O NOME DA ROSA, JUNTO AO STF
Umberto Eco é figura de todos conhecida. Foi escritor, filósofo e linguista italiano. Uma de suas obras primas, de reconhecimento mundial, recebeu o título Il nome della Rosa. No Brasil, a versão nacional foi chamada O nome da Rosa.
O livro ficcional retrata, destacadamente, nos idos da Idade Média, as aventuras e desventuras (entre crimes, livros e mosteiros), do frade franciscano William de Baskervillee e seu pupilo Adso de Malk. Muitos, no entanto, esquecem-se da referência à Rosa posta no título. Aqui, uma recordação. A alusão feita ao "nome da Rosa", em verdade, diz respeito a uma expressão, utilizada no medievo, para denotar o infinito poder das palavras. E a percepção da dimensão desse infinito poder mostra-se obrigatória no presente momento.
Fellipe Sampaio/STF
Nestes dias, aposentou-se Rosa Maria Pires Weber. Mais conhecida, em plenário, como Rosa Weber, é ela jurista e magistrada. Atuou na Justiça do Trabalho, Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal (STF). Para qualquer pessoa, isso já seria o roteiro de uma vida. Fez, no entanto, mais. Presidiu o Pretório Excelso em um dos mais críticos momentos da República. E o fez com invulgar altivez e vigor.
A Ministra Rosa Weber nasceu em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, lá se formando na Faculdade de Direito da Universidade Federal, onde recebeu láureas por seus méritos acadêmicos. Logo, ingressou na magistratura do trabalho, onde fez carreira. Nos anos 1990, ascendeu ao Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
Nos anos 2000, foi nomeada para o glorioso Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em 2011, finalmente, veio a tornar-se a terceira mulher a compor os quadros do STF. Foi também integrante e depois presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) (2018-2020), vice-presidente do STF (2020-2022), chegando à presidência da mais alta corte do país, em 2022.
Exerceu ela a docência, tida por Ruy Barbosa, em seu conhecido Discurso no Colégio Anchieta, como uma das mais supremas santificações da linguagem humana. Isso muito facilitou, à futura Ministra, a compreensão e exposição dialética de tantos temas. Mas, é de se ver que, o exercício da sabedoria, autoridade e temperança, sempre esperados em um magistrado, a acompanhou de maneira marcante, em mais de quatro décadas de serviços.
Sobre estes anos, já disse a ministra Cármen Lúcia serem eles exemplo pontuado de "firmeza e retidão", sendo a intrínseca defesa dos direitos sociais e das minorias as características maiores de Rosa Weber. Também são de se enaltecer, junto ao Supremo, seus votos relativos também em área criminal.
Seu destaque nessa seara deitou sombra, por primeiro, logo após sua chegada ao STF, em julgamentos relativos ao conhecido caso mensalão. Posteriormente, isso se repetiu, de forma não menos emblemática, nos julgamentos decorrentes da "lava jato". Concorde-se ou discorde-se de algumas de suas posições, indubitavelmente há de se reconhecer sua importância, dimensão e envergadura.
Discreta e elegante, com autoridade das palavras (ainda que, em público, por vezes, contida nas mesmas), fez valer suas posições em momentos impactantes da Justiça nacional. Para além disso, conduziu uma pauta que impactou a Justiça nacional, onde o Pretório Excelso veio a se manifestar sobre questões decisivas à democracia.
Mostra-se lugar comum a menção de que é em momento de crise que se sobressaem grandes líderes. Apesar disso, mostrou-se tal como inexorável verdade. E, emblematicamente, nos tumultuados dias que viveu o país no início de 2023, melhor liderança não poderia se esperar. Uma firme liderança feminina do Judiciário em momento tão complexo. É de se recordar que, sob a pena de Shakespeare, em Hamlet, Horácio, após a aparição do fantasma, menciona que aquilo prenunciava "alguma estranha comoção no nosso Estado".
A ministra Rosa Weber, por sua vez, vivenciou semelhante sentimento ao expressar a sua comoção, e de todo Estado, face aos ataques antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023. Convocando ministros, magistrados e políticos, comparecendo à cena do caos, verificou, ictu oculi, o que denominou de "ignominia da atitude" daqueles que, "impregnados de ódio irracional, em sanha deplorável", depredaram o STF naquela oportunidade. Nomeou a data fatídica: "dia da infâmia".
Em 1º de março seguinte, deu-se a abertura dos trabalhos judiciais e a comemoração do centenário do falecimento do maior dos brasileiros, o já citado Ruy Barbosa. Ruy, que tanto contribuiu à democracia, que combateu, com a pena, injustiças várias e a ditadura da espada de Floriano, esclarecia, já em seu tempo, que "todo bom magistrado tem muito de heroico em si mesmo, na pureza imaculada e na plácida rigidez, que a nada se dobre, e de nada se tema, senão da outra Justiça, assente, cá embaixo, na consciência das nações, e culminante, lá em cima, no juízo divino". E essa dimensão heroica, vista vividamente na homenageada, se firmou derradeiramente naquele mesmo dia.
O mesmo Ruy, era, de há tempos, homenageado com a aposição de seu busto junto ao STF. Vitimado pelo horror, sofreu a escultura marcas da agressão. No início do ano Judiciário, após os ataques, mencionou a ministra Rosa Weber, que em homenagem à memória histórica, não iria se restaurar, à inteireza, a imagem da Águia de Haia. Segundo a presidente do Supremo, a cicatriz marcada no busto, fruto da violência ocorrida naquele dia, haveria de ser mantida para que os fatos sejam sempre recordados e não se repitam jamais.
Sem saber, desejar ou querer, a discreta Ministra eternizou-se por completo. Já tinha ela, por seus julgados e escritos, assegurado seu papel na memória de todos, dos jurisdicionados aos cultores do Direito, dos atores da Justiça aos estudiosos do STF. Mas, após a liderança absoluta em um momento tão tenso, e depois da nova sacralização de Ruy, e com a consequente aposição de poderosas declarações, ganhou, com ele, espaço perene na memória do Estado democrático. Esse, pois, o atual nome da Rosa, que, na justiça brasileira, é Rosa Weber, a qual passa à história justamente pela dimensão de suas palavras, sempre em defesa da democracia.
Por toda sua história e pela preocupação com o justo e o legal, o Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), fundado que foi em 1874, e que atentamente acompanha, do Império à República, diversos momentos da Justiça nacional, vem a público para prestar suas mais significativas homenagens à ministra Rosa Weber. Congratula-se, pois, com a ilustre magistrada, agradecendo por uma vida dedicada à Justiça e ao país.
Acolhe e enaltece sua liderança, autoridade e tantas contribuições ao Direito, reconhecendo, derradeiramente, o belo e infinito poder hodierno de suas palavras, e em tantos momentos. E, por fim, estima toda a continuidade de sucesso em um novo momento de sua vida profissional. Que se inicie, portanto, um novo marco de sucesso.