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O CRÉDITO DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

Concebida pelo Decreto Lei nº 11.101/2005, a recuperação judicial surgiu com a exclusiva necessidade de estabelecer um procedimento mais eficiente para a superação da crise econômico-financeira de empresas.

Em um cenário no qual uma empresa se encontra em recuperação judicial, porém, que realizou operações de direitos creditórios com fundos de investimento em direitos creditórios antes de ingressar com o pedido de recuperação, as proteções advindas da recuperação judicial inviabilizam o recebimento do crédito.

 

 

 

Neste contexto, será demonstrada a possibilidade de prosseguir com as ações de execução em face dos coobrigados que figuram no contrato de cessão, que, na maioria dos casos, é o próprio sócio-administrador da empresa em recuperação judicial. A execução será fundada na cláusula de coobrigação, que se demonstra válida e passível de execução, de acordo com o entendimento do STJ.

Operação financeira com fundos de investimento: cessão de direitos creditórios
Em síntese, a operação financeira de cessão de crédito pode ser originada por diversos tipos de títulos de crédito, bem como se dá por intermédio de contrato de cessão de direitos creditórios, possuindo, como partes contratantes, a figura do cedente (empresa) e o cessionário (FIDC).

Outrossim, o FIDC especializado é constituído para adquirir os direitos creditórios da empresa que possui créditos a receber, que os utilizam das mais diversas formas, desde reestruturação de passivos até ampliação de sua capacidade produtiva.

As principais etapas envolvidas em uma operação de cessão de direito creditório realizada com fundos são: a empresa originadora presta serviços e/ou fornece bens aos seus clientes (denominados como sacado/devedor); os referidos clientes pagam à prazo — mediante títulos de crédito, conforme ocorre em todas as operações comerciais — pela prestação de serviços e/ou fornecimento de bens, gerando, assim, os direitos creditórios (recebíveis) de titularidade da empresa originadora; a empresa originadora, na qualidade de titular dos recebíveis, cede-os ao fundo, com a finalidade de gerar caixa; o fundo adquire os recebíveis, pagando à vista, e passa a deter o direito de recebimento do fluxo, ou seja, torna-se o efetivo titular dos direitos creditórios.

Garantia de coobrigação nos contratos de cessão de direito creditório
A operação de cessão com “coobrigação” é prática lícita e usualmente utilizada no mercado de capitais, sendo que uma de suas vertentes é prever originalmente o dever de recompra dos títulos inadimplidos pelos devedores sacados, pois ameniza os riscos econômicos ao FIDC. E, no caso de não ocorrer a recompra por parte dos coobrigados, poderá a cláusula de coobrigação responsabilizar os coobrigados ao pagamento do valor inadimplido, pois a dívida se torna plenamente líquida, certa e exigível para prosseguir com a ação de execução.

Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça [1], foi expressamente admitida a validade da cláusula de coobrigação inserida em contrato de cessão de crédito celebrados com FIDCs, a fim de prever a coobrigação do cedente pela solvência do devedor dos títulos ora cedidos.

No mais, via de regra, as previsões de cessão de crédito pro solvendo encontram-se amparadas tanto pelo Código Civil, principalmente em seu artigo 297, o qual permite expressamente que o cedente, ou seja, a empresa que cedeu o título ao FIDC, responda pela solvência do devedor (sacado).

Portanto, em operações financeiras, as empresas com grande prestígio no mercado se valem de forma contumaz dessa garantia, sendo o coobrigado, na maioria dos casos, os próprios sócios administradores.

As ações de execução ajuizadas contra os coobrigados da empresa em recuperação judicial
No momento em que a empresa cedente ingressa com o pedido de recuperação judicial e obtém, em juízo, o deferimento do pedido e a concessão do stay period, todas as ações de execução em desfavor da recuperanda têm a sua integral suspensão, bem como o crédito passa a se sujeitar ao processo de recuperação judicial, ocorrendo, de forma imediata, uma inversão imediata dos riscos ao FIDC.

Em operações de cessão de crédito, é possível que ocorra dois enormes prejuízos ao FIDC que adquiriu os recebíveis de boa-fé: a insolvência dos títulos cedidos ao FIDC por parte do sacado que firmou relação comercial com a empresa originária e; a empresa originária ingressa com pedido de recuperação judicial, obstando qualquer meio de execução judicial, pois se beneficia da suspensão das ações de execução concedido pelo stay period.

Ante o exposto, surge a necessidade de prosseguir com a ação de execução em face do coobrigado, com a finalidade de recuperar de forma efetiva o crédito, bem como absorver os riscos iminentes à operação financeira, em decorrência da inadimplência do devedor (sacado).

Nesse ínterim, a cláusula de coobrigação exprime notável segurança jurídica ao FIDC, pois, conforme preceitua o artigo 296 do Código Civil, poderá exigir do cedente o crédito em caso de insolvência do devedor, inexistindo disposição legal que vede o que foi estabelecido no contrato.

Ademais, o STJ consolidou a Súmula 581, no sentido de que inexiste óbice ao regular prosseguimento da execução em face dos demais coobrigados da obrigação pactuada. [2]

No mais, a 2ª Seção do STJ firmou entendimento aduzindo que o processamento da recuperação judicial da empresa ou mesmo a aprovação do PRJ não suspende ações de execução contra fiadores e avalistas do devedor principal recuperando. [3]

Da mesma forma, a LREF demonstra-se de suma coerência ao dispor que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos contra os coobrigados, conforme preceitua o artigo 49, § 1º, da referida lei. Em contrapartida, o Enunciado 43 da I Jornada de Direito Comercial também reforça a ideia de que a suspensão das ações e execuções previstas no artigo 6º da Lei nº 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor [4].

Nesta perspectiva, o TJ-SP também entendeu que, em se tratando de contrato de direitos creditórios com coobrigação, os direitos e privilégios do credor em relação aos coobrigados permanece intacto e passível de execução, mesmo após o deferimento do processamento da recuperação judicial, visto que, encontra-se fundamentado nos dispositivos dos artigos 49, § 1º, e 59, da LREF, com força de aplicabilidade da Súmula 581 do STJ. [5]

Por outro lado, houve recente julgado, prolatado em 31 de outubro de 2023, pela 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, no qual a ministra relatora Sandra Reves consignou o mesmo entendimento, reforçando os seguintes pontos: o disposto no artigo 49, § 1º, da LREF, prevê que os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso; o deferimento de recuperação judicial à sociedade coexecutada não tem o condão de extinguir a execução em relação a seus fiadores ou avalistas, a exceção do sócio com responsabilidade ilimitada e solidária, consoante exceção disposta no artigo 6º da Lei de Falências; não se revela hipótese de responsabilidade ilimitada de sócio, mas, sim, de sócio que assumiu obrigação na qualidade de fiador, respondendo como terceiro garantidor, de modo que não se lhe aplica a suspensão prevista nos artigos 6º, caput, e 52, III, ou a novação a que se refere o artigo 59, caput, por força do que dispõe o artigo 49, § 1º, todos da LREF. [6]

Verifica-se, portanto, que o judiciário vem pacificando entendimento no sentido de que, além de ser plenamente possível executar o coobrigado oriundo do contrato de cessão de direitos creditórios, nas hipóteses de cláusula de coobrigação pactuada entre as partes — como ocorre nas operações entre o FIDC e a empresa em recuperação judicial — inexiste vedações a fim de responsabilizar o sócio que assumiu expressamente a obrigação na qualidade de fiador (avalista), uma vez que responde como terceiro garantidor no caso de insolvência do título cedido, de forma que não se aplica a suspensão prevista na LREF, qual seja, a suspensão das ações de execução (artigo 6º, caput, e artigo 52, III, da Lei 11.101/2005), afastando também a possibilidade de novação do crédito, conforme dispõe o artigo 49, § 1º, da LREF.


[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1909459/SC 2020/0132484-4. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Diário da Justiça Eletrônico. Brasília, 20 mai. 2021.

[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 581. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 20 mai. 2021.

[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1333349/SP 2012/0142268-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 2 fev. 2015.

[4] BRASIL. Conselho da Justiça Federal. Enunciado 43. I Jornada de Direito Comercial. Brasília, mar. 2013.

[5] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 1008014-38.2019.8.26.0309. Relator: Desembargadora Maia da Rocha. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 14 dez. 2020.

[6] DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n. 0027590-89.2014.8.07.0001. Relator: Desembargadora Sandra Reves. Diário de Justiça Eletrônico. Brasília, 30 jun. 2023.