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LAVAGEM & AFINS MODIFICAÇÃO DA LEI 9.613/1998 EM 2012 CONTRIBUIU NO COMBATE À LAVAGEM DE DINHEIRO

Por Pierpaolo Cruz Bottini e Rodrigo de Grandis

As políticas de prevenção à lavagem de dinheiro no Brasil foram avaliadas pelo Gafi (Grupo de Atuação Financeira Internacional, órgão intergovernamental que desde 1989 estabelece diretrizes internacionais de prevenção ao delito e ao financiamento do terrorismo e à proliferação das armas de destruição em massa.

 

Foi debatida no último mês a avaliação mútua a que o país se submeteu em 2022, bem como a eficácia das medidas nacionais para evitar e combater esses crimes. Embora o relatório final ainda não tenha sido publicado, o saldo geral foi positivo: o Brasil melhorou o seu regime jurídico de prevenção ao delito desde a sua última avaliação em 2010, demonstrando forte cooperação internacional, avaliação de riscos e coordenação política.

A modificação da Lei nº 9.613/1998 no ano de 2012 para considerar toda infração penal como antecedente do delito de lavagem de dinheiro e uma maior compreensão do arcabouço jurídico pelas autoridades brasileiras — Judiciário, Ministério Público e polícias — parecem ter contribuído para esse bom resultado.

Ponderou-se, contudo, que o país precisa incrementar a cooperação e a coordenação entre essas autoridades e reforçar a repressão à lavagem de dinheiro em setores não-financeiros, como as loterias, empresas que realizam apostas em quota fixa e outras modalidades de captação de apostas com pagamento de prêmios, as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem joias, pedras e metais preciosos, objetos de arte e antiguidades, ou que comercializem bens de luxo ou de alto valor ou exerçam atividades que envolvam grande volume de recursos em espécie.

Nestes casos, foram detectadas algumas lacunas de supervisão administrativa que, na visão do Gafi, enfraquecem o sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo como um todo, e, assim, impendem a incidência das leis penais e a consequente recuperação dos bens obtidos ilicitamente.

Um dos pontos mais relevantes do relatório diz respeito à advocacia. Somente com a sua publicação serão conhecidos em detalhes os pontos de vulnerabilidade derivados da prestação de serviços jurídicos, mas o fato é em breve voltará à pauta o debate sobre a existência ou não dos deveres de conhecer o cliente, manutenção de cadastro sobre suas atividades e, principalmente, comunicação de atividade suspeita de lavagem de dinheiro e de terrorismo aos advogados e advogadas que, no curso de sua atividade profissional, prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza; b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos; c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários; d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas; e) financeiras, societárias ou imobiliárias; e f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais.

Discute-se o tema na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4.841 — ainda não julgada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) — e existiu uma tentativa de regulamentação no âmbito da OAB, para que, na linha de algumas Diretivas da Comunidade Europeia e de Recomendações do próprio Gafi (Recomendação 23), se atribuísse à advocacia brasileira maior adesão ao sistema de prevenção à lavagem de dinheiro, e, ao mesmo tempo, se garantisse a intangibilidade do núcleo essencial do direito de defesa.

É preciso cuidado com o tema.

A relação de confiança entre advogados e clientes é fundamental para o exercício da defesa e para uma orientação adequada diante de situações jurídicas diversas. Exigir que os profissionais desse setor comuniquem às autoridades eventuais ilícitos dos quais tenham conhecimento, ou documentos que os comprovem, afeta de forma profunda uma atividade fundada na lealdade. Se o causídico não puder ser o fiel depositário de materiais e relatos que exponham por completo a vida do cliente, não será capaz de exercer sua função, de indicar as melhores estratégias de defesa, de indicar os caminhos mais oportunos para a melhor proteção de direitos.

É evidente que não pode o advogado usar da profissão para colaborar com atos ilícitos, como elaborar contratos fictícios para justificar rendas inexistentes, manejar ações sem consistência para esquentar recursos, que são perdidos falsamente a partes adversárias que em verdade fazem parte da encenação, ou aceitar procurações para gerir empresas de fachada, sabidamente usadas para lavagem de dinheiro. Para além disso, quando o advogado despe a beca e passa a administrar patrimônios, comercializar imóveis ou intermediar operações financeiras, deixa de lado suas prerrogativas e assume os mesmos deveres que os profissionais desses setores.  

Por outro lado, é preciso cuidado para não imputar ao advogado o crime de lavagem de dinheiro quando ele apenas colaborou para a montagem de estruturas societárias ou operações financeiras depois usadas para esconder capitais ilícitos. O mero exercício da profissão, a orientação jurídica, o exercício da defesa, não podem ser inibidos pela insegurança da aplicação arbitrária da norma penal.

O tema é sensível e merece mais atenção. As recomendações do Gafi são importantes balizas para o aprimoramento do combate à lavagem de dinheiro, e uma oportunidade para aprofundar todos os debates nesse setor, inclusive os mais incômodos. Mas devem recebidas com a cautela usual, sempre pautada pela premissa de que direito de defesa, no Brasil, goza de um status constitucional mais amplo e firme do que em outros países, de tradições diversas.