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JUSTIÇA DO TRABALHO E CASOS QUE ENVOLVAM ABUSO IMPUTADO A GESTOR PÚBLICO

Tradicionalmente, a Súmula nº 736 do STF e a Reclamação Constitucional nº 3.303/PI (DJe 16/5/2008) são utilizadas para justificar a alegação de competência da Justiça do Trabalho para julgar casos que envolvam abusos imputados a gestores públicos, como assédio moral, sob o argumento de que constituem questões relativas ao ambiente de trabalho.

A súmula nº 736 do STF afirma que "Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores". Porém, nos autos da Reclamação Constitucional nº 50.114/DF, o Supremo Tribunal Federal firmou posição diversa em um acórdão recente (data de publicação DJE 17/08/2022 — ata nº 141/2022. DJE nº 162, divulgado em 16/8/2022). Inclusive, o ministro relator do STF mencionou a súmula nº 736 do STF e a Reclamação nº 3.303/PI (DJe 16/05/2008) na página 8 do inteiro teor desse novo acórdão, conforme pode ser visto:

(...) "Por seu turno, constam no ato reclamado as seguintes razões de decidir no que tange à competência da Justiça do Trabalho: “Os réus suscitam a incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria. Invocam, entre os diversos argumentos acima expostos, o art. 109, I, da Constituição e as decisões proferidas na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3395/DF e na Ação de Competência Originária (ACO) 2036/MG e por outros tribunais, inclusive trabalhistas. O autor, diversamente, defende a competência da Justiça do Trabalho considerando tratar-se, a seu juízo, de questão afeta ao meio ambiente do trabalho. Invoca a Súmula 736 do STF e as decisões emanadas pelo STF especialmente na Reclamação (Rcl) 3303/PI." (...)

A situação era uma reclamação constitucional, ajuizada pela Fundação Cultural Palmares (FCP) em face de decisão do Juízo da 21ª Vara do Trabalho de Brasília, proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0000673-91.2021.5.10.0021. No caso, o Ministério Público do Trabalho — MPT ajuizou ação civil pública em desfavor da fundação e de seu presidente, em razão de supostos atos de gestão que configurariam a prática de assédio moral contra servidores e colaboradores do órgão, tendo a autoridade reclamada concedido tutela de urgência para afastar o presidente da instituição das atividades referentes à gestão de seus recursos humanos.

Diante disso, a fundação sustentou que o ato reclamado afrontou o que decidido pelo STF na ADI nº 3.395, tendo em vista que a matéria discutida na demanda envolvia relação jurídico-estatutária estabelecida entre o Poder Público e seus servidores. A reclamação constitucional foi julgada procedente e confirmada pela 2ª Turma do STF em julgamento de agravo regimental. O acórdão foi bastante elucidativo ao destacar que:

"(...) a autoridade reclamada concluiu ser a Justiça do Trabalho competente para julgar o caso, pela simples razão de que os abusos imputados aos gestores públicos constituem questões relativas ao ambiente de trabalho. Esse detalhe, na visão do magistrado, justificaria o trâmite da ação na Justiça especializada, em que pese a demanda envolver tanto servidores estatutários quanto celetistas. Da mesma forma, não foi suficiente para alterar o entendimento da autoridade reclamada a circunstância de os pedidos formulados pelo Ministério Público terem como finalidade a apuração da regularidade de atos administrativos e visarem ao afastamento de agente público federal do exercício de suas atribuições legais. Levando em consideração o apresentado, entendo que o ato reclamado, ao consignar a competência da Justiça Trabalhista para julgamento da ação civil pública, violou o entendimento firmado por esta Corte na ADI 3.395, na qual se assentou que compete à Justiça Comum apreciar as causas que tratem das relações jurídico-administrativas mantidas entre o Poder Público e seus servidores. Frise-se que o reconhecimento da incompetência do Juízo de forma alguma afasta a gravidade dos fatos que suscitaram a concessão da tutela de urgência. Verifica-se, a propósito, que declarações públicas recentes do Presidente da Fundação Palmares reforçam a sua inclinação à prática de atos discriminatórios motivados por perseguição, racismo e estigmatização social. Esses comportamentos se mostram prima facie incompatíveis com o exercício de função pública de tamanha relevância e devem ser cuidadosamente investigados. Nesses termos, ante a gravidade das condutas imputadas, ficam mantidas as decisões proferidas pelo Juízo reclamado até que sobrevenha nova análise pela Justiça Federal. Desse modo, não verifico qualquer reparo a ser feito na decisão agravada, na qual julguei procedente a reclamação constitucional, para, reconhecendo a incompetência da Justiça do Trabalho, determinar a imediata remessa da Ação Civil Pública 0000673-91.2021.5.10.0021 a uma das Varas Federais da Seção Judiciária do Distrito Federal, mantidas as decisões até então proferidas, nos termos do art. 64, § 4º, do CPC." (STF, Ag. Reg. na Reclamação 50.114, relator ministro Gilmar Mendes, data de publicação DJE 17/8/2022 - ata nº 141/2022. DJE n.º 162, divulgado em 16/8/2022)

A 2ª Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental apresentado pelo MPT, nos termos do voto do relator, ministro Gilmar Mendes. Diante disso, pode-se concluir que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar casos que envolvam abusos imputados a gestores públicos, como assédio moral, sob o argumento de que constituem questões relativas ao ambiente de trabalho.