EXCESSO DE PRISÕES PREVENTIVAS AFETA EMPRESAS E INVESTIMENTO, DIZ ADVOGADA
Por vezes usado como forma de obter confissões e acordos de delação, o hábito de decretar prisões preventivas afeta não só os investigados, mas também as companhias cujos executivos sejam alvos dessa medida, e até mesmo a confiança dos investidores estrangeiros.
Para Anna Carolina, Brasil não aproveitou lições deixadas pela 'mãos limpas'
Essa é a opinião da advogada Anna Carolina Noronha. Cursando mestrado na Universidade de Salamanca (Espanha) sobre o problema da excessividade da prisão, a advogada refletiu sobre o assunto em entrevista à série "Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito", na qual a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com algumas das principais personalidades do Direito brasileiro e internacional sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.
Segundo Anna Carolina, sua pesquisa acadêmica pretende demonstrar que o sistema penal brasileiro decreta um número exagerado de prisões preventivas, o que desrespeita a ideia de que só se deve prender alguém quando outras cautelares menos gravosas não forem suficientes.
Esse cenário, segundo ela, é especialmente prejudicial quando o Direito Penal se conjuga com os Direitos Econômico e Empresarial. "Isso é muito importante porque, desde a Constituição de 1988, todas as matérias estão interligadas e devem se basear no princípio da dignidade humana e em todos os direitos processuais constitucionais."
Para comprovar seu ponto de vista, ela comparou a situação do Brasil com a da Espanha. "Por meio de dados e da jurisprudência, eu pude fazer uma comparação e detectar que, apesar de a legislação da Espanha ser até mais branda quanto à utilização da prisão preventiva (no caso, basta que haja o risco de fuga), no Brasil nós não temos a revisão desse modelo de prisão, mesmo com a lei do pacote 'anticrime'. E ela é muitas vezes utilizada como forma de obter a confissão espontânea e a delação premiada."
Na visão da advogada, o excesso de prisões prejudica não só o investigado por crime de colarinho branco — que foi o foco principal da "lava jato", por exemplo —, mas todas as empresas e a confiabilidade do investidor estrangeiro em relação ao Brasil. "As empresas também foram atingidas com isso. Passou da pessoa investigada, que sofreu uma antecipação de pena, e atingiu as empresas das quais elas faziam parte. E isso trouxe uma grande crise econômica para o Brasil."
Para Anna Carolina, as lições deixadas por iniciativas similares não foram aproveitadas no Brasil. "Após a operação 'mãos limpas', da Itália, nós não soubemos aproveitar o aprendizado sobre o que deu errado ali. Eu espero poder contribuir para que o Brasil aprenda, com isso, a separar a pessoa jurídica da pessoa física e saber que empresa precisa continuar."
Por fim, a advogada fez um apelo para que o princípio da continuação da empresa passe a ser considerado no decorrer das investigações sobre corrupção. "Pune-se depois de investigar, depois de se formar um processo e depois de condenar a pessoa física responsável. Mas as empresas precisam continuar, porque elas geram empregos para os brasileiros e ajudam a economia brasileira — que ficou tão prejudicada com a operação 'lava jato'. Espero que isso não se repita no futuro, e que mudanças políticas não nos levem a tomar as mesmas atitudes."