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INTERESSE PÚBLICO A RELEVÂNCIA DO PLANEJAMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

Segundo Thomas Dye [1], em conhecida conceituação da ciência política, política pública pode ser resumida em uma definição aparentemente simples: “tudo o que os governos decidem fazer ou não fazer”. As características-chaves desse conceito são a intencionalidade da tomada da decisão, a presumida legitimidade estatal e a existência de uma decisão de fazer ou não algo.

Essa abordagem conceitual surgiu na literatura no período pós-Segunda Guerra Mundial, quando as ciências começaram a explorar as complexas relações entre governos e cidadãos, com foco no notável crescimento das atividades do setor público. Essa transformação viu a implementação de programas econômicos e sociais ambiciosos, com intervenção governamental substancial na economia e na vida cotidiana dos cidadãos.

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Tal conceito foi útil, mas é limitado porque ignora em sua essência o fato de que nem todas as ações governamentais são desenvolvidas como resultado de um processo decisório planejado, podendo tratar-se de mera ação individualizada e circunstancial, desconectada do contexto político e mesmo das necessidades sociais. A excessiva abrangência do conceito poderia conduzir à interpretação de qualquer ação (ou omissão) governamental como uma decisão e, consequentemente, uma política pública.

É nesse contexto que precisamos pontuar que planejamento governamental e gestão pública constituem duas dimensões cruciais e inseparáveis da atuação dos Estados contemporâneos. De um lado, tem-se a definição estratégica das políticas públicas pelas quais pretende atua; de outro, a condução cotidiana das ações do aparato burocrático e o gerenciamento cotidiano da máquina pública. Essas etapas sucintamente referidas são protagonizadas pelo Executivo e Legislativo, notadamente em razão da forma de organização do Estado brasileiro e da importância da legitimidade emprestada pelos cidadãos.

Em consequência, nem toda ação do governo pode ser classificada como política pública. Para uma ação ser considerada como tal, ela deve ser parte de um conjunto de decisões e ações estrategicamente escolhidas e intencionalmente coerentes entre si, fruto de planejamento. Essas ações, coordenadas pelo aparato estatal, devem ter o propósito de enfrentar um problema político específico, como destacado por Schmidt. [2]

Em outras palavras, é fundamental distinguir, na atuação da gestão pública [3], entre ações governamentais isoladas e políticas públicas estrategicamente planejadas, o que podemos fazer adotando a terminologia do planejamento governamental, que oferece uma estrutura que permite essa diferenciação e a orientação da gestão na condução das escolhas estatais, indo do geral ao específico temos as seguintes categorias: política pública, plano, programa, projeto e ação. [4]

política estabelece princípios, objetivos e diretrizes de atuação da gestão em determinada área, estabelece responsabilidades, meios e recursos necessários, enquanto, o plano concentra-se em estratégias e metas baseadas em diagnósticos detalhados e baseado em evidências para determinado objeto e período, por sua vez, os programas são derivados dos planos e definem diretrizes, estratégias, objetivos e metas que norteiam as ações para um setor específico, enquanto os projetos são a menor unidade do processo de planejamento, detalham a operacionalização das políticas (estratégias, ações e atividades. As ações designam uma iniciativa, o nível mais concreto do planejamento governamental que deve ser precedido de todos os outros (Exemplo: o ato de vacinação como parte de um projeto que compõe um programa e que está compreendido dentro do plano adotado pela política de saúde).[5]

Políticas públicas requerem um grau de intencionalidade, planejamento e coerência para abordar desafios políticos específicos – uma ação pública desconexa da realidade e necessidade não pode ser considerada uma política pública.

Respeitando o planejamento governamental garantimos uma racionalidade na atuação estatal, organizando o objetivo da política do geral até a ação específica a ser implementada.

Não devemos confundir o planejamento governamental com o processo de planejamento orçamentário, processo jurídico que trata do assunto regulado pela lei de Finanças Públicas (Lei 4.320/64) e Constituição Federal (Art. 165), em que pese não haja coercitividade na adoção dos instrumentos mais abstratos do planejamento governamental (política e plano), a elaboração destes pelos entes públicos permite a rastreabilidade dos motivos da decisão pública, permitindo o controle.

O instrumento do processo orçamentário mais abrangente, quanto a este aspecto, é o Plano Plurianual (PPA), cabendo-lhe contemplar as diretrizes, objetivos e metas da administração para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada (artigo 165, §1º da CF/88).  A metodologia estabelecida para elaboração do PPA 2020-2023 adotou os seguintes conceitos: “Diretrizes — possuem a finalidade de retratar as declarações de governo e indicam as preferências políticas dos governantes eleitos. Temas — buscam refletir a estrutura institucional adotada pela administração federal. Programa — é a categoria que articula um conjunto de ações (orçamentárias e não-orçamentárias) suficientes para enfrentar um problema. Seu desempenho deve ser passível de aferição”. [6]

Percebe-se que políticas públicas devem considerar não somente a realização de ações orçamentárias (que podem ser atividades, projetos, operações especiais e reserva de contingência) como também de outras fora do orçamento, inclusive sem o aporte direto de recursos públicos.

Os planos e políticas anteriores permitem a constatação da realidade/necessidade, evitando o efeito perverso da mera repetição de orçamentos anteriores ou de falta de transparência no processo decisório utilizado pela gestão para a efetivação desta ou daquela escolha dos órgãos públicos responsáveis, mas da população interessada. 

Partindo do pressuposto da adequação do planejamento governamental e da elaboração do processo orçamentário pelo Executivo e Legislativo, a Emenda Constitucional nº 100/19 consignou expressamente o dever da Administração de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade e promover a avaliação e o monitoramento de políticas públicas, levando em conta os resultados na elaboração dos instrumentos orçamentários (artigo 165, §10). A EC 109/21, por seu turno, tornou claro o dever que as leis orçamentárias (PPA, LDO e LOA) devem observar os resultados do monitoramento e da avaliação de políticas públicas.

Em conclusão, a distinção entre ações esparsas e política pública é importante para o tratamento adequado do planejamento e das escolhas, contribuindo para garantir maior amplitude à atuação estatal, reduzir a descontinuidade administrativa, otimizar os recursos disponíveis, proporcionando impactos significativos na qualidade dos benefícios à vida dos cidadãos.


[1] HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; PERL, Anthony. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma abordagem integradora. Trad. Francisco G. Heidermann. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. p. 6.

[2] SCHMIDT, João Pedro. Para estudar políticas públicas: aspectos conceituais, metodológicos e abordagens teóricas. Revista do Direito. Santa Cruz do Sul, v. 3, n. 56, set/dez. 2018. p. 126.

[3] CARDOSO JR., José Celso. Planejamento Governamental e Gestão Pública no Brasil: Elementos para ressignificar o debate e capacitar o Estado. Texto para discussão 1.584 – / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. IPEA: Brasília, março de 2011. ISSN 1.415-4.765. p. 9 e 12.

[4] SCHMIDT, op. cit., p. 128.

[5] SCHMIDT, op. cit., p. 128.

[6] BRASIL. MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO. Manual técnico de orçamento – MTO 2024. 4.ed. Brasília: Ministério do planejamento e orçamento, 2023. Disponível em: https://www1.siop.planejamento.gov.br/mto/doku.php/mto2024