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VALOR ADICIONADO NA EXPORTAÇÃO DE MERCADORIAS: DEFINIÇÃO DO MUNICÍPIO EXPORTADOR

O presente artigo debate o valor adicionado na exportação de mercadorias, o qual pode ser destacado como um tema específico, com pouca literatura jurídica e, até mesmo, escassos julgados.

Versa o artigo 158, parágrafo único, inciso I, da CRFB/1988, que 65%, no mínimo, do produto da arrecadação do ICMS que cabe aos municípios (25% do total conforme artigo 158, IV, da CRFB/1988) serão repartidos entre estes na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias.

Nos moldes do artigo 3º, §1º, I, da LC nº 63/1990, valor adicionado é o valor das operações de saída de mercadorias de um estabelecimento localizado no território de um ente municipal, subtraído do valor das operações de entrada de mercadorias nestes mesmos estabelecimentos, dentro de um ano civil.

Como já compreendeu o STF no RE nº 130.685/SP: "o conceito de valor adicionado não é tributário, mas, sim, financeiro, voltado à apuração da riqueza (e não da arrecadação) gerada nos territórios de cada município pela atividade produtiva de cada estabelecimento inscrito no cadastro de contribuintes do ICM, ainda que o estabelecimento, em virtude da peculiaridade de suas operações, não tenha recolhido qualquer ceitil a título de imposto, como por exemplo aquele cuja produção industrial seja exclusivamente destinada ao exterior, de regra franqueada com não incidência, ou aquele de goze de isenção subjetiva, etc"  [1].

Valor Adicionado é critério financeiro, utilizado para a repartição entre os Municípios de um determinado estado da federação dos 25% do produto da arrecadação do ICMS que cabem aos Municípios, conforme critérios estabelecidos na LC nº 063/1990.

Embora seja matéria intrínseca ao campo do Direito Financeiro, o tema valor adicionado se aproveita em parte do Direito Tributário, visto que, nos termos do artigo 3º, §2º, da LC 63/1990, são consideradas para efeitos de valor adicionado as operações que se constituam fato gerador do ICMS, ainda que isentas ou sujeitas a qualquer benefício fiscal, bem como aquelas operações que, em tese, poderiam se constituir fato gerador da exação (imunidades), pois importam numa circulação jurídica.

Aliás, o STJ já firmou orientação no sentido de que o valor adicionado deve ser atribuído ao local onde ocorre o fato gerador do ICMS, ou seja, cabe valor adicionado ao local onde há a mudança de titularidade da mercadoria, sendo desimportante a agregação de valor ou beneficiamento do produto para fins de valor adicionado e surgimento do fato gerador de ICMS, conforme adiante:

"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO CONFIGURADO. ICMS. REPARTIÇÃO. VAF. REGRA CONSTITUCIONAL. CRITÉRIO. ENERGIA ELÉTRICA. ELEMENTO TEMPORAL E ESPACIAL DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. CONSUMO. LIMITES DO PROCESSO. ELEIÇÃO DE TERCEIRA TESE NO JULGAMENTO DE EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Os arestos embargado e paradigmas decidiram que o Valor Adicionado Fiscal, para efeito de repartição da receita do ICMS, deve ser computado ao município onde se concretiza a hipótese de incidência tributária. Divergiram, todavia, quanto à definição dos elementos espacial e temporal da obrigação tributária do ICMS incidente sobre energia elétrica: a) o aresto embargado adotou o critério da produção e, por isso, atribuiu o VAF ao Município de Ubarana, onde localizados os geradores da usina hidrelétrica; e b) os paradigmas acolheram o critério da distribuição e, consequentemente, destinaram o VAF ao Município de Promissão, onde situada a subestação elevadora, a partir de onde é distribuída a energia elétrica produzida na municipalidade vizinha. Dissídio configurado. Embargos de divergência admitidos. 2. O critério eleito pelo art. 158, parágrafo único, inciso I, da CF/88 para definir a quem pertence o valor adicionado fiscal relativo a uma operação ou prestação sujeita, em tese, à incidência do ICMS é, unicamente, espacial, ou seja, LOCAL ONDE SE CONCRETIZA O FATO GERADOR DO IMPOSTO. 3. Conforme posição doutrinária e jurisprudencial uniforme, o consumo é o elemento temporal da obrigação tributária do ICMS incidente sobre energia elétrica, sendo o aspecto espacial, por dedução lógica, o local onde consumida a energia. 4. A produção e a distribuição de energia elétrica, portanto, não configuram, isoladamente, fato gerador do ICMS, que somente se aperfeiçoa com o consumo da energia gerada e transmitida". (...) (EREsp 811.712/SP, relator ministro Hamilton Carvalhido, relator p/ Acórdão ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 12/12/2012, DJe 6/3/2013).

Note-se a compreensão do Tribunal da Cidadania, no sentido de que a geração e distribuição de energia elétrica ocasionam valor adicionado apenas para o município do local do consumo desta, pois é lá que ocorre o fato gerador do ICMS.

Com isso, o local do fato gerador do ICMS da operação é aquele para o qual deve ser atribuído o valor adicionado. A conceituação do tema em questão foi exaustivamente tratada em artigo anterior, buscando o presente ir além, para se estabelecer, no caso específico da exportação de mercadoria, a que município cabe o valor adicionado.

A operação de exportação, para fins deste artigo, é a saída definitiva de produtos, bens e serviços nacionais para outros países, importando em circulação jurídica. Como anteviu José Souto Maior Borges, "quaisquer atos jurídicos que transfiram o domínio sobre mercadorias entregues à circulação econômica" [2].

A exportação de mercadorias, nos termos do artigo 155, §2º, X, "a", é imune ao ICMS, mas, por força do disposto no artigo 3º, §2º, II, da LC 063/1990, estas operações devem ser computadas para efeitos de valor adicionado.

Nesse contexto, com a exclusiva finalidade de definir a quem deve ser atribuído o valor adicionado, exsurge o ponto: Em qual município ocorre o hipotético [3] fato gerador do ICMS na exportação de mercadorias?

A resposta à questão não é por demais complexa, devendo o valor adicionado da exportação ser atribuído ao local onde a mercadoria se encontra no momento da ocorrência do fato gerador, ou seja, ao local em que ela se encontrar quando mudar de titularidade e, com isso, ganhar circulação jurídica.

O fato gerador do ICMS possui três elementos, o material, o espacial e o temporal, indispensáveis para verificação do local a qual deve ser atribuído o valor adicionado. O aspecto material do fato gerador do ICMS é a troca de titularidade pela tradição do bem ou mercadoria, inclusive na exportação; o aspecto temporal perpassa pela definição de quando ocorre o fato gerador, o que, na exportação, se dá quando ocorre o registro da operação no Siscomex e embarque da mercadoria para o comprador estrangeiro; e o aspecto espacial, o qual, na exportação, ocorre no estabelecimento onde a mercadoria se encontre no momento do fato gerador (mudança de titularidade).

Fato é que a transferência da titularidade de bem móvel se dá com a tradição, ou seja, entrega da mercadoria ou bem ao adquirente (artigo 1.267, do CC/02), sendo certo que a legislação tributária deve manter deferência a este instituto do direito civil (artigo 110, do CTN).

Segundo estabelecido pelo Tribunal da Cidadania nos REsp 1.340.086/RS, relator ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 2/5/2017; e REsp 1.168.001/RS, relator ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 17/11/2020, DJe de 17/12/2020, o fato gerador tributário na exportação ocorre no momento do registro no Siscomex e embarque da mercadoria.

Na exportação, o hipotético fato gerador do ICMS ocorre com a mudança de titularidade, sendo responsável o estabelecimento do município onde está a mercadoria quando ocorre o fato gerador, ou seja, no momento em que dá o registro no Siscomex e embarque para entrega ao comprador estrangeiro, conforme artigo 30, da Lei Estadual nº 2.657/1996 [4], que detalha aquilo introduzido pela LC nº 87/1996, nos artigos 11, I, "a" e §3º, e 12, I.

Conforme verifica-se das expressões "quando" e "no momento", o critério espacial se relaciona diretamente com o temporal para se estabelecer com exatidão o local onde ocorre o fato gerador do ICMS na exportação e, via de consequência, fixar o local onde deve ser atribuído o valor adicionado.

Nessa toada, na hipótese da sociedade empresária promover a venda da mercadoria ao estrangeiro através de terminal portuário de sua titularidade [5], verifica-se claramente que este se constitui no estabelecimento responsável pela exportação, já que é nele que a mercadoria se encontra quando do registro no Siscomex e embarque para entrega ao comprador estrangeiro, havendo a mudança de titularidade na ocasião.

Situação jurídica semelhante é aquela em que a sociedade empresária exportadora da mercadoria possui estabelecimento no mesmo Município onde localizado o terminal portuário, devendo este estabelecimento ser considerado o responsável pela exportação, visto que ele está encravado no local onde a mercadoria se encontra no momento do hipotético fato gerador do ICMS (mudança de titularidade, registro no Siscomex e embarque).

Com isso, nestes casos, o valor adicionado da operação de exportação de mercadoria deve ser atribuído necessariamente ao Município onde está situado o terminal portuário, pois é lá que se encontra o estabelecimento responsável pela ocorrência do hipotético fato gerador do ICMS na exportação, a despeito da mercadoria ter sido produzida ou extraída em outro local.

Mais uma vez, a produção, extração ou beneficiamento da mercadoria não são requisitos para surgimento do fato gerador do ICMS e de valor adicionado, mas sim a circulação jurídica, o que ocorre apenas com a tradição da mercadoria ao comprador estrangeiro, situação perfectibilizada no terminal portuário, motivo pelo qual o valor adicionado da operação de exportação, nas hipóteses retratadas neste paper, deve ser destinado ao município onde localizado o porto.

Por fim, cabe lembrar que é incabível a escolha de outro domicílio fiscal para promover a exportação, visto que o artigo 127, do CTN, deve ser interpretado em conjunto ao artigo 11, da LC nº 087/1996, ou seja, não é viável ao contribuinte eleger algum local de incidência do ICMS distinto daquele onde está localizado o estabelecimento responsável pelo fato gerador, pois, além de promover efetiva guerra fiscal entre os entes, tornar-se-ia letra morta o disposto nos artigos 11, I, e 12, I, da LC nº 087/1996, que são categóricos em disciplinar que o local da operação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é o do estabelecimento onde se encontre a mercadoria no momento da ocorrência do fato gerador.

Assim, a legislação de regência torna inequívoco que o valor adicionado na exportação, nos casos acima tratados, cabe ao município onde está situado o terminal portuário, regra que não permite manobras.

É de inegável relevância aos municípios brasileiros conhecerem da matéria, de onde derivam significativos recursos públicos para estes, especialmente porque o ICMS é um dos tributos cuja arrecadação é mais significativa [6], sendo os Municípios titulares de 25% dessa substancial arrecadação, na ordem dos bilhões e bilhões de reais [7].

 

[1]  Brasil. RE nº 130.685/SP 2ª Turma, relator ministro Marco Aurélio, DJ 02.10.92.

[2] BORGES, José Souto Maior. O fato gerador do I.C.M. e os estabelecimentos autônomos. ln: Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: FGV, 1973, v. 103, p. 33.

[3] Diz-se hipotético pela exportação ser acobertada por imunidade do ICMS, razão pela qual, segundo a melhor doutrina, o fato gerador tributário da operação nem mesmo chega a nascer.

[4] Artigo 30 - Para efeito de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, considera-se:

I - local da operação:

a) o do estabelecimento onde se encontra a mercadoria ou bem, no momento da ocorrência do fato gerador.

b) o do estabelecimento em que se realiza cada atividade de produção, extração, industrialização ou comercialização, na hipótese de atividades integradas.

[5] Ou de empresa do mesmo grupo.