SEMINÁRIO ABORDA ATUALIZAÇÕES DOS CÓDIGOS CIVIS DE BRASIL E ARGENTINA
Ministros, juristas e outros representantes dos meios jurídico e político participaram na semana passada, em Buenos Aires, na Argentina, do seminário “Atualização do Código Civil Brasileiro — Diálogo com o Novo Código Civil Argentino”.
Promovido em dois dias na Faculdade de Direito de Buenos Aires, o encontro reuniu os ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal; o ministro do Superior Tribunal de Justiça Luís Felipe Salomão, presidente da comissão de juristas responsável pela revisão e atualização do Código Civil brasileiro; o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco; e o ministro da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina Ricardo Lorenzetti, entre outros participantes.
Homenageado no evento, Fachin iniciou seu discurso apresentando um histórico do diálogo legislativo e acadêmico travado entra Brasil e Argentina. Segundo ele, o Código Civil brasileiro de 1916 já havia incorporado alguma disposições do Código argentino. Da mesma forma, o novo Código Civil da Nação Argentina exerceu influência sobre o Direito brasileiro, sobretudo por reconhecer a centralidade da pessoa humana e a constitucionalização do Direito Privado.
“A República Argentina é uma fonte de inspiração e de diálogo desde a promulgação da primeira Constituição Republicana do Brasil. Por exemplo, o desenvolvimento do conceito e da prática do estado de sitio no Brasil teve como inspiração a Constituição argentina (de 1853) e as reflexões feitas por Juan Baptista Alberdi. O diálogo também ocorreu no Direito Civil. Para escrever o projeto de Código Civil argentino, Vélez Sarsfield se inspirou na obra do jurista brasileiro Teixeira de Freitas”, disse Fachin.
O ministro falou sobre a importância do texto constitucional, ao qual as relações entre particulares se sujeitam de forma hierárquica e estrutural. Ainda assim, segundo ele, o Código Civil permanece como referência para a compreensão do Direito Privado. Daí a importância de manter o Código sempre em sintonia com as demandas atuais.
“A insuficiência textual e estrutural pode reduzir a relevância do Código e dificultar a construção de sentido, limitando-o, e o condenando à obsolescência. Daí porque reformas são, de tempos em tempos, necessárias”, prosseguiu Fachin, que é professor titular de Direito Civil na Universidade Federal do Paraná.
Perfil humanista
Ainda sobre o perfil humanista do Código argentino, Fachin observou que a proteção à pessoa humana é o fio condutor do texto vigente no país vizinho, algo que se reflete nas disposições que tratam da saúde da população e da proteção frente às novas tecnologias e às questões patrimoniais, contratuais e de consumo.
“O cuidado com a pessoa frente às novas tecnologias está presente no desenvolvimento do anteprojeto de reforma do CC brasileiro, no livro até aqui denominado de Direito Digital, cujas disposições, na verdade, transcendem a própria designação, para alcançar, de modo um modo geral, os desafios tecnológicos”, completou Fachin, cujo discurso foi publicado na sexta-feira passada na revista eletrônica Consultor Jurídico.
O ministro Alexandre de Moraes destacou a importância histórica do Código Civil — que, segundo ele, também pode ser chamado de “Constituição do dia a dia, do homem normal, conjunto de normas que rege o dia a dia das pessoas”. Nesse sentido, segundo o ministro, é preciso que o texto passe por uma modernização.
“É necessário, na área de família, em virtude de diversas decisões e avanços do Supremo Tribunal Federal e alterações no próprio mundo, é necessário uma regulamentação com os efeitos dessa regulamentação para a área de sucessão, para toda a área de herança”, sugeriu Alexandre. Ele também abordou a necessidade, no campo da responsabilidade civil, da regulamentação das big techs, das redes sociais e das pessoas que se sentem impunes para agir na “terra de ninguém” da internet.
“Eu, se fizesse parte da comissão, apresentaria um único artigo para isso: o que não pode no mundo real, não pode no mundo virtual. Só isso basta para o juiz poder aplicar toda a legislação de responsabilidade civil para o mundo virtual”, disse o ministro.
Em sua fala, o ministro Luís Felipe Salomão afirmou que o intercâmbio entre Brasil e Argentina no campo do Direito Civil é útil para ambos e permite que o legisladores brasileiros cheguem ao melhor texto possível no novo Código Civil.
“Nós vamos procurar entregar o melhor do trabalho técnico que nós podermos fazer. É essa a nossa atividade e é por isso que nós estamos aqui trocando essas experiências e é por isso que nós fizemos tantas audiências públicas, ouvimos tanto até aqui, estudamos tanto até aqui e vamos apresentar agora o debate e as votações no âmbito da comissão para que nós possamos entregar o melhor do que nós podemos fazer”, disse Salomão.
Lacunas preenchidas
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco afirmou que o Brasil tem um Código Civil de mais de 20 anos, mas que foi concebido antes da Constituição de 1988 — ou seja, são 40 anos de Código, no final das contas. Nesse contexto, ele disse que ouviu do ministro Salomão a ideia de debater um novo Código Civil.
“Não para reformulá-lo, a proposta nunca foi fazer um novo Código Civil, mas para identificar lacunas naturais em função dos 40 anos de sua existência, 20 de existência jurídica e 20 de tramitação, e do avanço das relações sociais, em função de pandemia, em função de digitalização, em função de costumes e de conceitos de família”, disse Pacheco.
O senador falou também sobre propostas que constam no anteprojeto do Código e que, segundo ele, são bastante relevantes.
“Na parte geral, entre as principais atualizações, a alusão à personalidade internacional e a tratados internacionais, a possibilidade de que crianças possam expor vontades em Direito de Família, sobretudo quando os pais não concordarem entre si, e a previsão da morte encefálica para definir o fim da existência da pessoa natural”, concluiu Pacheco.
O ministro argentino Ricardo Lorenzetti, por sua vez, afirmou que o Brasil já possui um Código Civil muito bem elaborado. Apesar disso, o novo texto deve ser levar em conta a atual tendência de “descodificação” das normas do tipo.
“Ninguém pode, nenhum cidadão comum pode entender o sistema jurídico atual. Por isso é tão importante que os códigos atuais tenham algumas regras e princípios gerais que sejam como luminárias, para que o cidadão tenha alguma regra clara para seu comportamento”, disse Lorenzetti.
Ele afirmou também que o trabalho conjunto entre especialistas dos dois países não é algo esporádico, mas reflete uma troca de experiências que já se desenvolve há décadas. Segundo o argentino, há pelo menos 30 anos ele atua nesse sentido junto com Fachin e outros juristas brasileiros.
“E isso é uma realidade atual. E nós temos de ter uma visão histórica, porque é uma mudança histórica. Porque pela primeira vez na história nós trabalhamos na elaboração de um Código Civil na Argentina e no Brasil.”