RACIONALIZAÇÃO DE PRECEDENTES TEM FUNCIONADO MAL, DIZ ANTONIO SALDANHA
Os mecanismos de racionalização de precedentes, como um todo, têm funcionado mal. Um dos problemas é a forma como eles são pensados, principalmente por magistrados que ocupam os tribunais superiores e que, em sua maior parte, têm formação na persuasão racional.
TV ConJurO ministro Antonio Saldanha Palheiro,
do Superior Tribunal de Justiça
Essa é a opinião do ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça. O magistrado abordou o assunto em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem publicando desde maio. Nela, algumas das mais influentes personalidades do Direito abordam os assuntos mais relevantes da atualidade.
"Nossos precedentes não são da melhor qualidade. Eu digo isso porque quem forma os precedentes, ministros e os tribunais superiores, também fomos formados na escola da persuasão racional. Então a gente sempre, ou quase sempre, deixa uma saída para o intérprete. Você observa que nos nossos precedentes uma grande parte estabelece a regra, o comando que ele quer, mas aí coloca 'salvo situações excepcionais'. Acabou. Esse 'salvo' acaba com o precedente. O juiz faz o distinguishing ali", disse o magistrado.
Seguir os precedentes, segundo o ministro, possibilita racionalizar a chegada de processos, pois são filtros naturais. "Nós temos a repercussão geral, os repetitivos, que seriam precedentes obrigatórios, vinculativos. Toda a magistratura, desde o juízo de origem, seja o magistrado singular ou sejam os órgãos colegiados e os desembargadores, estariam vinculados a cumprir esse precedente. Eu considero que a observância, a introdução, a internalização do sistema de precedentes pela magistratura, como um todo, é a última ficha que nós temos."
O ministro destacou a formação da magistratura em regras do sistema da civil law. "Juízes, advogados, magistrados, em geral, foram formados antes de 2015, com todo o histórico de súmulas e afins. Mas não tinha a força que se pretendeu introduzir com o sistema de precedentes estabelecido pelo Código de Processo Civil daquele ano. Então, na verdade, acabou que nós estamos fazendo uma mixagem entre o sistema da civil law e o da common law."
Seguir precedentes evita que demandas fadadas ao insucesso se amontoem nos tribunais, de acordo com o ministro. E os magistrados devem abrir mão de seus convencimentos pessoais. "Essa é a grande dificuldade. Porque todos nós fomos formados no sistema da persuasão racional, livre convencimento motivado. Então, para o juiz abrir mão da sua opinião pessoal, do seu posicionamento jurídico pessoal, muito pertinente na grande maioria das vezes, e seguir um precedente ao qual eles não concordam, é preciso uma mudança de mentalidade. Tem de mudar a cabeça da magistratura."
Polícia judiciária
O ministro defendeu o aperfeiçoamento dos mecanismos de investigação pela polícia judiciária. "Ela é muito esforçada, mas não tem um resultado bom em termos de investigação. Resultado para nos dar a convicção de que ali foram produzidas provas boas, sólidas, e não provas, não diria fabricadas, mas tendenciosas, porque o intérprete, quem procura a prova acaba também, muitas vezes, motivado por questões ideológicas. O que não é bom. O juiz julga de acordo com a prova do exato. Julga fatos. Juiz não julga pessoas, julga fatos. Então, eu acho que a gente precisa aperfeiçoar os mecanismos de investigação. O Ministério Público, que fiscaliza os atos da polícia judiciária, é quem vai filtrar na investigação o que é bom e que não é."