A EFICÁCIA DO "TERMO DECLARATÓRIO" PREVISTO NO ARTIGO 94-A DA LRP
No último dia 16 de março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu reconhecer e regulamentar a prática de atos registrais baseada no artigo 94-A da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos ou LRP), que admitiu a dissolução de união estável no Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) [1]. A inovação é parte de um conjunto de medidas provisórias editadas com o propósito de promover a desburocratização das relações privadas.
O artigo 94-A, em particular, foi inserido na LRP pela Lei 14.382/2022, fruto da Medida Provisória 1.085/2021, que criou o Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp). O caput da disposição determina que "[o]s registros das sentenças declaratórias de reconhecimento e dissolução, bem como dos termos declaratórios formalizados perante o oficial de registro civil e das escrituras públicas declaratórias e dos distratos que envolvam união estável" serão feitos no RCPN da comarca "em que os companheiros têm ou tiveram sua última residência".
O artigo 94-A trata de três títulos distintos: a sentença judicial, a escritura pública e o termo declaratório. Menciona também os "distratos" — mais sobre eles em seguida —, que podem, em princípio, ser realizados tanto por escritura pública quanto por termo declaratório. É importante reconhecer desde logo que esses títulos não são indiferentes. Eles estão baseados em estatutos jurídicos distintos, e se dirigem a conjuntos diferentes de regimes eficaciais. Sentenças judiciais e arbitrais, como sabemos, podem ser declaratórias, constitutivas e condenatórias (mas também mandamentais e executivas, em hipóteses mais restritas); escrituras públicas podem ser declaratórias ou constitutivas; termos declaratórios, por sua vez, só podem ser — como diz o seu nome — declaratórios.
Essas diferenças foram reconhecidas apenas parcialmente pelo CNJ. Vale começar por um acerto. O artigo 1º, § 6º do provimento proposto na decisão — texto que altera o Provimento 37/2014, atual regulamento do registro de uniões estáveis perante o RCPN — deixa claro que "[h]avendo nascituro ou filhos incapazes, a dissolução da união estável somente será possível por meio de sentença judicial". Essa disposição corrobora, a contrario sensu, o conteúdo da disposição estabelecida pelo artigo 733, caput do Código de Processo Civil, segundo o qual "[o] divórcio consensual, a separação consensual e a extinção consensual de união estável, não havendo nascituro ou filhos incapazes e observados os requisitos legais, poderão ser realizados por escritura pública [...]". O formalismo, no caso, tem como causa a tutela de núcleos de interesses mais vulneráveis.
Outras disposições do texto proposto pelo CNJ foram menos certeiras. Seu artigo 1º-A, por exemplo, admite que o termo declaratório veicule "escolha de regime de bens". A autorização contraria o parágrafo único do artigo 1.640 do Código Civil, que exige a realização de escritura pública para definição de regimes distintos da comunhão parcial, bem como, neste caso em aplicação analógica, seu § 2º do artigo 1.639, que exige autorização judicial para mudança do regime de bens. Essas regras têm razões de ordem pública: servem para proteger não apenas os direitos patrimoniais dos cônjuges ou companheiros, mas também as posições jurídicas de terceiros de boa-fé. É por isso, de resto, que o artigo 5º do Provimento 37, significativamente revogado na decisão do CNJ, dispunha que "[o] registro de união estável decorrente de escritura pública de reconhecimento ou extinção produzirá efeitos patrimoniais entre os companheiros, não prejudicando terceiros que não tiverem participado da escritura pública".
Esses desentendimentos refletem, é verdade, defeitos de origem da Lei 14.382/2022. A referência do artigo 94-A aos "distratos" é particularmente reveladora. No direito brasileiro, o distrato se distingue como modalidade de extinção obrigacional de caráter desconstitutivo [2]. Ainda que o Código Civil de 2002 não tenha reproduzido o modelo italiano de delimitação do regime contratual aos negócios jurídicos bilaterais de conteúdo patrimonial [3], a doutrina reconhece que o distrato constitui um dos "modos de desconstituição das dívidas" — um modo de extinção voluntária de posições jurídicas de conteúdo patrimonial, portanto [4].
Aqueles que criticam a terminologia adotada pelo artigo 94-A têm razão em reconhecer as diferenças entre as declarações extintivas de uniões estáveis e os distratos propriamente ditos [5]. É preciso reconhecer, no entanto, que o problema dessa disposição não se esgota em sua imprecisão terminológica. Seu problema é mais profundo, é substancial: o legislador estendeu indevidamente um regime de manifestações declaratórias a manifestações desconstitutivas.
A inadmissibilidade dessa extensão fica evidente quando consideramos a disciplina jurídica da transmissão de bens de alto valor, e da transmissão de bens imóveis em particular. O artigo 108 do Código Civil determina, como sabemos, que "[n]ão dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País". O legislador evidenciou que a regra do artigo 108 não comporta exceções administrativas. Essa proibição inclui a atuação normativa de órgãos do Poder Judiciário, e do CNJ em particular [6].
A validade de uma norma não depende de seus méritos, e isso inclui os méritos de suas fontes [7]. A desburocratização das relações jurídicas de direito privado é um objetivo político legítimo e prima facie desejável. Agentes que o promovem são, de modo geral, pessoas bem intencionadas. Mas a qualidade de um objetivo político e das intenções daqueles que o perseguem são irrelevantes para a avaliação das normas produzidas a partir de sua persecução. A desburocratização das relações privadas não pode ser perseguida às custas da consistência da ordem jurídica [8].É preciso delimitar adequadamente o escopo do artigo 94-A da LRP.
[1] Decisão do Pedido de Providências 4621-98, requerido pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas) ao CNJ, proferida em 16 de março de 2022.
[2] Roberto de Ruggiero, Instituições de direito civil, vol. 3, 6ª ed., São Paulo: Saraiva 1973, p. 219.
[3] Código Civil italiano de 1942, artigo 1.321: "Il contratto è l'accordo di due o più parti [c.c. 1420, 1446, 1459] per costituire, regolare o estinguere tra loro un rapporto giuridico patrimoniale".
[4] Sempre em termos precisos, Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, tomo 25, 3ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, p. 281.
[5] Carlos Eduardo Elias de Oliveira e Flávio Tartuce, Registro facultativo da união estável no registro civil das pessoas naturais: como ficou após a Lei n. 14.382/2022, publicado em 15.9.2022, disponível em https://www.migalhas.com.br/arquivos/2022/9/CFAFD4E8E4C83A_uniaoestavel.pdf.
[6] A doutrina administrativista tende a enfocar a descentralização do Poder Executivo (Ministérios) e do Poder Legislativo (Tribunais de Contas). Mas essa discussão também é relevante para o Poder Judiciário (CNJ). Trata-se, de todo modo, de órgão dotado de poder jurisdicional, mas não judicante. Sobre o fenômeno da descentralização, em caráter geral, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Administrativo, 16. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 270.
[7] Trata-se, aqui, de premissa abrangente, formulada de modo referencial por John Gardner, "Legal Positivism: 5 1/2 Myths", in Law as a Leap of Faith, Oxford: Oxford University Press, 2012.
[8] "Não se pode, em verdade, ignorar o direito positivo, o direito legislado, a norma dotada de poder cogente. Ele é necessário. Reprime os abusos, corrige as falhas, pune as transgressões, traça os limites à liberdade de cada um, impedindo a penetração indevida na órbita das liberdades alheias." Caio Mario da Silva Pereira, Instituições de direito civil: contratos, 14. ed., São Paulo: Forense, 2010. p. X.