OPINIÃO CRIEMOS O CONAMICO PARA COMBATER À PAGAÇÃO DE MICO
Depois me digam se existe chance de isto tudo ter um bom final. A pergunta é: o Brasil morre no final? O Direito sobrevive ao negacionismo epistemológico?
As bizarrices se acumulam. Dos livros tipo "Seja F... em Direito Constitucional" (cá entre nós, o que o autor espera que alguém diga de um livro que tem um palavrão no título?), Direito Desenhado, Ilustrado, Mastigado, Twitado, sem as partes chatas (e tantos outros) ao uso do ChatGPT em petições, cresce a pagação de mico. Sem regulamentação.
A publicidade e propaganda possuem o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária). Mas no direito isso não acontece. Deveria haver algo assim.
Vem bem talvez o pagamento de multa. Fez bem, aliás, o TSE ao meter uma coima no causídico que usou ChatGPT e fez uma ladainha (palavras do relator) em petição ao Tribunal Superior Eleitoral. Levou uma chinelada. Bem-feito. A patacoada custou mais de R$ 2 mil. Pergunte-se ao ChatGPT o link para pagar o boleto. (Atenção: contém ironia.)
Proponho, por isso, a criação do Conselho Nacional de Combate à Pagação de Mico (Conamico). Com isso, poderíamos multar alguns tiktokers (que nitidamente pagam mico) e a quem publica livro dizendo que aquele que compra pode ser F... em direito. Ou Shazam. Ou algo desse naipe. Coima neles.
E caberia uma forte coima em quem promete ao utente "aprender direito em cinco minutos", conforme anúncio de uma lawtech (sic) chamada LawClass, que diz que "utiliza a inovação para disseminar conhecimento de qualidade". Em cinco minutos? Cada coisa... Sempre assim. "Inovação". Ah, o "novo". É igualzinho ao velho. Só é novo.
Direito do consumidor, onde andará esse desconhecido?
Lembram-se da Faculdade do Balão Mágico? E de outra dizendo que você pode ser "Deus na terra" prestando concurso para juiz... depois, é claro, de cursar a tal faculdade.
Não melhoramos nada? Será possível isso?
O que se sabe é que o preço do mico subiu muito depois do anúncio da criação do Conamico.
O hors concours (prêmio máximo) fica para o "curso para estagiário". Sim. Um causídico ou bacharel (não sei se possui OAB) lança o Curso Formando Estagiários — O que a faculdade não ensina. Pois se alguém achava que já havíamos alcançado o fundo do poço, eis que aparece o anúncio de venda de pás e enxadas. Cavemos mais, pois. Ao menos essa capacidade nós temos bem no direito: é sempre possível cavar mais fundo. A única coisa que não termina é o poço.
Ah, e claro: a pagação de mico tampouco.
Por que ninguém pensou antes nisso? Curso para ser estagiário — porque a faculdade é muito ruim, muito falha... Hum.... Ela não ensina a ser estagiário. E o curso vem a calhar. Matriculem-se!
O Conamico terá muito trabalho. Como para este articulista, o escriba que está aqui já há algum tempo. "Como o senhor acha assunto pra escrever toda semana", perguntou-me um aluno uma vez.
Como será, pois não? Que coisa terrível.
O buraco é tão fundo que daqui a pouco vai ter cursinho para membros do Conamico. E haverá workshops para formação de enunciados. Do Conamico. E então precisaremos de um meta-conselho. Até que criem um cursinho numa nova "lawtech".
Este escriba estará aqui. Até que a ConJur me expulse e coloque o ChatGPT no lugar.
Até lá, cartas para a coluna.
Post scriptum: god, human, animal, machine
Um assunto interessante me apareceu lendo o livro God, Human, Animal, Machine, de Meghan Ogyeblin, acerca de uma indagação feita pelo filósofo Thomas Nagel em artigo de 1974: "Como é ser um morcego?". O que um estagiário diria disso, depois de passar pelo cursinho para ser estagiário?
Pois é. A consciência só pode ser observada de dentro. Um cientista pode passar décadas em um laboratório estudando a eco localização e a estrutura anatômica dos cérebros dos morcegos e, no entanto, nunca saberá como é, subjetivamente, ser um morcego — ou se é alguma coisa.
Mas o livro não é sobre morcegos. Nem de livros que tornam alguém F... em direito. É sobre inteligência artificial. Instigante. Um baita livro.