239,7 MIL ARQUIVOS STJ ANULA AÇÃO EM QUE A PF ENGAVETOU 97% DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS
Negar à defesa o amplo acesso às informações colhidas durante as investigações configura cerceamento de defesa e justifica a anulação do processo. Todos os elementos de informação devem estar à disposição não só da acusação, mas também dos advogados do réu.
Condenação foi embasada por 5,4 mil arquivos de interceptação telefônica; apenas na apelação defesa descobriu que havia mais
Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a ordem em Habeas Corpus para anular a ação penal desde o recebimento de denúncia contra um homem acusado de integrar organização criminosa dedicada ao contrabando de cigarros.
Ele foi condenado a pena de 7 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado, em decorrência de vultosa investigação da Polícia Federal com uso de interceptações telefônicas, das quais 5,4 mil arquivos foram apresentados pela acusação como prova.
No julgamento da apelação, a defesa descobriu que esse material representava apenas parte do que fora colhido nas investigações. O total ultrapassa 239,7 mil arquivos, que foram tardiamente disponibilizados ao réu e ainda assim de forma incompleta, pois parte havia se perdido.
O Tribunal de Justiça de São Paulo afastou a ocorrência de nulidade porque a defesa teve acesso aos relatórios de inteligência policial, assim como ao teor das mensagens interceptadas utilizadas na sentença. Não há indício de adulteração ou fraude do material que embasou a condenação.
Ao STJ, a defesa, feita pelo advogado Alberto Zacharias Toron e pela advogada conselheira da OAB-SP Luiza Oliver, destacou que 97% da prova oriunda das interceptações permaneceu engavetada pela autoridade policial, o que causou prejuízo por se tratar dos trechos que mostram que o réu praticava atividade lícita.
Relator, o desembargador convocado Jesuíno Rissato denegou a ordem. Abriu a divergência vencedora o ministro Sebastião Reis Júnior, para quem o fato de o material ter sido disponibilizado tardiamente não afasta o prejuízo da ação de conhecimento.
"Inadmissível, em um Estado Democrático de Direito, que os órgãos responsáveis pela persecução penal decidam quais elementos de informação instruam os autos da ação penal na qual a autoria dos fatos imputados é apurada de forma profunda", opinou o ministro, em seu voto-vista.
Também em voto-vista, a ministra Laurita Vaz concordou ao apontar que todos os elementos de informação coligidos na investigação devem estar à disposição não só do órgão acusador, mas também à Defesa. Isso inclui todo o material de interceptação telefônica.
"Se é verdade que o Ministério Público, no exercício do ônus acusatório, tem a liberdade de, ao oferecer a denúncia, escolher livremente os elementos de informação que entender pertinentes à demonstração da justa causa, também é verdade que a Defesa, por paridade de armas, deve ter acesso, caso manifeste interesse, durante a instrução criminal, à integralidade do mesmo acervo informativo para exercer seu inarredável direito ao contraditório e à ampla defesa."
Formaram a maioria os ministros Sebastião Reis Júnior, Laurita Vaz, Rogerio Schietti e Antonio Saldanha Palheiro.
HC 735.027