É POSSÍVEL A PRORROGAÇÃO DE CONTRATO ADMINISTRATIVO DE "PEQUENO VALOR"?
A Constituição brasileira determina que as obras, serviços, compras e alienações da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, serão contratados com terceiros, via de regra, mediante regular processo licitatório, ressalvadas as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade previstas na legislação.
As hipóteses de licitação dispensável são taxativas e normalmente aplicadas diante da ausência de pressuposto jurídico para a realização de um processo licitatório.
No âmbito da — ainda vigente — Lei nº 8.666/93, o artigo 24 prevê essas hipóteses, situações em que o administrador público tem discricionariedade, perante o caso concreto, para decidir se realiza ou não a licitação: persiste a possibilidade de competição, mas resta autorizada a contratação direta, desde que o caso concreto se enquadre em alguma das hipóteses abstratas, previstas no referido dispositivo.
Trata-se de situações em que a abertura e a realização de processo licitatório poderá trazer mais prejuízos do que benefícios à administração, devendo, entretanto, ser analisado o caso concreto pelo gestor, conferindo-lhe, a lei, discricionariedade para decidir pela dispensa.
O artigo 24, da Lei nº 8.666/93, o qual prevê as hipóteses de licitação dispensável, preceitua em seu inciso II, que:
"Art. 24, Lei 8.666/93. É dispensável a licitação:
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez"
Contratações que envolvam baixo valor, via de regra, não devem ensejar a realização de procedimento licitatório, pena de o custo operacional corresponder à quantia superior à do futuro contrato. Dessa forma, no âmbito da Lei nº 8.666/93, é dispensável a licitação para contratações cujo valor não ultrapasse o montante de R$ 17.600.
Contudo, questiona-se: um contrato administrativo, celebrado com fundamento no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, pode ter sua vigência prorrogada pela administração pública?
Antes de mais nada, convém pontuar que, de forma geral, a previsão de prorrogação do prazo de vigência dos contratos administrativos está contida no artigo 57, da Lei nº 8.666/93. Verifica-se, do dispositivo legal, que esta prorrogação está vinculada à observância dos seguintes requisitos:
a) o objeto contratual deve envolver a prestação de serviços executados de forma contínua;
b) a prorrogação deve resultar na obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração;
c) a prorrogação deve ser justificada por escrito;
d) a prorrogação deve ser previamente autorizada pela autoridade competente para a celebração do contrato;
e) a prorrogação deve se dar de forma sucessiva; e
f) a prorrogação não pode se dar por prazo indeterminado, limitando-se, em regra, a 60 meses.
Contudo, no que diz respeito aos contratos administrativos celebrados com fundamento na hipótese de licitação dispensável, prevista no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, faz-se necessária, ainda, uma análise complementar referente ao valor envolvido na contratação, a fim de se perquirir se sua eventual prorrogação não culminaria em afronta ao processo licitatório.
Isso porque prorrogações sucessivas de contratos de "pequeno valor", celebrados sem licitação, poderiam resultar no dispêndio total, pela administração pública, de montante superior aos R$ 17.600 previstos na lei, para uma mesma contratação.
Dessa forma, questiona-se: para a contratação direta por "pequeno valor", prevista no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, deve-se considerar o valor do ajuste, referente ao período inicial de vigência do contrato, ou levar em conta o valor total estimado da contratação como um todo, já considerando futuras prorrogações?
Sobre o tema, a doutrina divide-se em duas principais correntes.
A primeira inclina-se ao entendimento de que a contratação por "pequeno valor" não deve se confundir com o contrato e suas eventuais prorrogações, de modo que a hipótese de licitação dispensável, prevista no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, para ser legalmente aplicada, deve apenas levar em conta o valor previsto para o período original da contratação, sem considerar as prorrogações que poderão, ou não, advir do ajuste.
Nesse sentido, o professor Sidney Bittencourt:
"(…) asseveramos que a dispensa licitatória nos serviços continuados deverá levar em consideração tão somente o período original."(BITTENCOURT, Sidney. Licitação passo a passo. 8ª Edição, Editora Fórum).
Da mesma forma, o professor Ivan Barbosa Rigolin:
"O contrato de serviços continuados, que é sempre o principal objeto de indagações (...), pode ser, dentro das condições atuais da lei, prorrogado por iguais e sucessivos períodos até 60 meses, e excepcionalmente por ainda outros 12 meses, na forma da MP nº 1531-14, de 8 de janeiro de 1998, que deu a atual redação ao art. 57, da Lei nº 8.666/93.
Se nesse caso o período inicialmente pactuado, de, por exemplo, um ano, esteve dentro do limite de valor estabelecido para, suponhamos, a tomada de preços que foi a modalidade utilizada, então não mais será necessário à contratante preocupar-se com o valor que a final será totalizado e pago, pois que a lei, quanto a esse tema de adequação ao valor limite da modalidade, já foi atendida quando da contratação inicial, com valor dentro do limite.
Não mais pode, quanto a isso, ser agora descumprida, pois inexiste ensejo.
Nada tem a ver, é o que se pretende esclarecer, o limite de valor da modalidade licitatória que engendrou um contrato com o valor final pago por esse contrato, se o mesmo contrato foi sucessivamente prorrogado, ou estendido, ou ainda revisado (alterado), sempre dentro das hipóteses permissivas da lei" (RIGOLIN, Ivan Barbosa. Manual Prático das Licitações. 8ª Edição, Editora Saraiva).
Contudo, a segunda corrente entende pela necessidade de se somar os valores envolvidos no "todo" da contratação, considerando as possíveis prorrogações, para fins de escolha quanto à modalidade de licitação e, evidentemente, para enquadramento à hipótese de contratação direta por pequeno valor.
Esse é o entendimento do professor Marçal Justen Filho (grifos acrescidos):
"Outra questão que desperta dúvida envolve os contratos de duração continuada, que comportam prorrogação. A hipótese se relaciona com o disposto no art. 57, inc. II.
Suponha-se previsão de contrato por doze meses, prorrogáveis até sessenta meses. Imagine-se que o valor estimado para doze meses conduz a uma modalidade de licitação, mas a prorrogação produzirá superação do limite previsto para a modalidade.
Em tais situações, parece que a melhor alternativa é adotar a modalidade compatível com o valor correspondente ao prazo total possível de vigência do contrato.
Ou seja, adota-se a modalidade adequada ao valor dos sessenta meses.
Isso não significa afirmar que o valor do contrato, pactuado por doze meses, deva ser fixado de acordo com o montante dos sessenta meses.
São duas questões distintas. O valor do contrato é aquele correspondente aos doze meses. A modalidade de licitação deriva da possibilidade da prorrogação" (FILHO, Marçal Justen. Comentário à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 8ª Edição, Editora Dialética).
Atualmente, exceto para o pregão, a jurisprudência tem encampado o entendimento do professor Justen Filho. O Tribunal de Contas da União tem entendido que a modalidade de licitação, ou sua dispensa, quando o caso, deve ser eleita levando-se em conta o prazo do contrato e das eventuais prorrogações que dele poderão advir:
"23. Também Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, in Contratação Direta sem Licitação (Brasília Jurídica, 1997, p. 85), comenta o assunto:
'Foi demonstrado que a licitação é um procedimento prévio à realização de despesa, motivo pelo qual para se evitar o fracionamento da mesma, é obrigatório considerar o consumo ou uso do objeto, ou contratação do serviço, no exercício financeiro.
No caso, porém, de contratos cuja execução é prevista para ultrapassar o exercício financeiro deverá ser considerado o tempo estimado e o correspondente ao valor total a ser despendido, para fins de enquadramento na tabela de valores constante do art. 23, da Lei de Licitações.
24. Diante disso, a modalidade de licitação apropriada para a contratação da agência de viagens seria a Concorrência e não a Tomada de Preços, o que permitiria maior competitividade ao processo licitatório.
25. No entanto, conforme salientado pelos autores mencionados, a modalidade de licitação a ser adotada nos casos de contratos que prevejam a possibilidade de prorrogações sucessivas, deve corresponder ao respectivo valor legal previsto para o total estimado a ser despendido. Assim, a nosso ver, não é razoável, a princípio, exigir que o gestor precise, de antemão, o total a ser gasto considerando todas as prorrogações possíveis previstas no contrato original. Porém, conforme pesquisa ao sistema Siafi, o limite de R$ 650.000,00 definido para a modalidade de licitação tomada de preços, adotada pelo MinC, foi ultrapassado já em 09.09.1997, quando foi emitida a OB01830 (gestão tesouro nacional), ou seja, apenas seis meses após a assinatura do Contrato 004/97 (TCU – Acórdão nº 1725/03 – 1ª Câmara).
Para a observância do disposto no art. 23 da Lei 8.666/93, em se tratando da contratação de serviços de natureza continuada, nos casos em que não se pode utilizar o pregão, a determinação da modalidade de licitação deve ocorrer em função do valor global do contrato, incluindo-se as possíveis prorrogações previstas no art. 57, inc. II, da Lei (TCU – Acórdão 745/2011 – 2ª Câmara)."
Nesse mesmo sentido, a Orientação Normativa nº 10/2009, da Advocacia Geral da União:
"ON 10/09, AGU. A definição do valor da contratação levará em conta o período de vigência do contrato e as possíveis prorrogações para: a) realização de licitação exclusiva (microempresa, empresa de pequeno porte e sociedade cooperativa); b) a escolha de uma das modalidades convencionais (concorrência, tomada de preços e convite); e c) o enquadramento das contratações previstas nos arts. 24, inc. I e II, da Lei 8.666, de 1993."
Nesse sentido, com relação às contratações celebradas com fundamento no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, inclino-me ao entendimento manifestado pelo professor Marçal Justen Filho, adotado pela Corte de Contas da União, no sentido de que as contratações diretas, formalizadas com fulcro neste dispositivo, levem em consideração o valor correspondente ao prazo total da possível vigência do "todo contratual", já considerando, portanto, eventuais prorrogações, como forma de evitar qualquer espécie de burla ao processo licitatório.
Dessa forma, guardo entendimento de que não pode o administrador público realizar a prorrogação de contratos administrativos celebrados com fulcro no artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93, que culminem no dispêndio, para o ente, de valores os quais, somados, ultrapassem, para a mesma contratação, o montante de R$ 17.600, previsto na Lei nº 8.666/93 como limitador para a formalização de contratações diretas por "pequeno valor".