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OPINIÃO A MP 1.185 E OS BENEFÍCIOS FISCAIS DE ICMS

O governo federal (com o intento de aumentar a arrecadação — sem a concomitante desejável redução de despesas — para o suposto atingimento da meta de déficit fiscal zero no ano de 2024) adotou, em 30 de agosto deste ano, a Medida Provisória nº 1.185, ainda em trâmite no Congresso.

Não se pretende aqui apresentar uma ampla e exauriente discussão a respeito do aumento da arrecadação a ser implementado pela possível conversão em lei da precitada MP a partir de 1º de janeiro de 2024 (modificação de uma situação de exclusão das subvenções de ICMS — obedecidos certos parâmetros legais — das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS não cumulativo e da Cofins não cumulativa, para uma situação de apuração de um crédito fiscal de subvenção para investimento da ordem de 25% de uma carga tributária padrão total de 43,25% ainda sujeito a determinadas condicionantes como a habilitação prévia da pessoa jurídica subvencionada junto à Secretaria Especial da Receita Federal).

 

O objetivo almejado, ao revés, se baseia no esclarecimento de três questões subjacentes à aludida MP consideradas como fundamentais para o adequado debate legislativo.

Inicialmente, é importante explicitar que a MP nº 1.185 não se aplica ao benefício fiscal denominado “crédito presumido de ICMS”. A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (a partir do julgamento, em 8/11/17, do EREsp nº 1.517.492/PR posteriormente corroborado pelo recentíssimo decisório proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.945.110/RS) consolidou uma orientação jurisprudencial no sentido de que a exclusão do crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL é uma decorrência lógica e natural do princípio do Pacto Federativo/cláusula pétrea da CF/88 de observância obrigatória pelos entes de direito público interno; não havendo, por conseguinte, qualquer tipo de correlação entre a aludida exclusão e o pretenso cumprimento dos requisitos legais previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/14 c/c os artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº 160/17.

Faz-se essencial destacar doravante, superado o esclarecimento supra, que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (quando do julgamento, em 26/04/23 e por votação unânime, do já identificado Recurso Especial nº 1945110/RS sob a relatoria do ministro Benedito Gonçalves — Tema 1.182 da sistemática dos recursos especiais repetitivos) concluiu no sentido de que os benefícios fiscais diversos do crédito presumido de ICMS — tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento — podem ser excluídos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL desde que cumpridos os requisitos/parâmetros legais previstos no artigo 30 da Lei nº 12.973/14 c/c os artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº 160/17. A tantas vezes citada MP 1.185 (não obstante tal precedente) desconsiderou por completo o entendimento jurisprudencial sob comento ao instituir um regime jurídico inteiramente novo no que concerne ao tratamento fiscal das subvenções de ICMS junto aos tributos federais.

Não se questiona a possibilidade da instituição de um novo regime jurídico-tributário através de uma medida provisória, com a consequente revogação do pretérito regime jurídico previamente convalidado quanto à sua legalidade por algumas decisões judiciais esparsas. O que se questiona aqui firmemente é o absoluto desprezo — pela MP 1.185 — quanto à força normativa de uma recentíssima tese adotada em precedente formalmente vinculante (Recurso Especial nº 1945110/RS) emanado do STJ compreendido como o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro em matéria de interpretação final da legislação infraconstitucional. Tal desprezo — por implicar em afronta à harmonia e à independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário tal como exigido pelo artigo 2º da CF/88 — incorre em evidente inconstitucionalidade.

O terceiro/último aspecto a ser abordado coaduna-se com a possível existência de vício formal no bojo da MP 1.185.

O inciso IV do artigo 15 da MP 1.185 expressamente revogou o já dantes aludido artigo 30 da Lei Ordinária nº 12.97314. Em princípio, tal revogação não levantaria qualquer tipo de indagação na medida em que uma medida provisória (por possuir status/força de lei ordinária) poderia perfeitamente revogar — integralmente ou parcialmente — prévia lei ordinária que fosse com ela de alguma maneira incompatível.

A indigitada revogação torna-se extremamente questionável, entretanto, quando se constata que o precitado inciso IV do artigo 15 da estranhamente desconsiderou por completo o fato de que o artigo 30 da Lei Ordinária nº 12.973/14 passou a vigorar acrescido dos respectivos §§ 4º e 5º instituídos pelo artigo 9º da Lei Complementar nº 160/17. A revogação parcial da Lei Complementar nº 160/17 por uma posterior legislação hierarquicamente inferior (MP 1.185 equiparada à uma lei ordinária) somente seria admissível se houvesse uma interpretação jurisprudencial definitiva no sentido do enquadramento da referida lei complementar como sendo materialmente ordinária, algo que até o presente momento não existe.