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COMO COMBATER TRIBUTO PRESCRITO E PARCELAMENTO DE DÉBITO

Encontra previsão, no artigo 3º do CTN (Código Tributário Nacional), o tributo como sendo o grande impulsionador de investimentos de um Estado organizado.

Ao afirmar, na lei, que ele se apresenta como uma prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada, essa afirmação traduz a máxima de que o tributo além de necessário, legal, ele representa como um elemento essencial ao progresso de uma sociedade.

E aqui não nos referimos ao riscos que a sociedade corre quando é
governada por péssimos gestores, o que há se destacar é que o tributo impõe a possibilidade de realização obras, serviços, produtos e toda uma gama de ações vertidas à população, preservando, ao máximo, a distribuição de renda igualitária, o respeito ao princípio da isonomia, dando dignidade a sua gente.

Quando falamos na importância dos tributos para progresso social, tal
assertiva se assemelha, em muito, ao princípio do subsídio cruzado, extremamente concentrado nas políticas de saneamento público do Brasil, destacadamente no preços das tarifas de água e esgoto, que traduz a ideia de justiça social, ou seja, os sistemas mais caros sustentam os mais vulneráveis, respeitando a isonomia e concedendo os mesmos direitos a todos.

Todavia, há sempre de se indagar: pagar tributo é bom? Cremos que a
grande maioria da população vai dizer que não. E pagar tributo quando o mesmo está inquinado de alguma irregularidade ou falha, em sua constituição? Aí é que vem a complicação!

A força de uma execução fiscal, o poder devastador dos efeitos de um
processo executório (penhora de contas bancárias, bloqueio de carros, imóveis, ativos, etc.), aliada a nova temática imposta pelas novas medidas executórias, em seu artigo 139, IV do CPC [1] (bloqueio de CNH (Carteira Nacional de Habilitação), cartão de crédito, passaporte do devedor, etc.), levam ao devedor executado a refletir e agir de forma rápida, quando não dispõe de suporte financeiro para enfrentar uma boa contenda na justiça, a aderir ao parcelamento de seu débito tributário.

Sem deixar de mencionar que o débito tributário, ainda, expõe o
contribuinte devedor a demanda na seara criminal, por algum ilícito penal (por exemplo, sonegação fiscal), podendo levar a uma condenação, interferindo, sem sombra de dúvida, na rotina do devedor e em seu futuro, quer seja na vida social, quer seja na caminhada empresarial.

Todos estes gatilhos, como dito alhures, levam ao contribuinte, que se
encontra em débito tributário, a aceitar o parcelamento da dívida, como forma de se afastar dos amplos riscos suscitados, corroborando, "cegamente", com a assunção dos valores impostos pelo Fisco, de forma parcelada, suspendendo os efeitos deletérios de uma execução fiscal ou, até mesmo, de uma ação penal contra o mesmo.

Isso induz a não analisar, de maneira aprofundada, a origem do tributo
cobrado, não se verifica se o mesmo encontra-se atingido por alguma falha que não o levaria a produzir qualquer efeito no mundo jurídico. Dentre essas falhas, podemos citar a ilegalidade do tributo, inconstitucionalidade da lei que o fundamenta, erro, dolo, fraude, simulação e a prescrição.

Para melhor clarear as ideias, podemos esmiuçar, de maneira rápida, o
sentido de cada um dos equívocos apontados, vejamos:

- Ilegalidade: tributo baseado ou constituído em uma legislação falha, errônea; o fundamento de toda tributação está previsto no artigo 150, I da CF, onde consigna ser vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça, visto que o tributo é um veículo de invasão patrimonial, sendo a lei seu regulador. Portanto, se a norma que o institui é ilegal, não há como ele vingar;

- Inconstitucionalidade: ocorre quando o tributo é declarado inconstitucional pelos tribunais superiores, ou seja, uma lei é inconstitucional quando é produzida materialmente em desacordo com a CF; esvazia-se toda sua capacidade de produção de efeitos jurídicos, deslegitimando a cobrança do mesmo, ou seja, o poder de sua exação;

- Erro: pode ser "de fato", quando se tratar de uma interpretação equivocada da norma, em sua estrutura; ou erro “de direito” é quando ocorre desequilíbrio entre a norma e sua aplicação no caso concreto. Tributarista de escola, o professor Paulo de Barros Carvalho explica bem essa distinção [2];

-  Dolo: é quando se tem a consciência, o querer, a vontade límpida, de que aquele comportamento, por parte do Fisco ou do contribuinte, pode levar a um delito tributário;

- Fraude: uma ação ou omissão dolosa que tende a impedir ou retardar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, reduzindo o montante do tributo ou, até mesmo, diferindo seu pagamento. (artigo 72, Lei nº 4.502/64);

- Simulação: com previsão no parágrafo único, do artigo 116 do CTN, bem como, no artigo 167 do CC 2002, consiste em um artifício ou ato de alguém que visa ludibriar a realidade dos fatos, desfocando a veracidade da informação.

Agora, por sua vez, trazemos à tona o mais comum dos institutos
mencionados, que é a prescrição tributária. Para falar dela é necessário destacar que se trata de um fato jurídico representado pela perda do direito subjetivo de ajuizamento de ação de execução (fiscal) do valor do tributo, ou seja, quando o Fisco perde o time para exercer sua cobrança, em plenitude.

E aqui não trazemos, necessariamente, a distinção entre prescrição "pura"
e a intercorrente, haja vista que o objetivo do que ora se ressalta é retratar a possibilidade do Fisco impor ao contribuinte a cobrança de um tributo já prescrito e este, por sua vez, por desconhecimento do tema ou, até mesmo, pela não valoração da importância na contratação de um advogado especialista, assume aquele débito tributário, procede com o parcelamento e quita-o, mesmo em prejuízo.

O contribuinte não consegue vislumbrar sequer a possibilidade de
suscitar tal tema em uma defesa administrativa/judicial, bem como, discernir que a prescrição e, até mesmo a decadência, por si só, podem levar, por exemplo, a extinção de uma punibilidade penal nos crimes contra a ordem tributária, quanto mais produzir efeitos na seara cível.

Tanto a doutrina, quando a jurisprudência são contundentes no sentido
em defender a decadência e a prescrição como causas extintivas de crédito tributário e de punibilidade penal.

Vejamos, por exemplo, o que diz o STJ:

"RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. AÇÃO PENAL. CRÉDITO FISCAL. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE LANÇAMENTO. CRIME MATERIAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. TRANCAMENTO. PRECEDENTES. 1. Os crimes definidos no artigo 1º, da Lei nº 8.137/1990, a teor do entendimento consagrado pelo Supremo Tribunal Federal, são materiais ou de resultado, somente se consumando com o lançamento definitivo do crédito fiscal. 2. Nesse contexto, decaindo a administração fiscal do direito de lançar o crédito tributário, em razão da decadência do direito de exigir o pagamento do tributo, tem-se que, na hipótese, inexiste justa causa para o oferecimento da ação penal, em razão da impossibilidade de se demonstrar a consumação do crime de sonegação tributária. 3. Recurso desprovido". (REsp 789.506/CE, relatora ministra LAURITA VAZ, 5ª TURMA, julgado em 25/4/2006, DJ 22/5/2006, p. 245). 

O STF (Supremo Tribunal Federal) também corrobora tal entendimento, quando diz que o direito penal está figurando como artifício à cobrança de tributo, a evidenciar a ilegitimidade da ação penal frente a tributo prescrito que não pode ser exigido, sequer, na seara cível. (Habeas Corpus nº 81.611).

Voltando para a temática cível, reforçando o que foi dito anteriormente,
pode-se questionar a hipótese em que o contribuinte devedor, diante de uma cobrança do Fisco (no campo administrativo ou judicial), ciente dos riscos que aquela exação pode causar em sua vida, em seu patrimônio, assume um parcelamento de débito, como forma de postergar os efeitos das medidas processuais.

Pergunta-se: com o parcelamento feito impõe-se uma blindagem sobre
aquela negociação? Ou seja, não se poderia mais o contribuinte trazer questionamentos sobre o tributo parcelado? E se o tributo, objeto do parcelamento, estava prescrito? O que fazer?

São questionamentos extremamente contundentes, mas que tem como
resposta um "sim" em favor do devedor, posto que não existe a possibilidade de tornar imutável, intocável, inabalável, qualquer indagação que venha a ser feita pelo contribuinte no parcelamento que por ele foi realizado.

É bastante natural que o Fisco se utilize da ideia de que com a realização
do parcelamento se torna, praticamente, impossível abrir às discussões a respeito dos aspectos fáticos da obrigação tributária que originou o fatiamento do débito. Ledo engano.

Tanto a doutrina Pátria, quanto a jurisprudência dos tribunais brasileiros
são uníssonos em verbalizar que em toda e qualquer confissão de débito tributário não impede que o mesmo seja objeto de discussão judicial, tocantes a temas jurídicos que possam atingir a credibilidade do tributo.

Isso quer dizer que mesmo diante de um cenário de parcelamento de um
tributo, o contribuinte pode questiona-lo, em juízo, mediante ação declaratória ou anulatória fulcrada nos aspectos jurídicos da obrigação e, mais precisamente, na prescrição do tributo.

O próprio STJ, sob a sistemática de recursos repetitivos, já havia firmado
tese (tema nº 375), que explana o seguinte:

"A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos."

Esta hipótese, inclusive, é baseada no princípio da inafastabilidade da
jurisdição, previsto da Constituição, em seu artigo 5º, inciso XXXV, que diz:

"Artigo 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXV — a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito."

A jurisprudência rema no mesmo sentido, quando reconhece que a
confissão de um débito tributário leva ao reconhecimento, pelo devedor, da precisão dos fatos, todavia, não rechaça a possibilidade de discutir os aspectos jurídicos da cobrança, vejamos:

"TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO. CONFISSÃO DE
DÍVIDA. DISCUSSÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO. ADESÃO À PARCELAMENTO APÓS LAPSO PRESCRICIONAL CONSUMADO. 1. A opção pelo parcelamento da dívida implica confissão irretratável dos fatos, mas não exclui a possibilidade de discussão dos aspectos jurídicos da exação, considerado o princípio da inafastabilidade da jurisdição. 2. O crédito tributário extinto pela prescrição não pode ser reativado pelo pedido de parcelamento."

(TRF4, AG 5051348-56.2019.4.04.0000, 1ª TURMA, relator
FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 09/12/2020).

A temática debatida no STJ traz à tona o entendimento de que a confissão
de dívida, realizada com a finalidade de obter parcelamento da dívida tributária, não pode inibir questionamentos judiciais, destacadamente quanto aos seus aspectos jurídicos; até mesmo a matéria de fato, oriunda da dívida parcelada, pode naturalmente ser invalidada se for comprovado o defeito, levando a nulidade do ato jurídico.

Inclusive, é bom ressaltar que a própria administração tributária tem o
dever de revisar seus atos, de ofício (por exemplo, lançamento), quando se comprova a presença de erro de fato que macula a exação, conforme regra do artigo 145, III c/c artigo 149, IV, ambos do CTN. Não se admite levar tais equívocos para a confissão e parcelamento da dívida, haja vista que a mesma poderá ser invalidada.

Todavia, nestes casos, esperar pelo Fisco para corrigir seus erros talvez
não seja a melhor escolha; caberá ao contribuinte que se sentiu prejudicado contratar um advogado especialista na área, ajuizar ação anulatória/declaratória, suscitando a prescrição do tributo parcelado, objetivando anular a confissão pactuada e buscar o ressarcimento daquilo que foi pago erroneamente.

A prescrição tributária é causa flagrante de extinção do crédito tributário,
conforme reza o artigo 156, V do CTN. Assim, tem-se que desaparecido o crédito, será decomposta a obrigação tributária, que não pode subsistir na ausência do nexo relacional que atrela credor e devedor.

De mais a mais, é salutar o contribuinte, que suportou o ônus econômico
do pagamento errado, se atentar para o detalhe da ação judicial a ser manejada, bem como, para a repetição do indébito tributário (recuperar o que foi pago equivocadamente, com base no artigo 165 CTN). Registre-se que se pode recuperar os últimos cinco anos.

Portanto, resta claro que quando o contribuinte assumir um parcelamento
de um débito tributário já prescrito, cabe a ele questionar em juízo ou fora dele, como forma de combater esse comportamento do Fisco, visando, além de anular a confissão, a recuperação do que foi pago equivocadamente, até porque, nestes casos, não há, como ficou provado, a imutabilidade dos questionamentos da confissão de débito realizada.

O Fisco não pode enriquecer com base em tributação prescrita. Essa é a
máxima.

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[1] Artigo 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;

[2] "Enquanto o 'erro de fato'; é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o 'erro de direito'; é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui 'erro de fato', por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município 'X';, mas estar consignado como tendo acontecido no Município 'Y'; (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). 'Erro de direito', por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva". (Paulo de Barros Carvalho, in "Direito Tributário — Linguagem e Método", 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, páginas 445/446).