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O PRAZO DE VIGÊNCIA DO ACORDO DE ACIONISTAS E SUAS HIPÓTESES DE RESCISÃO

O acordo de acionistas, previsto no artigo 118 da Lei das Sociedades por Ações (LSA) constitui um contrato celebrado entre os sócios a fim de regular o seu relacionamento no âmbito da sociedade.

Por conta da previsão expressa deste tipo de contrato na LSA, ele de fato é mais comumente utilizado no âmbito das sociedades por ações. Entretanto, nada impede que ele também seja utilizado para disciplinar o relacionamento dos sócios de uma sociedade limitada, de uma sociedade simples ou até mesmo de uma sociedade em conta de participação.

Como já dito, o acordo de sócios é um contrato celebrado em um contexto societário, que visa regular certos direitos e obrigações entre eles, principal e mais usualmente relacionados a: 1) compra e venda de participação societária; 2) preferência para adquiri-la; 3) exercício do direito de voto; 4) exercício do poder de controle (artigo 118, LSA).

O acordo de acionistas, portanto, é  um  contrato parassocial, que compreende contratos entre a partes que regulam ou complementam seus direitos e obrigações como sócios de determinada sociedade e por isso são considerados coligados ao contrato social, ou acessórios deste.

Tendo em vista que os acordos de sócios, de um modo geral, implicam restrições ao direito do acionista, seja quanto ao exercício do direito de voto ou quanto à livre negociação de suas ações, muito se indaga (e se diverge) acerca da possibilidade de sua resolução antes do prazo e, para os acordos sem prazo determinado ou determinável, a sua resolução imotivada pelos seus signatários.

E, diante das divergências existentes, há anos, na doutrina e na jurisprudência, este artigo visa, especificamente, abordar referido tema.

Modalidades de Acordo de Acionistas
Para a maior parte dos estudiosos do assunto, a discussão acerca da possibilidade de resolução dos acordos de acionistas, passa, inicialmente, pela análise de sua modalidade, isto é, se estamos falando de um acordo de voto ou, alternativamente, de um acordo de bloqueio.

Os acordos de voto basicamente são os acordos que visam orientar o exercício do direito de voto dos contratantes, de forma que nas assembleias gerais da Companhia, todos votem exatamente no mesmo sentido. Também chamados de pooling agreements, estes tipos de acordo geralmente preveem a realização de uma reunião prévia entre os acionistas a fim de que eles se manifestem antecipada e livremente sobre a matéria a ser submetida à deliberação da assembleia para que, definida a vontade da maioria, todos eles, na assembleia geral propriamente dita, votem da mesma forma.

Já os acordos de bloqueio são aqueles que impõem restrições à transferência ou negociação de ações, tais como aqueles que versam sobre o direito de preferência em caso de alienação, opção de compra ou venda, tag along, drag along e lock-up.

A respeito das modalidades de acordos de acionistas e a da relevância desta distinção para o tema ora em discussão, vale conferir as lições de Nelson Eizirik:

"Quando o acordo versa sobre o voto ou sobre o exercício do poder de controle, há uma comunhão de escopo entre as partes, caracterizando-se, então, como um contrato plurilateral, no qual os interesses dos signatários não são opostos, mas dirigem-se a uma finalidade comum, há entre eles affectio societatis, consistente na vontade continuada de colaboração. Por outro lado, se o acordo trata de restrições à alienação de ações  direito de preferência, opção de compra ou venda, por exemplo , não existe uma comunhão de escopo, caracterizando-se como um contrato bilateral, em que os interesses não são confluentes. Tal distinção é fundamental para o deslinde de duas questões, mais adiante analisadas: a possibilidade de resilição unilateral dos acordos sem prazo determinado e a resolução por quebra da affectio" (EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II. 3ª edição revista e ampliada. Artigos 80 a 137. São Paulo: Quartier Latin, 2021, p. 307).

A resolução antecipada dos acordos de acionistas com prazo determinado
As controvérsias existentes acerca dos acordos celebrados por prazo determinado se restringem acerca da possibilidade de rescisão motivada antes do prazo.

Isso porque o artigo 118, §6º da LSA dispõe expressamente que o acordo de acionistas cujo prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva somente pode ser denunciado segundo suas estipulações.

Ou seja, sendo o acordo de prazo determinado ou de prazo determinável e nele havendo cláusula resolutiva, seja em razão de termo ou da implementação de condição, o acordo somente pode ser rescindindo ou denunciado nas hipóteses nele previstas.

Assim, em nosso entendimento, sem maiores esforços interpretativos, não é admitida a sua denúncia imotivada antes de decorrido seu prazo ou implementada a sua condição resolutiva.

Já para os acordos em que, apesar de terem prazo determinado ou determinável, não há cláusula resolutiva, acreditamos ser possível a sua resolução antecipada de forma motivada, pela via judicial ou arbitral, conforme o caso, tão somente em caso de incompatibilidade insanável entre os sócios, tais como nos casos de falência, insolvência, condenação por crime de corrupção ou trabalho escravo, ou no caso de inadimplemento.

De fato, nas sociedades com contornos mais "pessoais", tais como as sociedades limitadas e as sociedades de capital fechado tais motivos podem se enquadrar na perda da famosa affectio societatis.

Com efeito, a perda da affectio societatis, trata-se de um argumento complexo, pois, como sustentar que há a affectio para a manutenção da condição de sócio, mas, por outro lado, ela não existe para sustentar a condição de parte do acordo de acionistas?

A fim de evitar essa conveniente dualidade, nosso entendimento é no sentido de que, se o acionista pretende se desvincular do acordo ao argumento da quebra da affectio societatis, tal quebra deve ser "forte" e ‘motivada’ o suficiente não apenas para pôr fim ao acordo de sócios, mas também para fazer cessar o vínculo societário entre as partes, implicando, portanto, a própria dissolução ou retirada da sociedade.

Já nas sociedades de capital aberto ou naquelas fechadas, formadas por diversos investidores que se unem apenas com vistas à percepção de lucros, acreditamos que esse motivo (ausência de affectio) não seria apto a motivar a rescisão antecipada do acordo, haja vista nem a sociedade, tampouco o acordo foi contratado em função dessa premissa, isto é, da afinidade entre os sócios.

É com base nesse mesmo raciocínio que se torna relevante a distinção entre os acordos de voto e os acordos de bloqueio.

É aceitável que os acordos de voto, por materializarem a convergência de interesses para o alcance do interesse social, sejam rescindidos pela perda da affectio societatis. Por outro lado, diante do aspecto sinalagmático dos acordos de bloqueio, a affectio de maneira alguma poderia ensejar a sua rescisão.

Nesse sentido, concluímos, com relação aos acordos de acionistas celebrados por prazo determinado ou determinável, sua rescisão pode ocorrer no fim do seu prazo ou nas hipóteses nele previstas, ex vi do §6º do artigo 118, LSA ou por motivo justo, assim entendido como aquele que torna insustentável a manutenção tanto do vínculo contratual, quanto do vínculo societário entre as partes envolvidas seja por falta de affectio (como ocorre, geralmente, nos acordos de voto ou nas sociedades de caráter mais "pessoal") ou por inadimplemento (como ocorre, geralmente, nos acordos de bloqueio ou nas sociedades de caráter mais "patrimonial").

Como se vê, a resolução do acordo de sócios antes do prazo ou fora das hipóteses nele previstas deve ser analisada e concedida, em sede judicial ou arbitral, em função das particularidades de cada caso, da modalidade do acordo, da estrutura da sociedade envolvida e, principalmente, da busca dos motivos que levaram à contratação e à proposta de desfazimento da avença.

"A quebra do acordo antes de seu termo final ocorrerá por vontade dos signatários ou por decisão judicial em face de provocação do acordante irresignado com a sua permanência. Assim, eventuais dificuldades surgem somente com referência a esta última hipótese, qual seja, a quebra unilateral do contrato pelo retirante. Essa saída só ocorrerá de forma fortemente motivada nascida da quebra de confiança entre os signatários ou da forte inconveniência de lá permanecer. A desconfiança ou impossibilidade pode nascer de uma série enorme de situações, tais como abuso de poder, atuação em conflito de interesse, brigas pessoais, agressões etc. A essa enorme variedade de situações a doutrina e a jurisprudência denominam como a perda da affectio societatis ou perda dos motivos que levaram à assinatura do acordo, a qual se transformou em desavenças pessoais de vários graus de animosidade. (...)".

"Grande parte da dificuldade hoje encontrada pelos doutrinadores e pelos julgadores decorre da distorção ocorrido com o significado do termo affectio societatis. A indagação surge no momento em que o interesse de determinado signatário é suficientemente forte para justificar o rompimento do contrato; não porque lhe seja desinteressante continuar a fazer parte do pacto, mas porque a imagem ou permanência vinculativa lhe prejudicam seriamente. Esse seria o caso quando um de seus signatários é declarado inadimplente, processado, declarado falido ou objeto de escândalo. Em situações desse tipo, estaria atendido o interesse que justificou a formação do grupo de voto? Provavelmente não. Porém, devemos ter em mente que essa quebra, nas sociedades anônimas de capital aberto, pode se diferenciar das motivações ocorrentes em uma companhia formada por poucos sócios, na qual o conhecimento entre os acionistas em muito difere dos signatários de uma companhia de participação pulverizada". (MATTOS FILHO. Ary Oswaldo. Direito dos Valores Mobiliários. Rio de Janeiro: FGV, 2015, p. 481-482).

Resolução dos acordos celebrados por prazo indeterminado
Sem dúvida, a maior divergência jurisprudencial e doutrinária reside nos acordos firmados por prazo indeterminado.

A corrente mais "civilista" sustenta que por se tratar o acordo de sócios, precipuamente, de um contrato, ele submete-se à disciplina geral do direito das obrigações, em que impera o princípio de que ninguém pode ser obrigado a associar-se a outrem perpetuamente, motivo pelo qual seria permitido ao acionista denunciá-lo a qualquer momento, de forma imotivada, mediante envio de prévia notificação aos demais.

Em que pese esse entendimento, adotamos uma postura divergente, mais ‘moderna’, de que não é lícito ao acionista denunciar o acordo de forma unilateral e imotivada, pois tal prática seria incompatível com o desenvolvimento empresarial e a estabilidade dos negócios jurídicos. Nas palavras de Maria Isabel de Almeida Alvarenga:

"A pretendida desconstituição não pode ser reconhecida. Não há como invocar no caso aqui examinado direito à resilição unilateral porque sem prazo de vigência o ajuste. As normas que assim rezam, devem ser interpretadas à luz do moderno desenvolvimento dos negócios que envolvem organizações societárias; (...) Esse entendimento moderno e consentâneo com a complexidade do mundo comercial repercutiu na doutrina e na jurisprudência; deve ser prestigiado, uma vez que seria manifestamente injurídico — e  por isso mesmo injusto, a impedir fosse prestigiado pelo bom direito — pudesse uma das partes, após receber substancial aporte de capital e transferência de tecnologia, sem mais aquela, unilateralmente, pelo exercício da verdadeira denúncia vazia, considerar desfeito o acordo que pouco tempo antes fora celebrado". (ALVARENGA, Maria Isabel de Almeida. Impossibilidade de resilição unilateral do acordo de acionistas por prazo indeterminado: jurisprudência comentada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, v. 108, p. 186-196, out./dez. 1997, p. 187-188).

Afinal, como bem esclarece Carlos Orcesi da Costa, caso a denúncia vazia fosse admitida de forma indiscriminada, e neste caso ele cita como exemplo os acordos de bloqueio, tais acordos seriam "papeluchos inúteis":

"Basta ver que, se qualquer acionista pudesse a qualquer tempo, romper o acordo de bloqueio, ele seria um papelucho inútil. Todos o assinariam hoje, e bastaria que um, no dia seguinte, não o desejando cumprir, promovesse a sua rescisão unilateral. Muito menos razoável seria se pudermos imaginar que o acordo já possa ter sido observado, noutras ocasiões, até mesmo em benefício do rescindente". (COSTA, Carlos Orecesi,  in Revista de Direito Mercantil, nº 60, out/dez, 1985, p. 38 e seg).

Não estamos aqui a negar o caráter necessariamente temporário dos contratos, mas, como pontua Carlos Augusto da Silveira Lobo, em se tratando de acordo de acionistas, é muito mais razoável concluir que as partes quiseram obrigar-se enquanto se mantivessem as condições básicas que as conduziram a celebrar o pacto.

Desta feita, mais uma vez, orientamos no sentido de que, também nos acordos celebrados por prazo indeterminado, não seria possível a denúncia vazia, sob pena de gerar-se uma insegurança jurídica e até mesmo abuso de direito por qualquer de seus signatários, cenário este claramente indesejável para a estabilidade dos negócios jurídicos e desenvolvimento econômico do país.

Assim, nos parece mais razoável e compatível com o atual ambiente de negócios e grau de maturidade do mercado de capitais brasileiro que esses acordos possam ser resolvidos por iniciativa de uma das partes tão somente de forma motivada (inclusive pela perda affectio, se ela, de fato, tiver sido um dos motivos pelos quais o acordo foi firmado, em sua origem, ou por inadimplemento) ou quando os ajustes nele contidos passarem a não mais fazer sentido, ante as alterações das condições – endógenas  ou exógenas – que as levaram a contratá-lo inicialmente.

Conclusões
Ante a todo o exposto, as conclusões a que chegamos são as seguintes:

a) a análise do prazo, possibilidade e condições de rescisão do acordo de acionistas deve levar em conta, inicialmente, 1) o contexto societário no qual ele foi celebrado, isto é: se a companhia é aberta ou fechada, se é composta por muitas ou poucas pessoas, se essas pessoas são conhecidas umas das outras ou não, se há um único controlador ou um bloco de controle etc; e 2) a modalidade de acordo, se acordo de voto ou acordo de bloqueio.

b) para os acordos de voto, que, de uma forma geral, são concebidos para formalizar uma vontade ou um objetivo comum entre os seus signatários, a celebração por prazos mais longos ou até mesmo por prazo indeterminado é aceitável, pois neste caso, o acordo funcionaria como uma "extensão" do próprio contrato social;

c) para os acordos de bloqueio, de natureza mais sinalagmática e patrimonial, existe menor aceitação quanto a pactos de longa duração ou de vigência indeterminada, pois diante da oposição de interesses entre as partes, a máxima de que "ninguém pode se obrigar indeterminadamente perante outrem" prevaleceria;

d) os acordos — de voto ou de bloqueio — de prazo determinado que disporem de cláusula resolutiva (seja ela a termo ou condição), só podem ser rescindidos segundo as condições nele previstas (artigo 118, §6º, LSA);

e) os acordos de prazo determinado sem cláusula resolutiva podem ser rescindidos, por inadimplemento ou incompatibilidade insustentável entre seus signatários, não sendo admitida, em nenhuma hipótese a sua "denúncia vazia";

f) os acordos de prazo indeterminado também não se sujeitam à resilição unilateral e, portanto, podem ser resolvidos apenas de forma justificada, seja pela perda da affectio ou por inadimplemento substancial, em atendimento ao princípio da autonomia da vontade, da força obrigatória dos contratos e da estabilidade dos negócios jurídicos.

Fato é que, independentemente do tipo societário e de se tratar de acordo de voto ou de bloqueio, a rescisão do acordo de sócios fora das hipóteses nele previstas, deve partir da análise dos motivos que, inicialmente, levaram as partes à sua celebração e, posteriormente, à sua ruptura.  Se por justiça entende-se que "é dar a cada um o que é seu" ou, ainda, "tratar desigualmente os desiguais", acreditamos que somente assim que o julgador estará apto a entregar a devida e justa prestação jurisdicional àqueles que a buscarem.

 


Bibliografia

LAMY FILHO, Alfredo e PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.) Direito das Companhias. Vol I. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

COSTA, Carlos Orecesi,  in Revista de Direito Mercantil, nº 60, out/dez, 1985,

ALVARENGA, Maria Isabel de Almeida. Impossibilidade de resilição unilateral do acordo de acionistas por prazo indeterminado: jurisprudência comentada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros

EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada. Volume II. 3ª edição revista e ampliada. Artigos 80 a 137. São Paulo: Quartier Latin, 2021

MATTOS FILHO. Ary Oswaldo. Direito dos Valores Mobiliários. Rio de Janeiro: FGV, 2015

CARVALHOSA, Modesto. Acordo de Acionistas — Homenagem a Celso Barbi Filho, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei das sociedades anônimas. 2º vol. Artigos 75 a 137. 6ª ed. rev. e atual, São Paulo: Saraiva, 2014.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Empresa. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.

PERA, Alexandre Krause. Prazo de Vigência e Quórum para Modificação do Acordo de Acionistas. Dissertação de Mestrado da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. 2022.

FILHO, Celso Barbi. Acordo de acionistas: panorama atual do instituto no direito brasileiro e propostas para a reforma de sua disciplina legal.