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DELTAN JÁ SONHAVA COM POLÍTICA E SE PREOCUPAVA COM O CNMP EM 2018

Ainda que estivesse investido do cargo de procurador da República em 2018, Deltan Dallagnol já vislumbrava um futuro político. O chefe do consórcio da "lava jato" mantinha consigo mesmo um chat em que colocava em palavras suas aspirações. 

Deltan sonhava com política e se preocupava com o CNMP em 2018
Fernando Frazão/Agência Brasil

O diário improvisado de Deltan no aplicativo Telegram foi objeto de uma reportagem no The Intercept Brasil que tratava dos sonhos políticos do procurador, mas alguns trechos do diálogo ficaram de fora. A revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso à íntegra do diálogo que foi apreendido na operação "spoofing". Nele, é possível constatar o quanto a carreira política ocupava os pensamentos do membro do MPF. 

"Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado", escreve Deltan ao discorrer com ele mesmo sobre seu futuro. Uma de suas preocupações era que, ao mergulhar na vida pública sem as garantias que o cargo de procurador lhe oferecia, pudesse perder apoiadores entre religiosos. 

Ele também acreditava que uma incursão apressada no processo eleitoral poderia tornar mais difícil a aprovação do projeto das "10 medidas de combate à corrupção". 

"Pessoalmente, se me candidatar, há mais ônus do que bônus (salário, tiroteio, esposa, novo filho, mudança para Brasília, custo maior de vida, risco de não ser eleito). Se me candidatar e não lutar pelas 10+, há contradição com o próprio propósito da candidatura; se me candidatar e lutar, isso incrementa risco pessoal", escreve o precavido Deltan  — os diálogos são reproduzidos nesta reportagem em sua grafia original.

Preocupação com o CNMP
Ainda que as aspirações políticas de Deltan estivessem em estágio embrionário em 2018, o diálogo com ele mesmo deixa dois pontos claros: ele tinha quase certeza que seria eleito e já estava preocupado com possíveis punições do Conselho Nacional do Ministério Público. 

"Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens. Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger. Tem também um risco de críticas, especialmente no tocante ao envolvimento das igrejas, que precisa ser calculado e minorado na medida do possível, mas é também pagável", escreveu. 

Como se sabe, Deltan falhou ao calcular o risco de punições do CNMP. Ainda que tenha deixado o Ministério Público Federal para se candidatar a deputado federal pelo Podemos, em 2022, ele acabou tendo o mandato cassado pouco tempo depois. 

O TSE entendeu que ele estava ciente de que os 15 procedimentos administrativos dos quais era alvo no CNMP poderiam se tornar processo administrativo disciplinar (PAD) e torná-lo inelegível. Ao se antecipar e pedir exoneração, ele, na perspectiva da Justiça Eleitoral, fraudou a lei.

Predestinado
Deltan também cita o advogado Joaquim Falcão, conselheiro da ONG Transparência Internacional — que atuou como braço da "lava jato", que havia dito que, ainda que a política estivesse em seu futuro, talvez esse não fosse o melhor momento.

Nas conversas, o ex-procurador pondera se candidatar em 2022 ao Senado na vaga ocupada por Álvaro Dias (Podemos-PR). E, apesar de acreditar que seria uma disputa complicada, Deltan acredita que "se for para ser, será". A vaga sonhada acabou ficando com seu companheiro de "lava jato", o ex-juiz Sergio Moro. 

Após o denso colóquio consigo mesmo, Deltan chega a conclusão que o ideal para aquele momento era seguir como procurador e "lutar" pela renovação política cercado de garantias. 

Veja abaixo o diálogo na íntegra: 

 29 Jan 18
12:06:45 Deltan 1) Candidatura: haverá perda de credibilidade (vários apoiadores e igrejas não entenderiam), gerando um grande risco. Provavelmente eleito. Contudo, difícil lutar pela campanha das 10+ em 2018 ou depois, mesmo podendo ser intenso (“Não vote em Fulano”), não só pela perda de credibilidade, mas porque: a) eleitores do PR poderiam não entender ficar viajando o país ou achar que não defenderia o Estado; b) os candidatos dos outros Estados e outros Partidos virariam seus canhões todos, gerando risco de não alcançar eleição e de maior perda de credibilidade. 

Pessoalmente, se me candidatar, há mais ônus do que bônus (salário, tiroteio, esposa, novo filho, mudança para Brasília, custo maior de vida, risco de não ser eleito). Se me candidatar e não lutar pelas 10+, há contradição com o próprio propósito da candidatura; se me candidatar e lutar, isso incrementa risco pessoal. Para haver mudança, não basta uma ou duas candidaturas, mas uma safra inteira. A candidatura oferece um risco para a Lava Jato porque muitas pessoas farão uma leitura retrospectiva com uma interpretação de que a atuação desde sempre foi política (a la Mãos Limpas). 

Há ainda a crítica de que meu trabalho impacta na minha chance de sucesso eleitoral (ex.: Gleisi). Pior ainda, pode macular mais do que a Lava Jato, mas o movimento anticorrupção como um todo, que pode parecer politicamente motivado. Por fim, a candidatura pode macular as 10+ como uma plataforma pessoal ou de Deltan para eleição, retirando aura técnica e apartidária. Todos os custos fazem como que a leitura de que o senador tem uma “empresa do bem” (cerca de 50 funcionários) não compense os riscos. Há ainda quem leia que uma atuação simbólica como a de Randolfe é inócua (como Josias de Souza), embora eu discorde (com Michael Mohallem). 

Além disso, ainda que seja algo que está no meu destino, como Joaquim Falcão disse, sair agora seria muito arriscado e não produtivo em comparação com outras opções. Tenho apenas 37 anos. A terceira tentação de Jesus no deserto foi um atalho para o reinado. Apesar de em 2022 ter renovação de só 1 vaga e de ser Álvaro Dias, se for para ser, será. Posso traçar plano focado em fazer mudanças e que pode acabar tendo como efeito manter essa porta aberta. [Obs.: Inicialmente achei que havia circunstâncias apontando possivelmente nessa direção (desapropriação, “preparação” pelos desgastes e exposição, condições de ser eleito, todos na LJ apoiariam a decisão), e isso pesou muito, mas depois várias coisas mudaram nas circunstâncias (suspensão do pagamento da desapropriação, novo filho, opinião dos conselheiros e colegas do caso etc.) e não pode haver uma decisão mística (ou Deus fala, e devo escutar a voz do pastor, ou não me cabe cair em misticismos como tantos caem, lembrando que Deus nunca me disse para ir nessa direção, muito pelo contrário, pela voz de Chris Gleason, a última orientação foi clara para fazer o que estou fazendo), cabendo a Deus eventualmente o papel soberano e gracioso de corrigir o caminho.

 Se eu tivesse dúvida sobre o que é melhor, poderia ser fator de desempate, mas fazendo o meu melhor para exercer o livre arbítrio de modo a dar glória a Deus, devo evitar o atalho que aponta para um resultado potencialmente pior]. Há um discurso moldável em favor da candidatura (v. Michael Mohallem, mais abaixo), mas não muda o que disse (há também quem diz que sairia desmoralizado como Rodrigo Chemim ou que seria triturado lá dentro, mas não concordo totalmente nesse ponto). Ah, e, é claro, pelas pesquisas de opinião, todos acreditam que seria facilmente eleito caso concorresse. Isso é um pressuposto básico da reflexão, uma condição necessária para considerar, mas não suficiente. Ainda: é preciso lembrar que quem saiu da Lava Jato em meio a questões polêmicas foi muito queimado (como Marcelo Miller e Janot). Miller foi questionado por ter um suposto papel duplo, de procurador e de advogado da JBS... o questionamento no meu caso seria de ter outro tipo de papel duplo, de procurador e de candidato a senador.

Deltan 2) Lutar pela renovação enquanto procurador: mantém a credibilidade, mas perde a intensidade que seria necessária (“Não vote em Fulano”). Além disso, tem a virtude do que disse Joaquim Barbosa: começar e TERMINAR algo. Hoje, é aquilo em que a maioria na FT acredita. Posso tirar licença e férias e viajar o país. Precisaria me dedicar bastante a isso e me programar. Para aumentar a influência, precisaria muito começar uma iniciativa de grupos de ação cidadã. Dois pilares seriam: grupos de ação cidadã em igrejas e viagens. Tem um risco de CNMP, mas é pagável, cabendo fazer uma pesquisa de campanhas públicas (de órgãos) de voto consciente, para me proteger. Tem também um risco de críticas, especialmente no tocante ao envolvimento das igrejas, que precisa ser calculado e minorado na medida do possível, mas é também pagável. Além disso, há o risco de ficar no MPF e não desenvolver todo o meu potencial (não haverá espaço para mim e não tem como virar PRR e não aparecer), mas isso depende de mim em boa medida, do quanto eu vou reforçar o networking. Pessoalmente, o risco é de imagem, de punição no CNMP e haverá perda de férias, mas de resto é o mais confortável (ou o menos desconfortável, por evitar desgaste pessoal, familiar e potencial para a Sanegraph até), contudo é uma solução plenamente compatível com a paixão. 3) Lutar pela renovação enquanto cidadão, pedindo exoneração: esta seria a solução ideal pela perspectiva da credibilidade (não seria político, mas ativista) e de intensidade (“Não vote em Fulano). Perderia um pouco de credibilidade e visibilidade, por deixar a posição pública de coordenador da operação. Não teria riscos de corregedoria. Poderia me dedicar integralmente às 10+. Por um tempo, daria para sustentar família com as palestras, possivelmente ao longo de parte de 2018. Problema é pessoal, ainda mais com a perspectiva do 3º filho, pois não teria garantia de emprego e salário e não poderia advogar na área por algum tempo. 

Além disso, só aceitaria compliance e investigação interna, e não causas criminais, o que poderia exigir mudança para um grande centro a fim de ter viabilidade. Poderia dar aulas, mas isso também poderia exigir muita dedicação que prejudicaria a luta pela causa pública e talvez mudança para grande centro também. Ou, para dar certo, dependeria de um milagre (um filantropo decidir bancar, sustentar e investir no “projeto”, como um LFG). • CONCLUSÃO: a melhor opção, disparado, parece a segunda. Deus pode corrigir o caminho e devemos estar dispostos a pagar o preço (vender apartamento ou o que for necessário caso Deus diga em contrário, imediatamente). Mas dentro do melhor, me sinto confiante para tomar uma decisão. Como no caso de outras grandes decisões (onde trabalharia, qual órgão, ida ou não para Harvard), sempre há mais tempo para tomar decisão, mas posso tomar a partir do momento em que estou em paz de que é a melhor dadas circunstâncias, conselheiros, paz no coração, mais glória a Deus, princípios e valores bíblicos etc. (2 Coríntios 6:3: Não damos motivo de escândalo a ninguém, em circunstância alguma, para que o nosso ministério não caia em descrédito” – não deixava de haver conflitos no Ministério de Paulo, porque era contra-cultura, quebrava a teologia judaica, mudava a cultura hedonista, gerava receio romano etc, e nem porisso deixavam de encarar os leões. 

Contudo, uma coisa é encarar os leões inimigos da causa e outra é dividir quem está dentro da causa ou dar razão para quem está na causa não te seguir mais). Essa decisão não decorre de receios de riscos pessoais ou de riscos abstratos, mas de riscos concretos à causa anticorrupção. Decorre de visão sobre o que é melhor para o interesse público. Se fosse questão de conveniência pessoal, não tomaria essa decisão agora e nem estaria certo quanto a ela.