Ver mais notícias

POR QUE AINDA HÁ EQUALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA NAS LICITAÇÕES INTERNACIONAIS

A Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, mantém a equalização tributária para o julgamento de propostas nas licitações públicas de âmbito internacional.

Como esse mecanismo funciona e qual a razão para a sua exigência na lei?

Para responder a essa pergunta é preciso revisar aspectos de realidade de mercado, que se juntam ao retrospecto histórico e de avanço pela sequência das normas legais brasileiras.

Em termos práticos, partindo de lógica similar à que existe em qualquer importação da área privada (quando empresas importadoras nacionalizam produtos e arcam com os tributos), a equalização nas licitações é a simulação de incidência de encargos tributários nas propostas de empresas estrangeiras, visando isonomia em aspectos de custos e formação de preços com as empresas brasileiras.

E o que vem em seguida à etapa competitiva, a depender do ente da Administração Pública (pois algumas estatais não entram na regra), será a supressão dos impostos para a importação, em razão da imunidade tributária recíproca (artigo 150, inciso IV, alínea "a", da Constituição).

Feita essa introdução, deve-se ponderar que pelos mais variados países existem as tributações locais e aquelas relativas aos processos de importações.

No caso do Brasil e, especificamente, de licitações com potenciais importações por entes públicos, como essa matéria foi sendo regrada ao longo do tempo?

Primeiramente, é preciso comentar sobre a Constituição Federal anterior.

A de 1967, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/69, não estabelecia o princípio da isonomia para a Administração Pública e nem a regra expressa de igualdade de tratamento entre licitantes.

Na época daquela Constituição, o Decreto-Lei nº 200/67 tratava do processo de contratações públicas nos seus artigos 125 a 144, sendo que a limitada menção às licitações de âmbito internacional, do artigo 142, não continha regra expressa sobre equalização, embora mencionasse o dever de observância de normas de comércio exterior.

O Decreto-Lei nº 2.300/86, que revogou aquele conjunto de normas de contratações públicas, também não mencionou a equalização de propostas, tendo breve menção em seu artigo 34 ao dever de observância de normas de comércio exterior.

Poderia se depreender daqueles dispositivos gerais que considerar normas atinentes ao comércio exterior também envolveria a tributação, mas havia uma insegurança jurídica sobre a equalização.

O cenário começou a mudar quando a Constituição de 1988 inovou em seu artigo 37, caput, impondo o princípio da isonomia na Administração Pública e, no inciso XXI do mesmo dispositivo, a garantia de igualdade de tratamento entre os licitantes.

Disso, a Lei nº 8.666/93, revogando o Decreto-Lei nº 2.300/86 e regulamentando o inciso XXI do artigo 37 da Constituição de 1988, estabeleceu balizas contra a desigualdade de tratamento entre licitantes, deixando ainda expressa a equalização de tributos:

"Artigo 42. Nas concorrências de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.
(...)
§4º Para fins de julgamento da licitação, as propostas apresentadas por licitantes estrangeiros serão acrescidas dos gravames conseqüentes dos mesmos tributos que oneram exclusivamente os licitantes brasileiros quanto à operação final de venda."

Importante notar que, se considerados encargos de algo com fabricação local, não se deve contar o Imposto de Importação (II), de modo que o edital de licitação somente deve considerar para equalização o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), as contribuições para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social (PIS), e o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), esse calculado pelo local de destino.

Em seguida, julgadas as propostas, com a regra de isonomia, caso a vencedora seja licitante estrangeira, no caso de ente da Administração Direta e de estatais que não se dediquem a atividades econômicas e competição de mercado, a ata da licitação terá ressalva de que os gravames tributários serão suprimidos para fins da futura contratação, pois a respectiva operação de comércio exterior com o CNPJ de um ente público que detém imunidade tributária recíproca implicará em tributação zerada.

Com a Lei nº 14.133/2021, a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a matéria ficou assim tratada, inclusive, com a equalização tributária:

"Artigo 52. Nas licitações de âmbito internacional, o edital deverá ajustar-se às diretrizes da política monetária e do comércio exterior e atender às exigências dos órgãos competentes.
(...)
§4º Os gravames incidentes sobre os preços constarão do edital e serão definidos a partir de estimativas ou médias dos tributos."

A redação do parágrafo quarto do dispositivo acima transcrito inova em deixar para o edital a definição dos tributos para a equalização, mas o fato é que estimativas ou médias de tributos das empresas que produzem localmente vão levar às mesmas conclusões, sobre quais seriam os impostos mantém a "isonomia" com empresa que fabrique um produto no Brasil: IPI, PIS, Cofins e ICMS.

Na prática, vale repetir, continuou a mesma imposição de isonomia entre os licitantes brasileiros e estrangeiros.

Importante lembrar, por oportuno, que mesmo diante da ausência evidente de norma expressa na Lei nº 13.303/2016, a Lei das Estatais, o Tribunal de Contas da União, exatamente pelo tão repetido postulado da isonomia, acabou decidindo no Acórdão nº 2319/2021-Plenário o seguinte:

"ENUNCIADO
Em licitações de âmbito internacional, as empresas estatais devem prever, em seus regulamentos de licitações e contratos, regra de equalização de propostas, tendo por base, por exemplo, o preceito contido no artigo 52, §4º, da Lei 14.133/2021, com vistas a assegurar a comparação justa das propostas de licitantes estrangeiras com as de licitantes nacionais, em observância ao princípio da isonomia contido no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal e no artigo 31, caput, da Lei 13.303/2016."

Assim, a equalização tributária nas licitações internacionais continua reconhecida, inclusive, para estatais, que possuem regulamentos próprios.

Mas ainda há um sentido adicional em sua manutenção.

Muitas contratações são prejudicadas por preços predatórios de licitantes de alguns países que tem suas bases no dirigismo estatal, na economia planificada, com intervenção estatal, na exploração de mão de obra barata e outras práticas que aqui causam seus reflexos:

1) danos ao dinheiro público, quando não se considera o ciclo de vida útil do produto e o custo total que vem dos preços irrisórios, com seus reflexos no contrato, que não terá sido de uma "melhor" compra;

2) danos às empresas brasileiras, pela perda de chance de competir, face a licitantes de países que adotam as mencionadas práticas anticoncorrenciais; e

3) danos às empresas estrangeiras de países que prezam pela livre iniciativa, pela verdadeira economia de mercado e por condições justas de competição, pois essas estarão sem um mercado local incapaz de balizar o "meio termo" da disputa.

Por fim, cabe repetir a ênfase: se a concorrência entre empresas brasileiras e estrangeiras pelas vendas ao mercado privado considera a tributação, a etapa competitiva para vendas ao governo não deve ser banalizada, mas sim considerar também a tributação, pois a imunidade tributária de ente público (quando aplicável) é um assunto para etapa posterior, para contratação.