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OPINIÃO DIVULGAÇÃO DE CONVERSAS PRIVADAS FEITAS EM REDES SOCIAIS

  • Entre as suas principais inovações, a internet trouxe a comunicação instantânea em qualquer lugar do mundo e a qualquer hora do dia. Essa agilidade da troca de mensagens se potencializou com a criação das redes sociais, em que opiniões, informações e notícias podem ser compartilhadas de forma ainda mais célere, tanto de modo público, em que qualquer pessoa pode ter acesso aquele conteúdo, como de forma privada, em que o assunto ali tratado deve (ou deveria) se manter apenas entre aqueles que foram selecionados para trocar mensagens particulares.

     
     

    Ainda que o mundo virtual seja bastante presente no cotidiano atual, ainda sim ele é uma terra nova sendo habitada e, como tudo que é novo, o conhecimento sobre o tema ainda é incipiente e as regras ainda estão em construção. Em decorrência disso é que o mundo sentiu a necessidade de regulamentar o tema e a discussão jurídica sobre os limites da internet chega constantemente aos tribunais.

    No Brasil, o início da regulamentação foi através do Marco Civil da Internet, que demonstrou ter limitações perante as nuances decorrentes desse novo território em construção. Como consequência, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi promulgada para complementar aquilo que a Lei 12.965/2014 não conseguiu abranger.

    Antes dessas leis especiais, a regulamentação do tema ficava a cargo da legislação vigente e da jurisprudência. Apesar de a analogia ser uma grande aliada nessas decisões, a novidade decorrente da internet e das redes sociais demonstraram que tanto nosso ordenamento jurídico quanto os operadores do direito ainda não estavam preparados para essa radical mudança social. Mas quando o tema envolvendo a internet é debatido, é uníssono o seguinte entendimento: os direitos fundamentais são o principal norte que deve ser respeitado no mundo virtual.

    A conformidade com os direitos fundamentais se pauta, principalmente, no direito à privacidade. A importância desse direito é tão evidente que a própria lei do Marco Civil quanto a LGPD o determina como princípio fundamental para uso da internet (artigo 3, II do Marco Civil e artigo 2º, I da LGPD).

    A partir disso, ao se analisar casos concretos, percebe-se que é nas conversas instantâneas que se encontra os pontos de conflito com o direito a privacidade, pois é nesse âmbito que se tem a contraposição de direitos como a privacidade e a intimidade, de um lado, e do direito de liberdade de expressão e liberdade de informação, do outro.

    A discussão envolvendo o referido tema fez com que o ponto chegasse aos tribunais superiores, culminando na decisão colegiada do Recurso Especial nº 1903273 – PR.

    Sobre o tema, não obstante inexistir legislação própria sobre o assunto, é pacífico o entendimento no STJ de que as conversas realizadas no meio virtual estão resguardadas pelo sigilo das comunicações (artigo 5º, X/CF), somente podendo ocorrer acesso ao conteúdo das conversas através de: consentimento dos participantes ou autorização judicial (HC 609.221/RJ, 6ª Turma, DJe 22/6/2021).

    Além das duas exceções apontadas anteriormente, pode-se citar uma terceira: resguardar direito próprio do receptor. Esta se basearia na própria premissa do direito da privacidade — o detentor do direito disporia sobre aquilo que o cabe — bem como do direito de defesa.

    Como dito, a proteção ao sigilo das conversas se pauta em um direito fundamental: o direito da privacidade e, por consequência, foi nesse sentido que seguiu a decisão do STJ que fixou entendimento sobre o tema.

    A decisão colegiada no REsp 1.903.273-PR, inicialmente, traz que o direito da privacidade é resguardado pela forma de armazenamento de dados da plataforma. Tal entendimento é reforçado na própria decisão:

    “Justamente com o propósito de fortalecer a privacidade dos usuários das redes sociais, foram desenvolvidas novas técnicas, dentre as quais se destaca a criptografia. Essa tecnologia possibilita o envio de mensagens seguras, já que consiste ‘na cifragem de mensagens em códigos com o objetivo de evitar que elas possam ser decifradas por terceiros'” (LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos eletrônicos: validade jurídica dos contratos via Internet. São Paulo: Atlas, 2007, p. 160).

    Seguindo ainda o entendimento da corte, as conversas no meio virtual colocam em evidência o conflito existente entre o direito à liberdade de informação, de um lado, e o direito de privacidade, do outro, exigindo justamente para o caso a aplicação do juízo de ponderação.

    Seguindo os ensinamentos do ministro Gilmar Mendes e de Paulo Gustavo Gonet, no juízo de ponderação o tribunal não realiza uma mera análise hierárquica em relação aos direitos em conflito, mas sim um estudo sobre as circunstâncias peculiares do caso para poder concluir qual o direito fundamental que deve prevalecer naquela situação particular, sem estabelecer uma hierarquia genérica.

    A partir desse juízo de ponderação é que se chegou ao entendimento pacificado pelo STJ, em que o direito da liberdade de informação deve ser limitado quando fere o direito da privacidade de outrem. Nesse sentido:

    “A toda evidência, o direito à liberdade de informação e de expressão não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo. Em outras palavras, a liberdade de informação não pode representar uma violação à privacidade e à intimidade do indivíduo, ‘revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem (REsp 1729550/SP, 4ª Turma, DJe 4/06/2021)’” (REsp 1.903.273/PR, 3ª Turma, DJe 30/08/2021).

    Pelo entendimento da Corte Superior, a conversa por aplicativo deve observar também um ponto específico em relação ao direito da privacidade, qual seja, a expectativa de privacidade do indivíduo.

    A expectativa da privacidade é justamente o entendimento que o indivíduo possui em manter as suas relações dentro de uma esfera limitada e, quando se fala em conversas virtuais, seja envolvendo duas pessoas ou grupos de pessoas, a expectativa nesses casos é de que o conteúdo ali tratado permaneça de forma privada entre os envolvidos, principalmente porque a quantidade de pessoas interagindo no diálogo é uma forma de limitar justamente o conteúdo que ali está sendo tratado.

    Seguindo ainda o entendimento do STJ, essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas (REsp 1.903.273/PR, 3ª Turma, DJe 30/8/2021).

    Assim, é que se vê que o direito à privacidade é o fundamento central da decisão do STJ no tocante a divulgação de conversas ocorridas no meio virtual, somente entendendo a Corte sobre a licitude da divulgação quando ocorrer uma das três exceções anteriormente elencadas, quais sejam: (a) decisão judicial, (b) conhecimento dos participantes e (c) resguardar direito próprio de receptor. E, neste último caso, seria necessária a análise in concreto para entender quais os direitos em colisão para fins de juízo de ponderação.

    Diante desse entendimento jurisprudencial, é de se notar que o ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não conseguir preencher todas as lacunas do trato virtual, ainda sim, consegue superar a problemática sobre o tema através da análise dos direitos fundamentais da Lei Maior com o auxílio do juízo de ponderação.

    Em específico, sobre a divulgação de conversas no meio virtual, o tema restou pacificado com base na ponderação judicial entre o direito à privacidade e o direito à liberdade de expressão, em que o primeiro tende a prevalecer.