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SINFONIA LEGISLATIVA: RESTABELECENDO A HARMONIA ENTRE AS CASAS DO PARLAMENTO

Ontem celebramos os 200 anos da instituição do Poder Legislativo no Brasil. No dia 25 de março de 1824, a primeira Constituição brasileira foi outorgada, estabelecendo as bases do Congresso Nacional, pelo menos sob o ponto de vista jurídico. Para comemorar este marco histórico, o Senado Federal convidou o maestro João Carlos Martins e a orquestra Bachiana Jovem Sesi-SP para a performance “Senado 200 anos: uma jornada rumo ao futuro”.

João Carlos Martins ontem no Senado

Este concerto, caracterizado por sua complexidade e coordenação, reuniu músicos de diversos talentos, que, sob a liderança do renomado maestro e pianista, criaram uma harmonia e sincronia admiráveis, utilizando uma vasta gama de instrumentos.

A performance musical, que demonstrou a importância da atuação conjunta entre os diversos integrantes da orquestra nos fornece uma analogia interessante com a relação entre os Poderes da República.

Cada músico, com seu instrumento único, colabora em uma orquestra; da mesma forma, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si, devem operar em uníssono. Esta metáfora destaca não apenas a beleza da música como expressão de unidade, mas também a importância da coesão e equilíbrio para uma governança eficaz e uma democracia forte, conforme estabelecido no artigo 2º da Constituição de 1988, que assegura a independência e a harmonia entre eles, impedindo a supremacia de um poder sobre o outro.

Além de estabelecer a independência dos três Poderes, a Constituição de 1988 promove uma atuação conjunta e equilibrada entre eles, beneficiando toda a sociedade. Esse equilíbrio não apenas se manifesta na relação entre os Poderes, mas também internamente dentro de cada um.

No Judiciário, apesar da autonomia decisória de juízes e tribunais, prevalece uma necessária uniformidade institucional. Similarmente, a harmonia no Executivo vem de uma liderança centralizada na figura presidencial, reforçando a ideia de que, assim como em uma orquestra, a sinergia e a cooperação são chaves para o sucesso coletivo.

Sistema bicameral

O sistema bicameral do Legislativo brasileiro reflete essa busca por equilíbrio, com o Senado e a Câmara dos Deputados possuindo competências distintas que, juntas, formam uma estrutura robusta e coesa.

Esta dinâmica garante que nenhum dos dois corpos legislativos domine o outro, permitindo que a legislação reflita uma gama mais ampla de perspectivas e interesses. A força do bicameralismo brasileiro é reconhecida mundialmente, caracterizada por uma notável simetria de poderes e diversidade representativa, fundamentais para uma democracia vibrante.

Esta coesão é mantida por uma combinação de normas constitucionais, legais e regimentais que regulam o processo legislativo. Os regimentos internos de cada câmara, detalhando procedimentos para a apresentação e discussão de projetos de lei, desempenham um papel crucial em assegurar que o Parlamento opere de maneira eficiente e transparente.

 

Esses documentos são a espinha dorsal do nosso sistema legislativo, garantindo que, mesmo diante da complexidade do bicameralismo, o Parlamento funcione harmonicamente.

Regras específicas dentro do processo legislativo, como a precedência para matérias já aprovadas pela outra Casa, são fundamentais para manter a simetria e harmonia entre o Senado e a Câmara dos Deputados. Essas normas, que valorizam o princípio da eficiência do processo legislativo (Pinheiro, 2023), estabelecem que projetos mais avançados no processo legislativo devem ter prioridade de tramitação.

Historicamente, os regimentos internos tanto do Senado quanto da Câmara adotavam critérios que favorecem propostas mais maduras, acelerando a resposta legislativa às demandas da sociedade e reforçando a unidade do Legislativo.

Mudança significativa

No entanto, uma mudança significativa foi introduzida pela Resolução nº 33 de 2022, alterando o modo como as proposições são priorizadas na Câmara dos Deputados. A nova regra estabelece a antiguidade das proposições baseada em sua chegada à Câmara, relegando propostas do Senado, independentemente de seu estágio legislativo, ao fim da fila.

 

Essa modificação, embora sutil na superfície, marca um desvio notável da prática estabelecida, comprometendo a colaboração entre as Casas e introduzindo um elemento de desarmonia no processo legislativo.

A introdução da Resolução nº 33/2022 encontrou resistência na atuação do senador Alessandro Vieira, que impetrou junto ao Supremo Tribunal Federal o Mandado de Segurança nº 39.379. Na petição, o senador contestou a legalidade da alteração normativa, argumentando que alterava de forma injusta e ilegal o critério de precedência das proposições legislativas, prejudicando diretamente uma de suas propostas, o PL 2.260/2022, relacionado à prorrogação de prazos acadêmicos por motivo de parentalidade.

O ministro Dias Toffoli, responsável pela análise do caso, negou conhecimento ao mandado, alegando insuficiência de provas e inadequação do mandado de segurança para este tipo de questão normativa, sublinhando o princípio da separação dos poderes e a natureza interna corporis da matéria, limitando assim a intervenção judicial.

Diante da recusa do provimento judicial, surge a questão sobre as alternativas disponíveis para corrigir o desequilíbrio introduzido pela Resolução nº 33/2022 e restaurar a harmonia entre as Casas do Parlamento. Três possíveis caminhos se afiguram para o Senado conseguir resolver essa situação: recorrer novamente ao judiciário por meio de controle abstrato, alterar o Risf, ou buscar uma solução política para o impasse.

 

 

Spacca

 

Primeiramente, o Senado poderia lançar uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal, buscando anular a resolução por incompatibilidade com a Constituição. Essa abordagem tem o potencial de resolver a questão de maneira definitiva, através de um veredito com efeito geral, embora carregue implicações políticas consideráveis pelo envolvimento direto do Supremo em uma questão interna do Legislativo.

Alternativamente, o Senado poderia optar por ajustar seu Regimento Interno para alinhar-se à nova regra da Câmara, uma medida tecnicamente simples, mas que poderia gerar ineficiências no processo legislativo ao promover um vaivém de projetos entre as Casas, potencialmente atrasando a aprovação de leis importantes.

A terceira via, de cunho político, promete ser a mais direta e construtiva. Ela envolveria negociações para reverter a resolução em questão, restabelecendo a precedência anterior de tramitação. Esta opção exige diálogo e colaboração entre as Casas, fortalecendo a cooperação e agilizando o processo legislativo em favor dos interesses da sociedade.

Resolução 33

A introdução da Resolução nº 33/2022 no Congresso colocou em evidência não apenas as complexidades inerentes ao processo legislativo brasileiro, mas também a importância fundamental da harmonia e cooperação entre as Casas Legislativas para a eficácia da governança e a resposta às necessidades da sociedade. Diante dos desafios impostos pela resolução, o Senado encontra-se perante um momento decisivo, com caminhos distintos que levam a diferentes implicações para o futuro legislativo do país.

 

Cada via de ação — judicial, normativa e política — oferece suas próprias soluções e desafios. No entanto, é essencial que a escolha final não apenas resolva a questão imediata da precedência legislativa, mas também preserve e fortaleça os princípios de democracia, eficiência e colaboração que são fundamentais para o Congresso.

A situação demanda uma abordagem equilibrada, que considere tanto os aspectos legais quanto os impactos políticos e sociais de qualquer decisão. Optar pela via política, através do diálogo e da negociação, pode representar a estratégia mais construtiva para ultrapassar o impasse atual, promovendo uma solução que reafirme o compromisso do legislativo com a transparência, a eficiência e, acima de tudo, o bem-estar da população brasileira.

 

Em última análise, a resolução deste desafio não apenas determinará o curso imediato da legislação afetada, mas também servirá como um marco importante na maneira como os poderes legislativos colaboram e se adaptam às dinâmicas internas e externas, reforçando o papel do Congresso como um pilar essencial da democracia brasileira.

Assim como numa orquestra onde cada instrumento tem seu momento de destaque, mas é a harmonia conjunta que cria a magia da música, o Senado e a Câmara dos Deputados enfrentam o desafio de tocar uma sinfonia legislativa que ressoe com a vontade e as necessidades do povo brasileiro.

 

A introdução da Resolução nº 33/2022 desafinou essa melodia, introduzindo um solo fora de tempo que ameaça o equilíbrio do conjunto. Este momento decisivo exige dos maestros das duas Casas uma regência habilidosa para reajustar o compasso e retomar a sinfonia de governança em seu ritmo adequado.

Nesse contexto, a via política emerge como a partitura mais promissora para essa composição, exigindo diálogo e cooperação afinados entre os parlamentos e seus membros. Abraçar essa abordagem é reconhecer que, na orquestra da democracia, a partitura mais bela é aquela tocada em uníssono, refletindo a diversidade de vozes e instrumentos em uma harmonia que beneficia toda a sociedade.

 

Restaurar essa harmonia não é apenas uma questão de ajuste técnico; é uma oportunidade de fortalecer os laços de confiança e cooperação que devem prevalecer entre as Casas, garantindo que a sinfonia legislativa brasileira continue a evoluir, adaptar-se e inspirar, tal como a orquestra comandada pelo maestro João Carlos Martins.