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EXTRATERRITORIALIDADE NÃO É FENÔMENO RESTRITO À INTERNET, AFIRMA EX-AGU

A extraterritorialidade, isto é, a possibilidade de aplicação da lei de um país a crimes cometidos fora de seu território, tem hoje sua face mais visível na tentativa dos Estados de regular a atuação das plataformas digitais, sobretudo contra a onda de fake news. Mas o fenômeno não é exatamente novo e extrapola o âmbito da internet, podendo ser observado, por exemplo, no combate à corrupção e ao desmatamento e até na elaboração de políticas.

Para Adams, fenômeno surgiu com a globalização e influenciou várias leis

Essa análise foi feita pelo advogado Luís Inácio Adams em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde o mês passado. Nela, algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional analisam os assuntos mais relevantes da atualidade. 

Na entrevista, o ex-advogado-geral da União falou sobre a aplicação extraterritorial das leis em tempos de globalização — período em que, segundo ele, essa tendência ganhou muita força, tendo se refletido em legislações voltadas à política e ao mercado financeiro.

"Nós precisamos entender, hoje, que o fenômeno da extraterritorialidade não é restrito à internet. É um fenômeno que surge da globalização. A própria Lei Anticorrupção é um exercício de um Estado soberano em relação a fatos ocorridos fora daquele Estado. Esse fenômeno vem se expandindo muito."

Como exemplo dessa expansão, Adams citou as mudanças feitas na Constituição de Portugal para que o país atendesse a demandas do sistema econômico-financeiro europeu. Em relação ao Brasil, o advogado lembrou que essa tendência se refletiu na elaboração de políticas que levam em conta as avaliações das agências de classificação de risco.

"Por exemplo, o investment grade (grau de investimento), que o Brasil tanto comemorou recentemente e que agora está em viés de alta, é um fenômeno totalmente privado que impõe ao país a necessidade de adotar políticas econômicas rígidas ou que atendam à necessidade daquele parâmetro de investimento que é exigido", disse o advogado.

As demandas em termos de extraterritorialidade também se estendem aos Direitos Ambiental, na forma de pressão internacional contra o desmatamento, e Penal, no combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas.

"Existe uma demanda global de preservação do meio ambiente. Essa demanda impõe, por parte dos países, uma necessidade de determinados comportamentos. É o que ocorre similarmente com a lavagem de dinheiro, por exemplo. Existem restrições que se aplicam ao sistema em termos de transparência, em termos de informação, de colaboração, associado à lavagem de dinheiro, que em última análise leva ao terrorismo, ao narcotráfico e à deep web, em que se trafica de tudo."

Embora aconteça em muitas frentes, esse fenômeno tem hoje seu ponto de maior tensão, de fato, no debate sobre a regulação das plataformas digitais, segundo o ex-AGU.

"A internet é uma realidade social e virtual que se expandiu muito e que passa por um processo de discussão por conta das fake news, da submissão às legislações locais. Então, a realidade de adaptação do sistema global dos operadores de internet à realidade do país é uma tensão que vem crescendo", disse Adams. "Nós tivemos a mesma tensão nas eleições, em que o ministro Alexandre de Moraes exigiu algumas práticas por parte das operadoras em relação ao processo eleitoral."