RESOLUÇÃO GECEX 512/2023 E AUMENTO DA SUBJETIVIDADE NA CONCESSÃO DO EX-TARIFÁRIO
A Resolução do Comitê-Executivo de Gestão (Gecex) nº 512, de 16 de agosto de 2023, publicada no Diário Oficial da União de 18 de agosto de 2023, trouxe a nova visão do atual governo sobre o mecanismo do Ex-Tarifário, revogando a Portaria do extinto Ministério da Economia (ME) nº 309/2019 e Portaria SDIC/ME nº 324/2019. Esses normativos — que até então regulamentavam de forma mais objetiva — deram lugar a critérios mais discricionários na desoneração do Imposto de Importação sobre importação de bens de capital (BK), Informática e Telecomunicações (BIT).
A guinada conceitual já era esperada [1], tendo em vista a recriação do próprio Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), que reaparece [2] como porta voz da indústria nacional, permitindo que os fabricantes da indústria pesada voltem a ter seu tradicional dentro da Esplanada dos Ministérios, o que inexistia na estrutura governamental anterior [3]. Vejamos como essas modificações reduziram o espectro técnico do procedimento, trazendo-lhe um caráter mais político, a partir do uso de conceitos indeterminados e muito mais subjetivos.
Seguindo a sequência do próprio ato normativo, o primeiro destaque é a inserção proibição explícita para amparar importação de bens de consumo. Essa proibição já era subentendida na Portaria nº 309/2019, na medida em que esta só autorizava o pleito para bens de capital, informática e telecomunicações (BK/BIT) [4], artigo dificilmente enquadrados como bem de consumo pela sua própria natureza. No entanto, agora a proibição fica expressa, contando inclusive com uma tentativa de restringir seu conceito ao se excluir do espectro de bens de consumo os insumos e bens de capital [5]. Outra novidade que se torna expressa no texto — mas já vinha sendo autorizada nos processos —, é o cadastramento de entidades, para que essas possam em nome da própria indústria ofertar a contestação aos pleitos [6].
Na fase de requerimento, foi inserida menção à apresentação do "projeto de investimento" [7], devendo este conter um conjunto de informações pré-formatadas em formulário específico [8], como "ganho de produtividade" e "tecnologias", o que parece corroborar o interesse do Estado em melhor acompanhar os resultados esperados com a desoneração pretendida.
Por outro lado, restou suprimida a possibilidade de renovação de ex-tarifários já expirados, no prazo de até dois anos após o fim da vigência [9]. No que diz respeito aos limites temporais, o prazo para outras partes se manifestarem sobre alteração de descrição de ex-tarifários vigentes passa de 20 para 30 dias [10], ampliando-se também o prazo nos casos de pedido de revogação [11] e de consultas públicas, seja para concessão ou revogação [12], podendo, no caso das retificações, a correção de erros meramente formais dispensar consulta pública [13].
Quando da análise preliminar, surge agora a hipótese de arquivamento automático [14], que se dará nos casos em que o pleiteante solicitar a desoneração de sistemas integrados, bens usados [15], bens de consumo, ou ainda amparados pelo programa específico de autopeças sem produção nacional [16].
Até aqui houve modificações de forma, dando-se mais prazos para a indústria nacional se manifestar, reduzindo-se algumas situações e explicitando-se algumas práticas que já eram feitas. No entanto, é nos fundamentos da contestação que vemos a primeira alteração substancial da matéria, a despeito de terem sido mantidos os demais critérios. Isso porque foram excluídos os critérios objetivos de fornecimentos dos últimos 5 anos, prazo de entrega e preço de venda [17], passando-se a exigir uma comprovação nacional a partir de requisitos com margem muito maior de discricionariedade.
Ainda no caso dessa comprovação nacional, o prazo de atuação dos fabricantes nacionais foi reduzido para apenas um ano de existência e de habitualidade no fornecimento de bem nacional equivalente. Ademais, agora a identidade entre os bens nacional e importado fica mitigada, permitindo-se que a suposta concorrência seja comprovada a partir de mera demonstração de que o bem nacional execute as funções essenciais do bem objeto do pleito de Ex-Tarifário [18], devendo ainda a proposta de cotação deve seguir outro formulário específico [19].
Na tentativa de dar alguma substância à expressão "funções essenciais", o governo a descreveu como sendo aquelas que residam na atividade finalística do equipamento necessário ao processo produtivo, adequado às condições de operação, não incluindo recursos de monitoramento, facilidades de manutenção, interoperabilidades, custo de operação, acabamento, "lay-out" ou outras características auxiliares [20]. Essa mudança é crucial, pois retiram de cena os critérios objetivos de desempenho e produtividade contidos muitas vezes na própria descrição do Ex-Tarifário [21] e que reduziam o grau de incerteza e litigiosidade. Agora, esses critérios perdem muto valor na análise, podendo, quando da concessão, serem considerados apenas se houver boa vontade do órgão concedente em enquadrá-los como condições da operação.
Essa subjetividade se soma aos critérios do artigo 15 na nova normativa, ao destacar que devem ser levados em consideração na caracterização de "bem equivalente", os investimentos em andamento para a produção nacional de bens equivalentes de forma ampla — e não mais investimentos em melhora de infraestrutura —, as políticas públicas e medidas específicas destinadas a promover o desenvolvimento industrial — critério mais aberto que seu antecessor que previa apenas "diretrizes políticas governamentais".
Além disso, foi inserida categoria de aferição da capacidade de produção nacional, além de uma isonomia sob ótica bem mais ampla, não mais se restringindo à isonomia em termos de leis, regulamentos técnicos e segurança [22]. Portanto, os critérios que antes integravam a Seção VI da antiga Portaria ME nº 309/2019, como elementos de "análise técnica", passam a entrar justamente como elementos políticos na análise do pleito pela Secretaria de Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços (SDIC), antes da própria análise do Gecex.
Por sua vez, em caso de indeferimento, a decisão poderá ser objeto de pedido de reconsideração ao órgão técnico da SDIC e, não sendo essa reconsiderada, a decisão em última instância agora será tomada pelo próprio secretário da SDIC [23], não subindo mais ao ministro da pasta [24]. No caso de reapresentação de pleitos, estes agora devem ser feitos somente após um ano do pedido anterior [25], e não mais seis meses [26], ressalvados os casos em que forem trazidas novas informações relevantes que não constavam o pleito original.
Portanto, todas as modificações — sem exceção — de certa forma vieram no espírito de defesa da indústria, seja pela dilação de prazo de contestação, maior número de vedações, ampliação do acesso aos interessados, ou ainda, pela inclusão de critérios indeterminados e frágeis que muito facilitam o atendimento do critério de comprovação nacional pela indústria. Certamente, essas mudanças no procedimento administrativo revelam viés um uso mais político do instrumento, trazendo maior indefinição e imprevisibilidade para a concessão do Ex-Tarifário do ponto de vista dos importadores. No Judiciário não haverá melhor sorte, pois o repertório de casos de sucesso contra os critérios de concessão da SDIC é inexistente.
[1] Confira nossa participação no Trade Compliance Cast, capitaneado por Patrick Sousa e Carlos Navarro, em que falamos sobre as perspectivas para o Comex em 2023 e apontamos a mudança no procedimento de concessão do ex-tarifário, ainda no mês de fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3n8hFoGBqy0. Acesso em 18.08.2023.
[2] Art. 17, inc. XVI, da Medida Provisória nº 1.154/2023, convertida na Lei nº 14.600, de 19 de junho de 2023.
[3] Lei nº 13.844, de 2019 (atualmente revogada) trazia essas questões para dentro do antigo Ministério da Economia.
[4] Portaria ME nº 309/2023, art. 1º.
[5] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 2º, § 3º.
[6] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 3º, § 3º.
[7] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 4º, inc. III
[8] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 4º, § 3º.
[9] Portaria ME nº 309/2023, art. 4º, inc. II. Na nova normativa, a renovação está mantida para pleitos até 180 dias do seu vencimento (Resolução Gecex nº 512/2023, art. 5º).
[10] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 6º, § 4º.
[11] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 7º, § 2º.
[12] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 9º caput c/c § único.
[13] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 6º, § 5º.
[14] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 8º, § 6º.
[15] A proibição não é nova, pois já constava da Portaria SDIC/ME nº 324/2019, art. 3º a recomendação de indeferimento de pleito para bens nessa condição. A questão é saber se a Receita Federal continuará mantendo o seu posicionamento exarado na Solução de Consulta Cosit nº 122/2020, que autoriza o aproveitamento de ex-tarifário concedido para bens na condição de usados, pois a solução de consulta falava tão somente daqueles concedidos no âmbito da Portaria ME nº 309/2019.
[16] A Resolução Gecex nº 513/2023 atualizou a Resolução Gecex nº 284/2021 que regulamenta essa hipótese.
[17] Portaria ME nº 309/2019, art. 9º, incisos VI, VIII e IX c/c art. 13.
[18] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 14, inc. I.
[19] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 14, inc. II.
[20] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 14, § único.
[21] Portaria ME nº 309/2019, art. 13, inciso I.
[22] Vide esses critérios antigos na Portaria ME nº 309/2019, art. 14.
[23] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 19, § 3º.
[24] Portaria ME nº 309/2019, art. 18, § 3º.
[25] Resolução Gecex nº 512/2023, art. 21.
[26] Portaria ME nº 309/2019, art. 20.