DIREITO À INTEGRALIDADE E À PARIDADE NA APOSENTADORIA ESPECIAL DE SERVIDOR
Os entes públicos têm sustentado a impossibilidade de aplicação da integralidade e da paridade ao servidor público beneficiário de aposentadoria especial. Eles alegam que o § 4º do artigo 40 da CF/1988 dispõe que "é vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo", de maneira que, na verdade, tal preceito está umbilicalmente conectado à regra permanente prevista no inciso III, § 1º, do artigo 40, da Constituição, cujo cálculo de aposentadoria, desde 20/2/2004, com a publicação da MP nº 167, dá-se pela média aritmética simples. As procuradorias jurídicas asseveram que essa é a diretriz traçada nos artigos 3º e 4º da Orientação Normativa nº 16/2013, do extinto Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG).
A integralidade (direito a uma aposentadoria de valor correspondente à remuneração que o aposentado receberia se em atividade ainda estivesse) e a paridade (direito a reajustes na mesma proporção e na mesma data da remuneração dos servidores ativos) foram pensadas para assegurar ao servidor inativo (jubilado) a manutenção do padrão remuneratório do cargo antes ocupado. Trata-se de um direito que foi depois suprimido, mas garantido aos que ingressaram no serviço público até 31 de dezembro de 2003 (regras transitórias da EC nº 41/2003 e da EC nº 47/2005).
Todavia, nos casos em que o servidor público obteve a aposentadoria especial a partir do que assentado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula Vinculante nº 33 [1], surgiu o questionamento quanto à forma de cálculo do valor do benefício e quanto ao critério de reajuste a ser empregado. A ausência de disciplina legal fez com que o Poder Executivo Federal editasse a orientação normativa acima mencionada, que vem sendo aplicada pelos Setores de Aposentadorias e Pensões de várias entidades públicas, o que tem acarretado indagações sobre o acerto/constitucionalidade desse proceder. O servidor público em gozo de aposentadoria especial não tem mesmo direito à integralidade e à paridade?
Refletindo sobre o assunto, Frederico Amado [2] pontuou:
"No âmbito da Administração Pública federal, o extinto Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), através da sua Secretaria de Gestão Pública, publicou a Orientação Normativa 16, de 23 de dezembro de 2013, que estabelece orientações ao órgãos e entidades integrantes do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal — SIPEC quanto aos procedimentos necessários à análise dos processos de aposentadoria especial com fundamento no art. 57 da Lei n. 8.213/1991 dos servidores públicos federais amparados por decisão judicial em mandado de injução julgado pelo STF.
O que chama a atenção neste ato regulamentar é o seu artigo 4º, ao estatuir que “os proventos de aposentadoria especial dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais, concedidos com amparo em decisão judicial em mandado de injunção, serão reajustados na mesma data e índice em que se der o reajuste dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de que trata este artigo, não lhes sendo assegurada a aplicação das regras constitucionais de transição acerca de reajustamento paritário em face da modificação da remuneração dos servidores em atividade.
Por sua vez, dispõe o art. 3º que “os proventos decorrentes da aposentadoria especial não poderão ser superiores à remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentação, e serão calculados pela média aritmética simples das maiores remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, atualizadas pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo, desde a competência de julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência, até o mês da concessão da aposentadoria, a rigor do que estabelece a Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004.
Este dispositivo não possui base constitucional e nem está amparado em decisão do STF, não existindo amparo legal para retirar dos citados servidores que se enquadrem nas regras de transição constitucionais o direito aos mesmos reajustamentos dos servidores ativos (reajuste paritário e integralidade.
É preciso que seja editada urgentemente lei complementar que regule a aposentadoria especial do servidor público, pois a aplicação irrestrita da Lei 8.213/91 traz muitas dúvidas e incompatibilidades com o regime jurídico do servidor público (...)."
De fato, não gozam de juridicidade as alegações apresentadas pelo poder público, no sentido de que o beneficiário de aposentadoria especial não teria direito à integralidade e à paridade. A Constituição não criou nenhuma limitação sobre este assunto, de maneira que não pode a administração pública fazer tal limitação sem nenhum embasamento legal. A aposentadoria especial, respeitadas as regras constitucionais, não é incompatível com os referidos direitos.
O propósito da aposentadoria especial é reduzir o tempo de serviço (para 10, 15 ou 25 anos) do trabalhador que foi submetido à insalubridade, a agentes prejudiciais à sua saúde ou integridade física [3]. Afastar o direito do obreiro à integralidade e à paridade porque exerceu um labor especial é um proceder que atenta contra a justiça, a equidade e o direito de irredutibilidade dos proventos. O Texto Constitucional, como dito, não estabelece qualquer critério diferenciador que dê respaldo ao entendimento adotado pelo MPOG na orientação normativa acima indicada.
Assim como acontece nos casos de benefícios por incapacidade laboral, em que a paridade e a integralidade são asseguradas quando preenchidos os requisitos, também aos servidores que alcançaram a aposentadoria especial há de se garantir, quando cumpridos os pressupostos legais, proventos correspondentes à totalidade da remuneração do cargo em que passou à inatividade, assim como reajustes na mesma proporção e na mesma data da remuneração dos servidores ativos.
A questão em análise foi enfrentada pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que fixou a seguinte tese em sede de IRDR (Tema nº 21): "Para os policiais civis que se encontravam em exercício na data da publicação da Emenda Constitucional nº 41/03, o cumprimento dos requisitos da Lei Complementar nº 51/85 assegura o direito à aposentadoria com proventos integrais, correspondentes à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, e à paridade de reajustes destes, considerada a remuneração dos servidores em atividade, nos termos do parágrafo único do art. 6º e do art. 7º da referida Emenda Constitucional".
A matéria está sendo debatida pelo STF no Tema nº 1019, no qual já há maioria formada para a fixação da seguinte tese: "O servidor público policial civil que preencheu os requisitos para a aposentadoria especial voluntária prevista na LC nº 51/85 tem direito ao cálculo de seus proventos com base na regra da integralidade e, quando também previsto em lei complementar, na regra da paridade, independentemente do cumprimento das regras de transição especificadas nos arts. 2º e 3º da EC nº 47/05, por enquadrar-se na exceção prevista no art. 40, § 4º, inciso II, da Constituição Federal, na redação anterior à EC nº 103/19, atinente ao exercício de atividade de risco".
Enfim, nessa mesma linha de intelecção e à vista das razões acima expendidas, o direito à integralidade e à paridade, ressalvado como direito adquirido pela EC nº 103/2019, naturalmente deve ser assegurado aos servidores públicos beneficiários de aposentadoria especial e que ingressaram no serviço público até 31 de dezembro de 2003.
[1] Súmula vinculante nº 33 do STF: "Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica".
[2] AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 1755.
[3] No Tema nº 1209, o STF definirá sobre a possibilidade de "reconhecimento da atividade de vigilante como especial, com fundamento na exposição ao perigo, seja em período anterior ou posterior à promulgação da Emenda Constitucional 103/2019".