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REFÚGIO E MIGRAÇÃO PAUTAM SEMINÁRIO NA OABRJ

Evento foi promovido por Grupo de Trabalho da Comissão de Direito Humanos da Seccional

 

Realizado na tarde de quarta-feira, dia 27, no Plenário Evandro Lins e Silva, na sede da Seccional, o II Seminário Refúgio, Migração, Apatridia e Direitos Humanos, debateu questões relativas à população imigrante e refugiada no Rio de Janeiro, e trouxe dois painéis que discutiram os desafios enfrentados nas políticas de apoio à população refugiada e imigrante no Rio de Janeiro.

"Em 2019, quando a atual Comissão de Direitos Humanos da OABRJ foi nomeada, o tema do refúgio e da migração foi rapidamente entendido como prioritário", afirmou o presidente do grupo, Ítalo Pires, durante a abertura do evento.
 

"Desde então, nosso grupo de trabalho tem dialogado com imigrantes, refugiados, instituições públicas e privadas, e nesta caminhada ficou claro que era preciso convocar a sociedade civil em busca do aperfeiçoamento das leis que pautam este tema. Diálogos institucionais foram travados com o município, que teve a sensibilidade de reconhecer que não promovia adequadamente políticas públicas para imigrantes e refugiados e criou um aparelho de assistência a esse público".


Participaram da mesa de abertura ao lado de Ítalo, a secretária-geral da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ, Gláucia Nascimento; a procuradora da comissão, Mariana Rodrigues, e a integrante do Grupo de Trabalho Fluxos Migratórios e Meio Ambiente da CDHAJ, Erina Zora. Falando à plateia do plenário, a procuradora lembrou a atuação da comissão no caso do imigrante congolês Moïse Kabagambe, assassinado em um quiosque na Praia da Barra da Tijuca, em janeiro de 2022.

"Antes do caso do Moïse não havia um olhar cidadão para nossa população imigrante e refugiada", afirmou Mariana.

"Quando a demanda chegou à Comissão de Direitos Humanos, Moïse já estava morto há uma semana. Por que? Porque a Delegacia de Homicídios ainda não havia iniciado a investigação. Por que? Porque era apenas mais um corpo negro negligenciado no nosso Rio de Janeiro. Visto como alguém de pouca importância. Moïse foi vítima de tortura, que foi assitida por pessoas bebendo cerveja no quiosque. Ele foi negligenciado pelas autoridades policiais, pelas autoridades de investigação e pela nossa sociedade. E já vinha sendo negligenciado, porque daquele quiosque surgiram demandas do Ministério Pùblico do Trabalho sobre trabalho análogo à escravidão. A atuação da OABRJ junto com a Defensoria Pública e outros órgãos estatais é importante para dar visibilidade a pautas, mas quem provoca essas reflexões são os movimentos sociais e é importante que eles estejam presentes, ocupando sempre espaços como o deste plenário".

Comandado pelo integrante do Grupo de Trabalho Fluxos Migratórios e Meio Ambiente da CDHAJ Jhonathan Mattos, o primeiro painel, "Políticas públicas para imigrações" reuniu na mesa a defensora pública do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Gislaine Kepe; o fundador da ONG de apoio a refugiados e migrantes Mawon; a coordenadora do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes do Rio de Janeiro (Crai-Rio), Dianduala Marinete; o coordenador de direitos humanos da Secretaria de Cidadania do Rio de Janeiro, Matheus Andrade, e o coordenador do GT Fluxos Migratórios e Meio Ambiente, Jan Silva. Remotamente, participaram o defensor público federal João Chaves e a coordenadora-geral de promoção dos direitos das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Clarissa Teixeira.

"Captar recursos no Brasil é uma enorme dificuldade", afirmou Montinard, que abriu uma bandeira haitiana durante sua intervenção.

 

"Estávamos buscando nos candidatar a editais, mas eles só atendem a produtores brasileiros, mesmo com a Mawon atuando no município e fazendo parte de todos os comitês. Mesmo os editais específicos para a cultura negra carregarem uma enorme carga de racismo estrutural, então desistimos com raiva. Para qualquer pessoa que enfrente racismo ou discriminação por causa de suas origens, eu mostro essa bandeira haitiana. Estudem a história dessa bandeira e desse país, a história da revolução haitiana. Foi mais fácil para nós conseguirmos apoio de empresas japonesas do que com a Secretaria de Cultura da cidade em que vivemos. Podemos perder a palavra, mas nunca perderemos a luta".



Filha de imigrantes angolanos, Dianduala Marinete falou sobre sua atuação à frente do Crai-Rio e dos equívocos na percepção popular a respeito das ações de apoio a refugiados.

"Precisamos lembrar que a legislação brasileira abraça e contempla os refugiados da mesma forma que contempla o brasileiro nato, e que, portanto, é um equívoco pensar que eles são desamparados da proteção legal", afirmou Dianduala.

"Há muita xenofobia, racismo, desconhecimento e ignorância nos comentários sobre as ações destinadas à população imigrante e refugiada, como se ela estivesse sendo amparada em detrimento da população de brasileiros natos. Olhar para essas pessoas com um pouco mais de atenção e carinho é uma obrigação do Poder Público e um dever nosso como cidadãos, até porque hoje vemos os dramas da população angolana, congolesa, colombiana e venezuelana, mas nunca sabemos quando poderá ser a nossa vez, e as catástrofes naturais que têm intensificado o fluxo de migrações forçadas mostram que essa é uma causa humanitária".

O segundo painel, "O papel da sociedade frente ao fenômeno das imigrações", contou com a mediação da coordenadora do GT Fluxos Migratórios e Meio Ambiente da CDHAJ, Aline Hamdan, e teve a participação do professor e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Paulo Velasco; da representante da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e coordenadora do Laboratório de Estudos de Imigração da Uerj, Érica Sarmiento; da professora e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Filosofia Antiga da Uerj, Izabela Aquino Bocayuva; a integrante do GT Fluxos Migratórios e Meio Ambiente da CDHAJ, Maria Clara Herkenhoff, e do secretário do Comitê Estadual Intersetorial de Políticas de Atenção aos Refugiados Migrantes (Ceiparm/RJ) Daniel Diowo. Participaram remotamente a pesquisadora da Universidade Federal do ABC, Raquel Araújo de Jesus, e a assistente de proteção na Acnur, Joana Lopes.

"Vivemos uma realidade internacional absolutamente dramática", afirmou Velasco.

"A ilusão e o otimismo que marcavam o período do fim da Guerra Fria deu lugar ao que os especialistas têm chamado de desglobalização, com um foco nas fronteiras, o levantamento de muros, grades e divisões para interromper o fluxo de pessoas tidas como incômodas na perspectiva míope, tacanha e discriminatória que marca muitos países. A retórica extremista tem fragilizado muito o multilateralismo no cenário internacional. Isso tudo alimenta ainda mais a necessidade absoluta de nós, como sociedade, desempenharmos um papel mais importante. As relações internacionais não se resumem a Estados. Elas também são feitas por indivíduos, e o Brasil tem uma legislação exemplar e bastante moderna no que tange a migração e refúgio, mas isso não significa que não haja desafios e responsabilidades a todos nós".

Primeiro migrante a ocupar um cargo no Ceiparm/RJ, Daniel Diowo, nascido na República Democrática do Congo, falou sobre as dificuldades enfrentadas pelos migrantes e refugiados em sua nova vida. 

"Ser convidado para participar de um evento como este me deixa, ao mesmo tempo, dividido e confuso", afirmou Diowo.
 

"Estou representando o Poder Executivo mas também sou migrante. Sou a pessoa que trabalha na implementação de uma política e sou também o usuário desta política. Sair do país para estudar ou viajar é uma coisa. Sair de maneira forçada é algo para o qual é impossível se preparar", pontuou.
 


"Sabemos que o Brasil é um país acolhedor, que recebe muitas pessoas, mas muitas vezes é a única opção. Eu saí do Congo e nunca conseguiria um visto para a França ou para o Canadá. Tive que vir para o Brasil. Como refugiado, não tenho como voltar e ver minha família, e como africano, encontro dificuldade para conseguir a reunião familiar. Muitas vezes vemos aqui a migração seletiva, que privilegia refugiados brancos e europeus, mas não sei se há uma lei para facilitar a migração de pessoas de países africanos. Chegando aqui, buscamos a proteção, depois a integração e então uma participação social. Muitas coisas têm melhorado, mas queremos que os imigrantes sejam ouvidos e não apenas sejam figurantes dentro de comitês. É importante que nossa participação seja integral".