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PGR QUER TORNAR TRABALHO ANÁLOGO À ESCRAVIDÃO CRIME IMPRESCRITÍVEL

O procurador-geral da República, Augusto Aras, com a colaboração do Ministério Público do Trabalho (MPT), ajuizou nesta segunda-feira (3/3) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal na qual defende a imprescritibilidade do crime de trabalho análogo à escravidão, previsto no artigo 149 do Código Penal.

Renato Alves/MTEPrescrição do crime de trabalho análogo à escravidão reduz proteção das vítimas

Na ação, que foi distribuída para o ministro Nunes Marques, o PGR também requer concessão de liminar para que, até o julgamento de mérito do processo, juízes e tribunais se abstenham de declarar a prescrição desse tipo de ilícito.

Somente no ano passado, foram resgatados 2.575 trabalhadores em situação análoga à escravidão no país. Neste ano, o número foi de 918, apenas entre janeiro e 20 de março, representando aumento recorde de 124% em relação ao mesmo período de 2022.

A frequente prescrição desses delitos — que é incompatível com as previsões constitucionais e internacionais — impacta diretamente o combate a essa prática, estimula a sensação de impunidade e reduz a proteção das vítimas, afirma a PGR.

O artigo 149 do Código Penal estabelece ser crime, passível de pena de reclusão de 2 a 8 anos, a redução de alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; sujeitando-o a condições degradantes de trabalho; ou restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Na ADPF, Augusto Aras explica que a vedação do trabalho escravo está inserida em um regime amplo de tutela da liberdade e da dignidade humana, que deriva não somente dos preceitos constitucionais, mas também das normas e decisões de Cortes internacionais. Esse bloco normativo — Constituição e tratados internacionais — impõe ao poder público os deveres de proteger adequadamente os bens jurídicos constitucionais e de processar e punir quem pratica o crime.

Na perspectiva constitucional, a fixação de um limite temporal para a punição pelo Estado a crimes dessa natureza representa violação aos seguintes preceitos fundamentais: dignidade humana, valor social do trabalho, objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre e solidária, princípio internacional da prevalência dos direitos humanos, assim como os direitos à liberdade e à integridade física do trabalhador, a proteção social do trabalho, a expropriação por práticas análogas à escravidão e a imprescritibilidade do crime de racimo.

Já sob o aspecto normativo internacional, a proibição da escravidão contemporânea é norma imperativa do Direito Internacional dos Direitos Humanos, que exige dos Estados o dever de impedir, de forma absoluta, a concretização desse tipo de violação. Nesse sentido, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu em diversas ocasiões ser inadmissível a incidência da prescrição na investigação e eventual punição dos responsáveis por graves violações de direitos humanos.

A necessidade de punir exemplarmente a escravidão ainda é medida de reparação histórica, sobretudo, quando, mesmo 134 anos após a abolição formal da escravização de pessoas no país, a realidade comprova a persistência de formas de escravidão contemporâneas, a atingir setores mais vulneráveis por fatores históricos, sociais, econômicos, migratórios, étnicos, raciais e de gênero.

Crime imprescritível 
A prescrição é a limitação temporal para o exercício da persecução penal pelo Estado. Trata-se de garantia histórica do indivíduo em relação ao poder investigatório, persecutório e executório do Estado. No entanto, não é absoluta. A própria Constituição excetua crimes da incidência das normas prescricionais, o que comprova a possibilidade de não prescrição sobre condutas específicas. É o caso do crime de racismo. A Carta Magna expressamente o elegeu e classificou como inafiançável e imprescritível.

Augusto Aras entende que tal previsão constitucional — quanto à imprescritibilidade do crime de racismo –— não só não impede, como também se harmoniza com o reconhecimento pelo Supremo dessa outra hipótese de imprescritibilidade.

"A interpretação dos comandos explícitos e implícitos de criminalização constantes do texto constitucional de 1988 associada ao eixo axiológico da Constituição Federal, centrado na dignidade e liberdade humanas, levam à conclusão no sentido da não recepção dos artigos do Código Penal (arts. 107, IV, 109, 110, 111 e 112 do Decreto-Lei 2.848/1940) no que preveem prescrição ao crime previsto no artigo 149 do Código Penal", argumenta.

Caso Fazenda Brasil Verde
A proibição da escravidão também se encontra documentada na sentença da Corte Interamericana que puniu o Estado brasileiro no caso dos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde. Na decisão, a Corte declarou que a prescrição de crimes como os de escravidão contemporânea "é incompatível com a obrigação do Estado brasileiro de adaptar sua normativa interna de acordo com os padrões internacionais", ressaltando que a figura da prescrição representou violação ao artigo 2º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

O colegiado internacional entendeu que a perda do direito de punir do Estado, em virtude do decurso do tempo, não pode ser invocada diante do delito de escravidão e suas formas análogas, em razão de seu caráter de delito de Direito Internacional.

Aras adverte que o Brasil permanece descumprindo o 11º ponto resolutivo da sentença, relativo justamente à não aplicação da prescrição aos crimes internacionais de trabalho escravo. "Além disso, em sua dimensão coletiva, [a imprescritibilidade] inclui o direito da sociedade à construção da memória, história e identidades coletivas, possibilitando-se que as pessoas conheçam os acontecimentos de sua localidade e a realidade de determinado fato criminoso em suas consequências jurídicas e sociais", complementa.

Por fim, o PGR requer que a ADPF seja julgada procedente para declarar a não recepção, sem redução de texto, dos artigos do Código Penal relativos à prescrição (artigos 107, inciso IV, 109, 110, 111 e 112, do Decreto-Lei 2.848/1940). Com informações da assessoria de imprensa do MPF.

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ADPF 1.053