever de recolher ao tesouro nacional os valores recebidos de fontes vedadas ou de origem não identificada.
d) Penalidade processual pecuniária: sanção imposta em decisão judicial durante o andamento do processo, em decorrência de litigância de má-fé e da interposição de recurso protelatório ou como medida coercitiva para a prática de determinado ato. Aqui se enquadram todas as penalidades previstas na legislação processual, tais como a multa por litigância de má-fé (CPC, artigo 81) e as astreintes (CPC, artigos 536, §§1º e 3º, e 537, §2º).
Adimplemento voluntário de multa e condenação pecuniária
a) Transitada em julgado a condenação, ao devedor condenado é lícito, antes de intimado do cumprimento forçado da obrigação, oferecer pagamento o valor, apresentando memória discriminada do cálculo e observado, no que couber, o disposto no artigo 526 do CPC;
b) Sobre os valores das sanções e das obrigações pecuniárias incidirão atualização monetária e juros de mora com base nos critérios da Fazenda Pública. No caso de multa judicial, a atualização monetária e os juros de mora incidirão a partir da data do ilícito que gera a multa. Na hipótese de ressarcimento ao Fundo Partidário, a atualização monetária e juros terão início a partir da data da aplicação irregular das verbas ou do termo final da prestação de contas.
c) O partido político que resultar da fusão ou incorporação é responsável pelas obrigações impostas ao partido fusionado ou incorporado. Na incorporação de partidos políticos, as sanções eventualmente aplicadas aos órgãos partidários regionais e municipais do partido incorporado não serão aplicadas ao partido incorporador nem aos seus novos dirigentes, exceto aos que já integravam o partido incorporado (EC nº 111/2021).
Condenação de devolução de valores ao Fundo Partidário ou de desconto ou suspensão das cotas
a) O cumprimento da condenação de devolução de importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20%, mediante desconto nos futuros repasses de cotas do Fundo Partidário (Lei nº 9.096/1995, artigo 37, caput), o que demonstra a preferência regimental a esse mecanismo para o adimplemento das condenações. No entanto, os valores oriundos de fontes vedadas, de origem não identificadas ou decorrentes de aplicação irregular do Fundo Partidário devem ser restituídos preferencialmente com os recursos próprios da agremiação e, apenas subsidiariamente, mediante desconto do fundo.
b) Na hipótese de sanção de desconto ou de suspensão de novas cotas do Fundo Partidário aplicadas aos diretórios regionais ou locais dos partidos políticos, o órgão de Direção Nacional do partido será intimado para proceder ao desconto ou à retenção dos valores no prazo de até 15 dias. No caso de a condenação recair diretamente sobre o órgão de Direção Nacional partidário, caberá a Secretaria de Administração do TSE proceder ao desconto ou à suspensão;
Parcelamento da condenação junto à Justiça Eleitoral antes da intimação da AGU
a) O parcelamento das multas será concedida preferencialmente em até 60 meses, observadas as tabelas de progressividade "valor x parcela" constantes nos anexos da resolução, salvo se o valor da parcela ultrapassar 5% da renda mensal bruta, no caso de pessoa física, e 2% do faturamento bruto, no caso de pessoa jurídica, hipóteses em que poderá estender-se por prazo superior, de modo que as parcelas não ultrapassem os referidos limites;
b) O parcelamento de multas eleitorais e de outras multas e débitos de natureza não eleitoral imputados pela Justiça Eleitoral é garantido também aos partidos políticos em até 60 meses, salvo se o valor da parcela ultrapassar o limite de 2% do repasse mensal do Fundo Partidário, hipótese em que poderá estender-se por prazo superior. Os pedidos de parcelamento dos órgãos partidários regionais ou municipais deverão ser acompanhados de anuência expressa do órgão nacional de direção partidária;
c) Não serão objetos de parcelamento as condenações alusivas à: 1) restituição de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada; 2) gastos com recursos de fonte vedada ou de origem não identificada; 3) parcelamentos inadimplidos, salvo no caso de dívida de partido fusionado ou incorporado e desde que apresente novo pedido de parcelamento no prazo de 30 dias contados da aprovação da fusão e incorporação;
c) A falta de pagamento de três parcelas, consecutivas ou não, acarretará cumulativamente o vencimento das prestações subsequentes, a imposição ao devedor de multa de 10% sobre o valor das prestações não pagas e o prosseguimento do processo, com o imediato reinício dos atos executivos (CPC, artigo 916, § 5º).
Novo regime de cumprimento forçado das condenações pecuniárias
Antes da resolução, as multas eleitorais, quer administrativas, quer impostas em processos jurisdicionais, eram executadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional após inscrição em dívida ativa. Por sua vez, as condenações de recolhimento ao Fundo Partidário ou ao Tesouro Nacional nas prestações de contas eram executadas pela Procuradoria da União (AGU) nos próprios autos via cumprimento de sentença.
Com a nova sistemática, tem-se o seguinte:
Cumprimento forçado da condenação via procedimento do cumprimento definitivo de sentença (artigo 523 e seguintes do CPC)
a) Passado o prazo de cumprimento voluntário pelo devedor, serão objetos de cumprimento definitivo de sentença pelo rito do artigo 523 e ss do CPC a multa judicial eleitoral, a sanção obrigacional eleitoral e penalidade processual pecuniária, inclusive as astreintes, conforme súmula 68 do TSE, salvo a multa por atentado à dignidade da Justiça (artigo 77, §2º, 334, § 8º; 774, parágrafo único e 903, §6º CPC);
b) O cumprimento forçado será formalizado apenas como uma nova fase do processo nos próprios autos e na própria instância (Juiz Eleitoral, TRE ou TSE);
c) O credor da multa judicial eleitoral e da sanção obrigacional eleitoral será sempre a União. Por isso, a legitimidade ativa caberá prioritariamente à AGU, por meio das seis Procuradorias-Regionais da União. Subsidiariamente, competirá ao Ministério Público Eleitoral; Já o credor das penalidades processuais pecuniárias poderá ser a União ou a parte litigante (candidatos, partidos, etc);
d) Na hipótese de penalidades processuais impostas contra um litigante privado em benefício de outro, como as multas por litigância de má-fé (CPC, artigo 81), por agravo interno manifestamente inadmissível (CPC, artigo 1.021, § 4º) e por embargos manifestamente protelatórios (CPC, art. 1.026, §2º), poderá o particular beneficiado (partido, candidato, etc) se valer também do cumprimento definitivo de sentença para o forçar o adimplemento da obrigação;
Cumprimento forçado da condenação via execução fiscal após inscrição em dívida ativa da União
a) Passado o prazo para pagamento voluntário pelo devedor, serão objetos de inscrição em dívida ativa e execução fiscal pela Lei 6830/80 a multa administrativo-eleitoral e a multa por atentado à dignidade da Justiça (artigo 77, §2º, 334, § 8º; 774, parágrafo único e 903, §6º CPC).
b) A competência pertencerá sempre à zona eleitoral de domicílio do devedor e a legitimidade ativa é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Nacional;
c) No âmbito da Procuradoria da Fazenda Nacional, as multas administrativo-eleitorais e as penalidades pecuniárias aptas à inscrição em dívida ativa seguem as regras atuais da Portaria MF 75/2012, nas quais somente créditos com valor mínimo de R$1 mil reais são inscritos em dívida ativa e apenas créditos com valor mínimo de R$ 20 mil reais são executáveis, observada a estratégia e política executiva da Fazenda Nacional.
Honorários e multa do artigo 523, §1º, CPC
A nova Resolução TSE nº 23709/2022 deixa clara a fixação de honorários advocatícios na execução fiscal (artigo 27, §2º) e no cumprimento de sentença (artigo 34, §1º), além da aplicação da multa de 10% do artigo 523, §1º, CPC pelo não pagamento voluntário da obrigação.
Contagem dos prazos processuais
a) Os prazos alusivos à execução fiscal e à fase de cumprimento de sentença passarão a contas apenas em dias úteis, conforme artigo 219, CPC e artigo 3º-A da Resolução TSE nº 23709;
b) Entende-se que permanece vigente a Resolução TSE nº 23.478, de 10 de maio de 2016, pela qual sempre que a lei eleitoral não fixar prazo especial, o recurso deverá ser interposto no prazo de três dias, a teor do artigo 258 do Código Eleitoral;
d) Assim como ocorre com o Ministério Público, embora silente a nova resolução, permanece a jurisprudência sobre limitação das prerrogativas da Fazenda Pública em Juízo, no sentido de que não se aplica na Justiça Eleitoral a prerrogativa da contagem em dobro do prazo para a Fazenda Pública do artigo 183 do CPC (TSE - AI: 12065520146000000 Brasília/DF 246602014, relator: ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 24/09/2015, Data de Publicação: DJE 11/11/2015 - Página 13-15);
Considerações finais
A nova Resolução TSE 23.709/2022 alterou significativamente o rito de cobrança das condenações pecuniárias eleitorais, classificando-as em multa judicial eleitoral, sanção obrigacional eleitoral, penalidade processual pecuniária e multa administrativo-eleitoral.
A principal mudança diz respeito às multas eleitorais impostas em processos de natureza jurisdicional. Na sistemática anterior, a multa infligida por sentença ou acórdão era encaminhada à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União e ajuizamento de execução fiscal. Segundo as novas diretrizes, apenas as multas administrativas serão levadas à Fazenda Nacional para inscrição em Dívida Ativa da União. Desse modo, as conhecidas multas aplicadas nas representações judiciais serão objetos de cumprimento de sentença nos próprios autos pela Advocacia-Geral da União.
No mais, regras mais claras de parcelamento e desconto da cota mensal do Fundo Partidário trazem mais segurança jurídica aos jurisdicionado.
Outro ponto de destaque diz respeito ao direito intertemporal, não disciplinado pela nova resolução do TSE. As atuais execuções fiscais das multas judiciais eleitorais, bem como o processamento dos respectivos embargos à execução fiscal prosseguirão seu curso, com atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional.
Em suma, depois de anos de preocupação em solucionar a crise de cognição dos processos eleitorais, finalmente a atenção do TSE se virou para a crise de adimplemento das condenações impostas pela Justiça Eleitoral. Ganha a coerência sistêmica, a clareza processual e a eficiência econômica no ressarcimento ao Fundo Partidário.