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OPINIÃO O IMPACTO DAS EXCEÇÕES NA REFORMA TRIBUTÁRIA

Com a inclusão de novas exceções na reforma tributária do consumo, torna-se essencial retomar o debate do real impacto delas no sistema como um todo.

 

Aumento de alíquota base? Quebra da isonomia e equidade? Privilégio para setores com influência política mais eficiente? Aumento da complexidade do sistema?

 

São as exceções uma correção essencial para distorções inevitáveis? Uma complexidade necessária e inerente ao sistema? Instrumentos de redistribuição de renda?

Princípios norteadores de um bom sistema tributário
O sistema tributário de um país, aderindo às boas práticas internacionais, deve ser fundamentado nos seguintes princípios fundamentais: equidade, neutralidade, progressividade e simplicidade.

Isso significa que o sistema tributário deve ser:

  • baseado na equidade, garantindo que indivíduos em idênticas circunstâncias econômicas enfrentem uma carga tributária equivalente
  • orientado pela neutralidade, de forma a não distorcer as decisões de agentes econômicos quanto à alocação de recursos e investimentos
  • progressivo, ou seja, mais gravoso para aqueles com maior capacidade contributiva, de acordo com seu nível de renda e riqueza
  • estruturado de maneira a ser de fácil compreensão pelos contribuintes, proporcionando clareza sobre quais elementos estão sujeitos à tributação e como podem cumprir suas obrigações fiscais.

Como funcionam as exceções na reforma tributária
No processo de construção do novo sistema de tributação do consumo, que adota como premissa a manutenção da carga tributária global do sistema anterior, toda exceção inserida significa uma distribuição de recursos da sociedade em geral para produtores ou consumidores do setor que pede o benefício.

Com isso, quando se opta por isentar ou reduzir as alíquotas de um determinado bem ou serviço, a contrapartida envolve o aumento das alíquotas padrão que devem ser pagas por todos os outros consumidores para compensar a perda de receita fiscal.

Quando se isenta ou reduz a carga tributária sobre um produto ou serviço específico, isso resulta em uma redução dos preços desses bens ou serviços, o que, por sua vez, leva a um aumento da renda disponível para as famílias que consomem esses itens.

Em resumo, estamos falando de uma realocação de recursos e, em última instância, de uma transferência de renda entre diferentes grupos de consumidores. [1]

Essa transferência de renda deve ser justificada com base em valores relevantes como equidade, justiça social e crescimento econômico sustentável.

Novas exceções surgem com o avanço das discussões no Congresso
Seja qual for o interesse que motiva acrescentar novas exceções ao texto da reforma tributária, fato é que a cada exceção incluída mais relevante se torna a discussão da repercussão dessas no novo sistema tributário do consumo.

Não há pretensão aqui de abordar cada exceção e o impacto no sistema. Isso demandaria um estudo aprofundado que não é o objetivo no presente artigo. O que se deseja é, na verdade, alertar para as questões que surgem a partir da inclusão de exceções as regras gerais inicialmente idealizadas.

Importante regra de revisão periódica dos regimes diferenciados
O texto que tramita no Congresso traz importante regra de revisão periódica dos regimes diferenciados. Essa ferramenta é essencial para oxigenação do sistema e adequação da tributação por setores de acordo com as necessidades setoriais.

Há sempre o risco de as pressões políticas prejudicarem o equilíbrio do sistema tributário. No entanto, entendo que esse risco é parte do jogo democrático e, ao fim e ao cabo, salutar para sistema. A discussão deve permanecer viva na sociedade para que os objetivos de desenvolvimento econômico e redução das desigualdades sejam alcançados.

Alerta do Tribunal de Contas da União
Recentemente, o TCU em manifestação sobre a reforma tributária alertou:

Sobre o custo das exceções, a redução de alíquota e isenções de tributos sobre consumo não são soluções efetivas como políticas públicas, seja sob o aspecto econômico, seja pela ótica social. Além disso, boa parte do benefício fiscal não é repassada ao contribuinte final. Dessa forma, é fundamental que as exceções sejam submetidas a avaliações anuais de custo-benefício entre 2026 e 2033 e que sejam previstas as condições necessárias para que o Congresso Nacional tenha a oportunidade de avaliar, a partir de 2034, se vale a pena ou não manter as exceções à alíquota padrão da tributação sobre o consumo. [2]

Complexidade necessária
O professor Carlos Alexandre de Azevedo Campos explica muito bem a necessidade de equilibrar as questões da simplicidade, equidade e eficiência sistêmica.

As propostas de reforma devem ser atentas ao caráter multidimensional da complexidade e ao seu variado catálogo de indicadores, às suas múltiplas causas e efeitos adversos e, destacadamente, ao caráter instrumental da redução da complexidade em relação à equidade e eficiência sistêmicas. Descabe o discurso sedutor da simplificação pela simplificação. [3]

A complexidade necessária abordada pelo professor deve ser implementada para alcançar os objetivos da reforma, quais sejam, equidade, neutralidade e progressividade. Deve-se ter cautela com o discurso da simplicidade a qualquer custo.

Banco Mundial, cashback e isenções
Em estudo do Banco mundial, os autores chegaram a duas conclusões importantes. [4] A decisão de isentar uma grande lista de itens classificados para consumo básico pode não ter o impacto exatamente desejado e um sistema de cashback reduz a regressividade substancialmente, destacando o instrumento como ferramenta fundamental para melhorar a distribuição de renda e reduzir a carga tributária das famílias mais pobres.

Dois trechos do estudo que aprofundam as conclusões resumidas acima merecem ser transcritos:

O cashback parece ser o mecanismo mais eficaz para aumentar a progressividade do sistema de tributos indiretos. Uma combinação de reduções e um cashback é significativamente menos regressivo do que um sistema apenas com reduções e isenções (Figura 2). Assim, ao eliminar reduções caras e investir totalmente em um cashback, é possível imaginar um sistema que funcione melhor para os decis inferiores com um IVA mais baixo.

(…)

Os defensores de políticas redistributivas podem simpatizar com a ideia de isentar uma grande lista de itens classificados para consumo básico dos cidadãos brasileiros. No entanto, dadas as restrições fiscais impostas por um governo, não é aconselhável estabelecer isenções sobre um amplo conjunto de itens. Apesar de a cesta ser maior no consumo do decil inferior, o volume absoluto de gastos dos ricos é muito maior. Assim, em vez de adotar isenções amplas que possam beneficiar desproporcionalmente os ricos, o governo brasileiro pode considerar a implementação de uma solução mais redistributiva que possa direcionar recursos para os pobres. Uma cesta básica nacional mais concisa, isenta de qualquer IVA, pode fornecer meios para diminuir os preços para acessar bens essenciais e, ao mesmo tempo, abrir espaço fiscal para políticas redistributivas de forma mais eficaz.

Conclusão
O alargamento do rol de exceções com isenções e alíquotas diferenciadas deve ser analisado com muita cautela e parcimônia, sob pena de não serem alcançados os objetivos almejados. E ainda pior, como destacado pelos estudos apresentados, há a possibilidade de inversão da lógica de simplificação, otimização e da criação de um sistema de tributação sob o consumo mais justo.

O instrumento do cashback, com base no estudo do Banco Mundial, mostrou-se efetivo ao alcançar o objetivo de redução da regressividade da tributação sobre o consumo. E, por isso, merece maior atenção dos nossos legisladores.

Referências
[1] IPEA, “Estudos revelam impacto da redistribuição de renda no Brasil.” https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-noticias/noticias/13909-estudos-revelam-impacto-da-redistribuicao-de-renda-no-brasil

[2] TCU “Impacto geral da Reforma Tributária deve ser positivo para economia do país, avalia TCU” acesso em 05/ de novembro de 2023.

[3] Campos, Carlos Alexandre de Azevedo. Artigo: “UMA TEORIA DA COMPLEXIDADE TRIBUTÁRIA”.

[4] Ricardo Vale, Gabriel Lara Ibarra, Eduardo Fleury, e Kajetan Trzcinski. Estudo do Banco Mundial (The World Bank). “Impactos distributivos da reforma tributária no Brasil: cenários relativos à isenção da Cesta Básica”. acesso em 05 de novembro de 2023.