TSE E STF ENCABEÇARAM RESTABELECIMENTO INSTITUCIONAL DO PAÍS, DIZ GILMAR MENDES
Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, o país deve o seu restabelecimento institucional a dois vetores: o Inquérito 4.781 (aberto pelo ministro Dias Toffoli e relatado por Alexandre de Moraes) e a firmeza da ação do Tribunal Superior Eleitoral — em especial do seu corregedor, hoje no Conselho Nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão.
Em artigo, Gilmar afirma que TSE e STF lideraram restauração institucional no país
Dorivan Marinho/SCO/STF
Em dois artigos, um deles apresentado esta semana no Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o ministro analisa a trajetória do Brasil recente. "O movimento consorciado da 'lava jato' e do bolsonarismo pegou as forças políticas pelas costas — até que o ministro Salomão fez a biópsia da manipulação da internet com mensagens em massa e o TSE deu a resposta devida, paralelamente ao inquérito do Supremo."
Neste primeiro artigo, intitulado Autodefesa institucional e proteção da Constituição: algumas premissas contextuais do Inquérito das Fake News, o ministro defende que o populismo está corroendo as instituições e fomentando discursos sectários e radicalismos que colocam em xeque as garantias individuais.
Outro ponto citado é a transformação da forma de se comunicar, incluindo no período eleitoral, em que as propagandas tradicionais foram substituídas pela capilaridade das redes sociais, muitas vezes com informações falsas ou distorcidas, em especial envolvendo a atuação do Judiciário.
"O desenvolvimento de processos tecnológicos relacionados à convergência das mídias sociais, a curadoria algorítmica de notícias, bots, inteligência artificial e grandes análises de dados tem criado verdadeiras câmaras de eco, que removem os indícios de confiabilidade sobre a informação e colocam em dúvida a capacidade de governar a nós mesmos como democracias razoáveis."
Essas transformações, diz o ministro, alteraram substancialmente o conceito de esfera pública e desafiaram as balizas que sustentavam uma série de direitos já consagrados, como a liberdade de expressão; nesse contexto, o inquérito que investigou a disseminação de fake news e ataques à Corte foi instaurado em situação de grande "pressão do cenário político e de aumento da disseminação de informações falsas e ataques à base da estrutura do Estado democrático de Direito".
"Essa atribuição investigativa deve ser exercida de forma constitucionalmente orientada para os casos de crimes que afetem, ainda que indiretamente, o núcleo das competências do STF, previsto no art. 102 da CF/88. Outro critério importante que deve justificar a instauração desses inquéritos judiciais é a regra da subsidiariedade: quando a apuração de crimes cometidos contra a Corte for realizada pelos órgãos de investigação, entendo que não cabe ao Tribunal instaurar uma investigação paralela", escreve Gilmar.
Traçando paralelos com a jurisprudência e a normativa alemãs, Gilmar ainda citou o caso do ex-deputado federal Daniel Silveira como exemplo de violação dos limites da liberdade de expressão, posto que o então parlamentar ofendeu reiteradas vezes os ministros do Supremo e proferiu frases como "Convoquei as Forças Armadas para intervir no STF".
Para o ministro, há restrições às liberdades de fala dos cidadãos, incluindo os políticos, nos casos de ataques antidemocráticos; em ataques indevidos à honra das pessoas; em juízos depreciativos sem qualquer debate público ou crítica de valor político; em injúrias e nas "críticas aviltantes".
"Nesse sentido, qualquer ato de apologia ao nazismo ou ao holocausto, mesmo o uso de símbolos do nazi-fascismo, constitui crime, o que evidencia os limites da liberdade de expressão em relação à defesa da ordem democrática e à proibição à incitação a atos de violência, de tortura e de morte — tal como propagado pelo deputado federal em questão, ao defender a volta da ditadura militar."
Outro ponto discutido no âmbito da prisão de Silveira versa sobre os limites da imunidade parlamentar. Gilmar afirma que a jurisprudência do STF é consolidada no sentido de respeitar a liberdade de expressão no âmbito da atividade parlamentar. A Corte, todavia, com a ascensão da extrema direita, tem entendido que a imunidade não pode ser aplicada à extensão da personalidade do parlamentar em atos que não têm relação com sua atividade legisladora.
"O STF entendeu que não se encontra abrangido pela liberdade de expressão, tampouco pela imunidade parlamentar, o discurso proferido por deputado federal que, no exercício do mandato, em comunicação direcionada ao seu amplo número de correligionários, defende atos de violência contra a Suprema Corte e seus ministros, inclusive com o fechamento, a dissolução completa e a prisão de todos os membros do Tribunal, o que não foi feito sequer nos piores anos da ditadura", escreveu o ministro.
Regulação das plataformas
As grandes plataformas de rede, chamadas também de big techs, estão na intersecção entre o avanço da extrema direita e a proliferação das notícias falsas e dos discursos de ódio que pavimentaram a estrada para a situação atual do debate público no país. A regulamentação dessas empresas, em especial a sua responsabilização pelos conteúdos que são impulsionados por meio dos algoritmos, figura entre as principais pautas no Judiciário e no Legislativo.
No âmbito da Câmara e do Senado, tramita o chamado PL das fake news, que busca estabelecer diretrizes mais concretas sobre a responsabilidade e os deveres dessas empresas; já no Supremo, discute-se a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que isentou as plataformas de responsabilidade pelos conteúdos.
O modelo de autorregulação, que vigora hoje, diz o ministro em outro artigo, intitulado Liberdade de expressão, redes sociais e democracia: entre dois paradigmas de regulação, também acabou se transformando na esteira das mudanças dos comportamentos dos usuários e do próprio contexto político no qual o país está inserido.
"Devido à centralidade que o poder privado das plataformas adquiriu na moderação de conteúdo on-line, muitas empresas passaram a incorporar discursos constitucionais na regulamentação privada do funcionamento dos seus serviços. Todavia, essa articulação de estatutos internos acaba por ser insuficiente para a proteção integral dos direitos dos usuários relacionados à liberdade de expressão."
Gilmar coloca em questão o quanto essas empresas realmente operam em âmbito privado, visto que as discussões, posts, publicações e debates circulam como se fossem públicas. Na Europa, argumenta o ministro, houve uma mudança na legislação nos últimos anos, tendo em vista o crescimento do poder dessas plataformas.
"[Essas leis] Elegem estratégias regulatórias processuais (process-based regulations) que colocam sobre os ombros das plataformas a responsabilidade de desenhar os seus serviços de forma mais segura para impedir a circulação e impulsionamento de conteúdos que podem comprometer direitos fundamentais e as condições democráticas da rede.", argumenta o ministro.