CP NÃO COMPORTA USO DA TEORIA DA CEGUEIRA DELIBERADA CONTRA LAVAGEM, DIZ BOTTINI
Quando se trata de lavagem de dinheiro, a lei brasileira exige que, para ser punida, a conduta deve ter sido praticada de forma dolosa. No entanto, é possível aplicar a lei substituindo o dolo pela teoria da cegueira deliberada? O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini defende que não.
No Brasil, tipo penal de lavagem de capitais exige um ato de ocultação, destacou Bottini
Livre docente do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP, Bottini falou sobre os conceitos de dolo e culpa no âmbito da Lei de Lavagem de Capitais em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", que a revista eletrônica Consultor Jurídico vem apresentando desde a última semana. Nela, algumas das mais influentes personalidades do Direito falam sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.
Inicialmente, Bottini destacou o peso do fator dolo no tipo penal de lavagem brasileiro. Para ilustrar a ideia, ele comparou a legislação local com os diplomas similares criados em países europeus.
"Nós vemos que a redação do nosso tipo penal de lavagem de dinheiro é bastante diferente. No Brasil, a lavagem de dinheiro exige um ato de ocultação, de esconder, mascarar aqueles bens provenientes do delito. Na Europa, não. Lá, o mero recebimento do produto do crime, a mera aquisição, já é caracterizada como lavagem de dinheiro. O tipo 'lavagem de dinheiro' na Europa é muito mais amplo, muito mais abrangente do que no Brasil. Lá não é necessário haver a ocultação."
Diante disso, prosseguiu Bottini, a prática de lavagem de dinheiro "por imprudência, por negligência, por imperícia" — ou seja, a prática culposa — não é uma forma prevista como crime na legislação brasileira, ao contrário da maior parte dos países europeus.
Esse cenário, por sua vez, levanta outra questão: é possível, no ordenamento brasileiro, substituir o dolo pela teoria da cegueira deliberada para imputar o crime a uma pessoa que se coloca em posição de ignorância sobre a origem dos valores que ela oculta?
"Eu entendo que não. O artigo 20 do nosso Código Penal prevê que uma pessoa que desconhece um dos elementos do tipo penal — por exemplo, a origem dos bens, no caso da lavagem de dinheiro — não pode responder pela prática dolosa. A não ser que existam indícios claros, e que ela conheça esses indícios, que façam com que ela suspeite da origem dos bens", explicou ele.
"Nesse caso, então, haveria o dolo eventual, que é admitido, pela maior parte da jurisprudência, como elemento da lavagem de dinheiro. Mas a cegueira deliberada — aquela que não sabe da origem daqueles bens porque eventualmente se colocou numa posição de cegueira deliberada — não pode substituir o dolo no nosso ordenamento jurídico", disse Bottini.