CHAGAS DA TRIBUTAÇÃO DO LUCRO ESTRANGEIRO
Após árduas negociações com o governo anterior, foi com muita satisfação que conglomerados multinacionais sediados no Brasil receberam, no apagar das luzes de 2022, a publicação da Medida Provisória nº 1.148. Ela trouxe a prorrogação até o final de 2024 tanto da opção pela consolidação dos resultados de investidas no exterior, para fins de tributação do IRPJ e da CSLL, como do direito à constituição do crédito presumido de 9% sobre o valor da parcela do resultado positivo estrangeiro oriundo de atividades industriais, computado no lucro real de suas controladoras brasileiras.
Também foi louvável a redução pela Medida Provisória nº 1.152, a redução do patamar da alíquota do imposto sobre a renda estrangeiro, caracterizadora de regimes de sub tributação, de 20% para 17%, até por conta de jurisdições como o Reino Unido, que por alguns anos praticou alíquota de 19%, e claramente não deveriam ter os resultados de investimentos lá realizados ser penalizados fiscalmente no Brasil.
Contudo, tais benesses são constantemente colocadas sob xeque em procedimentos fiscalizatórios por justificativas tanto de ordem formal (vícios no preenchimento da ECF, por exemplo), quanto material (caracterização ou não do conceito de renda ativa, introduzido pelo artigo 84 da Lei nº 12.973/2014). Até mesmo o amplamente conhecido direito a dedução na apuração do IRPJ/CSLL de valores pagos no exterior a título de tributação sobre a renda é invariavelmente mitigado nas auditorias realizadas a partir de digressões suportadas em atos infralegais.
O fato é que com o advento da Lei nº 12.973/2014, da regulamentação a ela associadas (IN RFB nº 1.520/2014), as obrigações acessórias que dela decorreram, a utilização cada vez maior pelo fisco dos acordos internacionais de cooperação mútua em matéria tributária firmados pelo Brasil com algumas jurisdições para obtenção de informações, e principalmente a notória e crescente especialização da Receita Federal para o assunto, tem se tornado cada vez mais complexo e detalhado o atendimento de fiscalizações voltadas à análise da tributação dos resultados de participações societárias no exterior.
Some-se a esse cenário as raras manifestações em processos de consulta e a ainda tímida amostra jurisprudencial sobre o tema, à formação de uma tempestade perfeita para pérolas acusatórias com autuações estratosféricas, cuja profilaxia pelos contribuintes ainda não foi efetivamente colocada à prova, podendo-se atribuir boa parte dessa letargia jurisdicional, as lacunas de funcionamento que tem assolado o Carf nos últimos anos, pautadas em motivos sanitários (pandemias), funcionais (greve de servidores) ou políticos (reintrodução do voto de qualidade).
Neste cenário, a abrangência e extensão do ainda pouco debatido conceito de renda ativa própria, condição para a opção de consolidação de resultados para fins tributários, certamente terá lugar de destaque nos julgamentos futuros, não só neste tribunal administrativo como também no judiciário. Indubitável que discussões sobre a natureza da renda de investidas no exterior voltadas à captação de recursos financeiros para o fomento de atividades e investimentos de sua controladora, sem dúvida serão um aspecto importante dessa contenda. Ainda neste espectro como devem ser classificados os resultados de entidades sem renda em determinado período, seria consolidáveis? E o resultado de equivalência patrimonial, pode ser classificado como receita decorrente de participações societárias, a qual é excluída do conceito de renda ativa? São muitas perguntas sem resposta pelos órgãos de julgamento.
A especialidade do assunto e seu potencial arrecadatório tem feito a Receita Federal até mesmo utilizar expedientes pouco usuais nas autuações mais recentes, como o arbitramento de resultados de investidas estrangeiras, previsto no artigo 16 da Lei nº 9.430/1996, sob a alegação de imprestabilidade das demonstrações financeiras de entidades do exterior.
Afora estas novas celeumas, não se pode esquecer de outras que apesar de conhecidas e largamente debatidas na jurisprudência não tiveram seu desfecho jurisdicional, sendo o maior exemplo desta espécie a contenda atinente a aplicação de tratados internacionais firmados pelo Brasil, como regra de bloqueio para tributação de resultados apurados no exterior.
Pela rápida síntese aqui retratada é possível constatar que as auditorias da Receita para a tributação dos resultados estrangeiros não só gerarão novos embates no contencioso como tentarão aperfeiçoar os já existentes, sendo premente a necessidade dos contribuintes se preparar para estes novos capítulos, por meio da atuação de seus departamentos jurídicos e assessores externos, seja para a criação de linhas de defesa, ainda em fase inicial de amadurecimento, seja pela ausência de efetivas sinalizações em termos jurisprudenciais.
No irreversível e exponencial contexto da globalização, empresas multinacionais detém dezenas ou até centenas de investidas em outras jurisdições, sujeitas a variadas regras de tributação e a constantes mutabilidades por alterações legislativas locais e sucessivas aquisições e alienações inerentes ao segmento empresarial. Conviver com esta realidade operacional já é um grande desafio. Traduzi-la a contento às autoridades fiscais é uma arte, que talvez nem mesmo as tão incensadas inteligências artificiais ainda estejam capazes de dominar.