ANIVERSÁRIO DE 8 DE JANEIRO DEMONSTRA NECESSIDADE DE VIGILÂNCIA E DE REAFIRMAR O ÓBVIO
Um ano após a intentona golpista de 8 de janeiro, as instituições têm de lidar com alguns problemas típicos de nosso tempo, como a necessidade de mobilização contínua em defesa dos valores democráticos e a necessidade de reafirmar o óbvio.
As razões dessas necessidades vão desde desafios como o ponto de inflexão da economia global, em que o avanço da tecnologia torna profissões obsoletas e impõe uma transformação nas relações trabalhistas, até a inédita capacidade das redes sociais de aglutinar frustrações, ressentimentos e pessoas com tendências totalitárias.
O Dia da Infâmia, como bem classificou a então presidente do Supremo Tribunal Federal, a ministra aposentada Rosa Weber, na época dos acontecimentos, ainda paira sobre a vida pública brasileira. O decano do STF, Gilmar Mendes, reafirmou essa necessidade em entrevista recente ao periódico português Diário de Notícias.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em discurso nesta segunda (8/1), ressaltou a necessidade de punir os envolvidos e afastou a solução conciliatória que marcou a reabertura política e a democratização do país após a ditadura militar (1964-1985) — que, nestes tempos em que é necessário reafirmar o óbvio, deixou um legado de brutalidade, desigualdade e atraso.
Poder punitivo
Se é preciso continuar vigilante na defesa da democracia por um lado, por outro também é preciso coibir abusos do poder punitivo do Estado. Tão fundamental também é não relativizar ou amenizar o ocorrido em 8 de janeiro de 2023.
Infelizmente, a necessidade de vigilância se mantém presente. Exatamente no aniversário de 8 de janeiro, a Polícia Militar do Distrito Federal prendeu um mulher sob suspeita de atentado bioterrorista no STF.
A mulher detida agrediu policiais judiciários e havia ameaçado contaminar a sede do Supremo — já tão vilipendiada em janeiro de 2023 — com um gás usado em ataques terroristas. A PM-DF encontrou com a mulher spray de pimenta e uma máquina de choque.
O ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello afirma, a respeito do episódio, que “esses bolsonaristas não aprenderam a lição!!!”. “Continuam imersos nas trevas de sua profunda estupidez… e de sua invulgar e descomunal ignorância! Insistem em desconhecer, tal o grau de seu ousado atrevimento, que ações — especialmente aquelas que transgridem as leis penais — têm graves consequências em sua liberdade e em seu patrimônio”.
Por outro lado, o extremismo político fez algumas vítimas na história recente do país, como o mestre de capoeira Moa do Katendê, morto a facadas por um militante bolsonarista às vésperas da eleição de 2018. Em 2022, o guarda municipal Marcelo Aloizio de Arruda foi morto a tiros pelo policial penal federal Jorge José da Rocha Guaranho. Ele comemorava seu aniversário com temas vinculados ao PT e à candidatura de Lula. Isso bastou para motivar o assassinato.
Recentemente, o ministro do STF Alexandre de Moraes revelou que os golpistas planejavam prendê-lo e assassiná-lo durante a transferência para uma prisão militar. Alguns mais afoitos fantasiavam enforcá-lo em praça pública.
E vem daí a necessidade de reafirmar o óbvio. Alguns extremistas têm se mobilizado para reescrever a história por meio de verbetes da Wikipedia. Militantes em massa tentaram revisar os fatos narrados, relativizando o ocorrido e dizendo que os atos extremistas eram obras de “militantes infiltrados de esquerda” que, ora, ganharam a eleição pela via das urnas.
O episódio foi analisado por Celso de Mello: “Ações bolsonaristas tentam falsear a verdade, para, mediante alteração fraudulenta da autoridade, ‘reescrever a história’, no melhor estilo de regimes totalitários, como o stalinista, em ordem a forjar versão mentirosa que favoreça Bolsonaro, o medíocre aspirante a ditador, excluindo-o de qualquer envolvimento no golpe de Estado fracassado de 08 de janeiro de 2023, ‘um dia que viverá eternamente em infâmia’! Essa tentativa, porém, não teve sucesso, pois, minutos após o lançamento da mentira na Wikipedia, foi ela por esta desfeita e excluída!!!”
A Wikipedia é uma enciclopédia colaborativa produzida de forma livre por milhares de usuários em diversas línguas. O caso é sintomático. Uma ferramenta criada por um ideário iluminista de democratização de conhecimento por meio da internet foi alvo de uma tentativa de falsear a verdade e reescrever a história. A ciranda dos algoritmos pode ser virtuosa, mas também aprisiona incautos no ideário extremista, radicaliza e também desinforma. Eis um dos questionamentos de 8 de janeiro deixado como legado.
Entidades vigilantes
Além dos representantes dos poderes constituídos, também estão atentos às necessidades impostas pelo 8 de janeiro de 2023 os representantes de entidades fundamentais para a nossa democracia, como o histórico Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), também continuam atentos e vigilantes.
“Os atos antidemocráticos tentaram minar os fundamentos de nossa democracia, que respondeu com a força madura de suas instituições, a voz da cidadania e a defesa intransigente de nossos princípios constitucionais”, afirmou, em manifestação, o presidente do IAB, Sydney Limeira Sanches.
Para ele, “os infamantes não frutificarão e sempre irão sucumbir ao vigor do justo Estado Democrático de Direito”. Vale lembrar o papel do IAB em 2023. No mesmo dia da selvageria que tomou Brasília, a entidade divulgou nota repudiando os atos e apoiando a apontando a omissão das forças públicas de segurança.
Mais: por meio de uma portaria, assinada no dia 9 de janeiro de 2023, o IAB passou a funcionar em estado de vigília e se colocou à disposição dos Poderes constituídos e da sociedade civil, para cooperar com o que fosse necessário, a fim de garantir o Estado Democrático de Direito e os Poderes da República contra qualquer ação que visasse a desestabilizar a ordem constitucional e jurídica do País.
Não apenas o IAB, o Conselho Federal da OAB também foi igualmente contundente no repúdio ao atentado ao Estado Democrático de Direito e posteriormente já se posicionou em defesa das prerrogativas dos advogados com clientes envolvidos no acontecido. Uma postura que demonstra a necessidade dos famosos pesos e contrapesos do regime republicano.