COMISSÃO DE CRIMES DIGITAIS DA OABRJ TOMA POSSE E PROMOVE DEBATE SOBRE PROVAS VIRTUAIS
Livro "Em defesa de um conceito jurídico de presunção" foi lançado no evento
O presidente da OABRJ, Luciano Bandeira, empossou a Comissão de Crimes Digitais da Seccional nesta segunda-feira, dia 4, em cerimônia na sede da Escola Superior de Advocacia (ESA). O novo colegiado pretende trabalhar temáticas criminais no mundo cibernético, que tem aumentado no Brasil. No ranking da América Latina e Caribe, o país é o segundo com mais registros de ataques, com 103,1 bilhões de tentativas, um aumento de 16% em relação ao que foi registrado em 2021.
A presidente da Comissão de Crimes Digitais da OABRJ, Maíra Fernandes, aproveitou que o auditório da ESA estava lotado para já pôr em prática o trabalho do grupo. Os presentes debateram as provas digitais no processo penal e Luciano Bandeira afirmou que trabalhar os crimes virtuais aprimora o conhecimento pessoal e incrementa o debate legislativo.
“A criação da Comissão de Crimes Digitais é muito importante porque levanta um tema que está cada vez mais presente em nossa rotina. Estamos mais online do que nunca, quase tudo está no universo digital. Quando se comete um crime nesse ambiente, pode parecer que é meramente virtual, mas suas consequências são bastante reais”, expressou Bandeira.
Presidente da comissão, Maíra disse que vai precisar muito do apoio da Ordem para marcar conversas com delegados e delegacias de crimes digitais, com o secretário de Segurança Pública e outras autoridades para avançar neste debate.
Desvendando as provas digitais
O encontro discutiu o uso de tecnologia nas investigações criminais, a inteligência artificial no reconhecimento facial, as quebras de sigilo e a confiabilidade na memória humana durante o recolhimento de provas.
O uso das provas digitais possui fundamentos em dois artigos do Código de Processo Civil. Enquanto o 370 define que cabe ao juiz determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, o 369 diz que “as partes têm o direito de empregar todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e influir eficazmente na convicção do juiz”.
No âmbito da inteligência artificial, deve-se levantar a regulamentação pelos estados, como também discutir ética, liberdade, identidade, e os modos de atuação dessa tecnologia que cria novas maneiras de operar e reconhecer provas criminais. Para uma das palestrantes, não se pode falar em neutralidade das tecnologias.
“Principalmente agora utilizando sistemas de inteligência artificial e técnicas similares. Algumas dessas que mencionei são utilizadas para reconhecimento facial por órgãos de seguranças públicas no Brasil, mas não são as únicas”, expressou a doutora em Direito pela PUC Rio e professora de Direito Digital no IDP Brasília, Bianca Kremer.
Antonio dos Santos Junior, mestre em Direito, especialista em provas digitais e diretor da iChase Forensics, explicou que o sigilo digital é difícil, principalmente em redes de mensageria instantânea. Ele citou o exemplo da empresa de telefonia BlackBerry durante a operação Lava-Jato, cujas mensagens criptografadas entre o doleiro Alberto Youssef e os ex-deputados André Vargas e Luiz Argôlo foram entregues aos investigadores.
“O problema é que não sabemos como as coisas chegam até nós advogados. A gente tem diversas formas de conseguir provas digitais atualmente, como quebra de sigilo telefônico e extração de dados de celulares. Ainda tem a questão da quebra de nuvem, que é a que mais gosto de estudar, e que também é a mais grave. A gente começa a se perguntar se a quebra da nuvem, junto ao WhatsApp, pode se comunicar em algum momento? Acredito que não existe mais sigilo em nada”, alertou.
Doutora em Direito pela Universitat de Girona, professora da Faculdade de Direito da Universidad Alberto Hurtado, Janaina Matida destacou que embora devamos ficar preocupados com o vazamento de dados pessoais, é importante que também se leve em conta os riscos de provas produzidas pela memória. Ela exemplifica com o caso imaginando um policial que participa de diversas operações. Caso ele precise depor por algum episódio, será difícil identificar quando foi, onde foi e como foi, por que ele poderá confundir os momentos em sua cabeça. “Não tem cadeira de custódia de provas dependente de memória”.
Também participaram da cerimônia o secretário-geral da OABRJ, Álvaro Quintão; a secretária-adjunta da OABRJ, Mônica Alexandre Santos; o tesoureiro da OABRJ, Marcello Oliveira; a vice-presidente da Comissão de Crimes Digitais da OABRJ, Beatriz Haikal; a secretária da Comissão de Crimes Digitais da OABRJ, Juliana David; a professora da Escola de Direito da FGV, consultora e parecerista, Heloisa Estellita; e o membro do Comitê de Aconselhamento do Instituto de Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Geraldo Prado.
O evento foi encerrado com o lançamento do livro “Em defesa de um conceito jurídico de presunção", de Janaina Matida. A obra apresenta uma proposta de redefinição das presunções no direito. Segundo a autora, há uma ambiguidade entre as presunções e outros expedientes de determinação dos fatos que merece ser sanada. O raciocínio do livro oferece boas razões em defesa de um conceito jurídico de presunções que não as iguale a regras de ônus probatório, a ficções jurídicas ou ao raciocínio inferencial.