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APROVEITAMENTO DE CRÉDITOS DE ICMS NA AQUISIÇÃO DO ARLA 32

O tema da não cumulatividade, atualmente, vem sendo amplamente difundido por meio dos debates que circundam a reforma do sistema tributário nacional. Afinal, um dos objetivos da reforma do texto constitucional é justamente alcançar a "não cumulatividade plena" por meio do IBS e da CBS.

Contudo, no presente artigo, pretendemos analisar a não cumulatividade ainda sob a ("velha") perspectiva do ICMS. Mais precisamente no que concerne ao aproveitamento de créditos de ICMS em relação à aquisição do fluido automotivo Arla 32.

Aqueles que trabalham com o ICMS no seu dia a dia sabem que o imposto estadual é não cumulativo, ou seja, permite a compensação do valor que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores.

Esse contorno conferido ao ICMS tem origem diretamente no texto constitucional (artigo 155, § 2º, inciso I), sendo a Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir) o veículo normativo responsável por sistematizar o creditamento e a compensação em relação ao imposto.

Ao disciplinarem a não cumulatividade em suas respectivas alçadas, os Estados não podem limitar o direito dos contribuintes aos créditos de ICMS, por estarem jungidos às linhas mestras postas pela Constituição Federal e pela Lei Kandir.

Sucede que, ao longo das últimas décadas, têm sido recorrentes as discussões envolvendo a vedação ao aproveitamento de diversos créditos de ICMS que, a princípio, seriam de direito dos contribuintes. Uma dessas discussões diz respeito ao óbice apresentado por alguns Estados ao aproveitamento de créditos de ICMS sobre o fluido automotivo Arla 32.

O Arla 32 é definido pela Instrução Normativa nº 23/2009, do Ibama, como "uma solução composta por água e uréia em grau industrial, com presença de traços de biureto e presença limitada de aldeídos e outras substâncias". A utilização do fluido visa controlar a emissão de óxidos de nitrogênio (NOx) no gás de escapamento dos veículos com motores a diesel, de modo a reduzir a emissão de poluentes.

Desde 2012, por força dos limites de emissão de poluentes estabelecidos pela Resolução Conama nº 403/2008, os veículos pesados produzidos no país contam com o Sistema de Redução Catalisadora (SCR), sendo obrigatório o uso do agente redutor líquido de óxido de nitrogênio.

Dessa forma, além de despesas correntes com combustível, lubrificantes e pneus, as empresas prestadoras de serviço de transporte também necessitam abastecer suas frotas com o Arla 32, que, em média, é consumido juntamente com o diesel, numa proporção de 5% em relação ao combustível.

Por estar intimamente ligado à prestação do serviço de transporte, e em consonância às normas ambientais de emissão de poluentes, a utilização do Arla 32 não deveria gerar maiores complexidades no que diz respeito ao aproveitamento de créditos de ICMS quando da sua aquisição.

A Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo entende ser legítimo o aproveitamento, como crédito, do valor do ICMS relativo à entrada de insumos utilizados na prestação de serviço de transporte intermunicipal e interestadual iniciada em São Paulo, como o Arla 32 (Resposta à Consulta Tributária 27.975/2023, publicada no Diário Eletrônico em 7/7/2023) [1].

Acontece que outros estados, na contramão do entendimento sedimentado pelo fisco paulista, vêm limitando o aproveitamento de créditos de ICMS sobre o Arla 32, ao arrepio da regra da não cumulatividade.

O estado do Espírito Santo, por exemplo, por meio da sua Secretaria da Fazenda, emitiu o Parecer Consultivo 041/2017, assumindo ser ilegítimo o aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de Arla 32. Conforme se dessume do referido parecer, os itens que possibilitariam o crédito de ICMS estão taxativamente previstos no RICMS-ES, não cabendo interpretação extensiva a outros produtos não especificados.

Em que pese a listagem dos produtos que dão direito ao crédito de ICMS na prestação de serviço de transporte facilite a identificação destes por parte dos contribuintes, fato é que a não cumulatividade não pode ter seu alcance limitado por uma suposta "taxatividade". Sobretudo porque o desenvolvimento tecnológico faz surgir novos itens essenciais (ou obrigatórios) para a execução do serviço de transporte, como ocorre em relação ao Arla 32.

Nesse contexto, diante da incorreta conformação dada à não cumulatividade pelos Estados (seja por meio de textos legais ou através interpretações consolidadas em portarias e pareceres), surge para os contribuintes o direito de buscar a tutela jurisdicional hábil a assegurar o direito ao crédito na aquisição do Arla 32.

A propósito, merece destaque a sentença proferida pela 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Vitória, que reconheceu o Arla 32 como "[...] um produto necessário ao desempenho do veículo o que o desqualifica como material de uso e consumo do estabelecimento (pela própria definição de estabelecimento), qualificando-se como insumo da atividade, sendo injustificável, sob todos os aspectos, a vedação imposta pelo Estado do Espírito Santo ao creditamento de ICMS" [2].

Assim, tendo em vista a iminente reforma do sistema tributário nacional, espera-se que o final da "vida útil" do ICMS seja marcado por uma mudança de paradigma, para que a não cumulatividade passe a ser efetivamente respeitada até os últimos dias do imposto estadual.

 

[1] No mesmo sentido: Resposta à Consulta Tributária 27854/2023/2023, publicada no Diário Eletrônico em 23/06/2023.

[2] Processo nº 0008397-79.2020.8.08.0024