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SUPREMA CORTE DOS EUA ANALISA TESTEMUNHO DE PERITO SOBRE 'MULA CEGA'

Na audiência de sustentação oral do caso Diaz v. United States, os ministros da Suprema Corte dos EUA se posicionaram em lados opostos (desta vez, fora das linhas ideológicas), ao debater a validade do testemunho de um perito de órgãos de segurança que resultou na condenação de uma mulher por tráfico de drogas.

Em agosto de 2020, agentes da fronteira entre México e Estados Unidos revistaram o carro de Delilah Diaz e encontraram 28 quilos de metanfetamina, avaliados em US$ 375 mil, escondidos nas portas e no porta-malas do veículo. Ela foi presa e denunciada por tráfico de drogas.

 

No julgamento, a defesa alegou que o carro foi emprestado pelo namorado mexicano da ré para ela voltar para casa na Califórnia. O advogado afirmou ainda que ela não sabia da droga — um caso típico de “mula cega” (blind mule), como é chamado nos EUA.

A Justiça norte-americana já reconheceu em processos que traficantes mexicanos usam veículos de vítimas involuntárias, tais como estudantes e trabalhadores que cruzam a fronteira em horários previsíveis. Eles podem rastrear o veículo por GPS, não têm de pagar a “mula cega”, não roubam a carga e não ficam nervosos ao interagir com os agentes de fronteira.

Assim, ele criou uma situação nebulosa em torno da lei que regulamenta a apresentação de provas, a Federal Rule of Evidence 704, na qual a defesa buscou sustentar seu caso. A lei diz:

“Em um processo criminal, o perito não deve opinar sobre se o réu tinha ou não um estado ou condição mental que constitua um elemento do crime que é acusado ou para sua defesa. Essas questões são apenas para o julgador dos fatos.”

Assim, nesse processo, não se discute os requisitos do tráfico privilegiado, como ser réu primário, ter bons antecedentes, não se dedicar à prática de atividades criminosas e não integrar organizações criminosas. A questão é apenas se houve ou não intenção criminosa. O questionamento apresentado à Suprema Corte foi especifico:

 

“De acordo com a Federal Rule of Evidence 704(b), um perito governamental pode testemunhar que motoristas sabem que estão transportando drogas e que os traficantes não confiam grandes quantidades de drogas a transportadores involuntários, como objetivo de provar que o réu sabia que transportava drogas ilegais?”

Divergências

A Suprema Corte aceitou julgar o caso porque tribunais federais de recurso tomaram decisões conflitantes. O Tribunal Federal de Recursos da 9ª Região decidiu que o juiz pode aceitar testemunhos mais genéricos de que a maioria dos motoristas sabe que está transportando drogas. O Tribunal Federal da 5ª Região decidiu que não se pode validar tais testemunhos, justamente porque são vagos e generalizados.

Na audiência na Suprema Corte, o ministro conservador Neil Gorsuch opinou que o juiz deveria ter impugnado o testemunho generalizado do perito, que acabou influenciando os jurados.

“Para permitir que a acusação use tal testemunho, a defesa poderia trazer seu próprio perito para testemunhar que 80% das mulas não sabem que estão transportando drogas. Ao aprovar a lei, o Congresso afirmou que peritos não podem penetrar na mente das pessoas”, ele disse.

O ministro Samuel Alito, também conservador, liderou os debates a favor do governo. Ele disse que já existem regras que proíbem o testemunho de que 100% das mulas sabem que estão transportando drogas. “Não é necessário que a corte trace linhas divisórias nesse tópico. Já existem regras que regulamentam casos extremos”, ele disse.

 

A ministra liberal Sonia Sotomayor se opôs: “A proposta do ministro Alito pode criar mais caos nos tribunais. As regras são tão ambíguas e sujeitas a decisões individuais de juízes, que esta corte iria simplesmente jogar a questão para o ar, em vez de esclarecê-la”. Ela acrescentou que a dúvida permanecerá, qualquer que seja a decisão da corte.

O ministro conservador Brett Kavanaugh declarou que o texto da regra “parece ser um problema” para a ré, porque ele se foca no conhecimento da motorista de que está transportando drogas, não no que normalmente acontece.

O advogado do governo alegou que o testemunho do perito deveria ser válido porque ele não ofereceu uma opinião, no julgamento, sobre se a ré sabia ou não que havia drogas em seu carro. “Ele não mencionou a ré uma única vez.”

Mas o ministro conservador Clarence Thomas o contestou: “Quando você fala sobre a probabilidade de alguém estar transportando drogas, você está, com efeito, falando sobre a ré e que você está se referindo à conduta dela.”

A ministra liberal Elena Kagan declarou que via problemas nos dois lados da argumentação. “Tudo que os peritos têm de fazer é ajustar seu depoimento a um objetivo e obter o resultado esperado. Isso parece mais algum tipo de jogo.”

 

A certa altura, os ministros Gorsuch, Amy Coney Barrett (conservadora) e Ketanji Brown Jackson (liberal) passaram a fazer perguntas uns aos outros e a respondê-las, sem permitir que os advogados se manifestassem.

Normalmente, é possível prever a decisão da Suprema Corte pelas suas manifestações e pela pressão que colocam nos advogados na audiência de sustentação oral. Mas não nesse caso. Só se saberá quando a decisão for anunciada, no final de junho.