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DESAFIOS ENFRENTADOS PELO AUTISTA E SEUS FAMILIARES NO MEIO PROFISSIONAL

O mês de abril tem um significado por demais importante em nosso calendário, uma vez que neste período se celebra o “Abril Azul”. A data foi estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para reforçar a conscientização da população sobre o autismo. Isto porque, para além das adversidades enfrentadas diariamente na inclusão social de tais pessoas, é fundamental o combate contra qualquer tipo de preconceito ou estigma [1].

Dados estatísticos

De um lado, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, aproximadamente 70 milhões de pessoas no mundo são autistas. Lado outro, segundo os dados do IBGE, 85% dos adultos com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não estão empregados [2].

 

Não obstante a temática já tenha sido abordada em outra ocasião nesta coluna [3], em razão dos inúmeros desafios suportados pelas pessoas com TEA e pelos seus respectivos familiares no mercado de trabalho, o assunto foi novamente indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [4], razão pela qual agradecemos o contato.

Projetos de inclusão

Indubitavelmente, as práticas inclusivas dos autistas ao mercado de trabalho são de suma importância. Decerto, existem alguns projetos que visam promover essa inclusão, como é o caso do CooTEA, uma parceria com a Escola Politécnica da USP e a plataforma Adapte Educação, que tem por finalidade promover a integração das pessoas com Transtorno do Espectro Autista desde o momento inicial na escola até o futuro mercado de trabalho [5].

Sob este enfoque, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) visando melhorar sobretudo a compreensão, o acolhimento e o respeito dos direitos das pessoas com TEA, divulgou o “Manual de Atendimento a Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) pelos órgãos do Poder Judiciário”, com orientações que cooperam para um meio ambiente laboral saudável [6].

Lição dos especialistas

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos de Islane Archanjo Rocha Martins, Bernardo Gomes Barbosa Nogueira e Raquel Alecsa da Silva Oliveira a respeito desta temática tão sensível [7]:“(…). o Transtorno do Espectro Autista afeta várias capacidades da pessoa, mas uma das áreas mais afetadas é a dificuldade de socialização e adaptação. Ouve-se falar muito sobre autistas quando crianças, mas devemos lembrar que, na vida adulta, os autistas enfrentam problemas como instabilidade profissional, maior índice de desemprego, procrastinação, repetição frequente de erros, falta de atenção com coisas simples, dentre outros. A existência de empresas que apoiem a inclusão de pessoas com o espectro autista é de extrema relevância para o mercado de trabalho, pois a taxa de desemprego dessas pessoas é muito alta – cerca de 85% dos autistas estão desempregos por falta de oportunidade ou pelo fato de as empresas não estarem devidamente preparadas para acolher essas pessoas (Autismo em Dia, 2022)”.

 

Legislação brasileira

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012 [8] , instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, a qual dispõe como uma de suas diretrizes o estímulo à inserção de tal pessoa no mercado de trabalho [9].

Ora, é sabido que as pessoas com TEA, para além dos estigmas enfrentados no dia a dia no meio social, ainda possuem diversas barreiras no ambiente de trabalho, isso em razão da falta de preparo e de capacitação das empresas em lidar com o autismo, atrelado, infelizmente, a um preconceito cultural e uma injustificada discriminação presentes em nossa sociedade.

Discussões judiciais

Recentemente, a 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região manteve uma decisão de primeiro grau de jurisdição que reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho de uma pessoa com TEA, uma vez que a empresa não respeitou as providências necessárias para a adequação do local de trabalho para uma ex-empregada autista [10].

Na sentença de origem, a magistrada ponderou que após a análise do conjunto probatório, um dos supervisores da empresa tinha conhecimento das dificuldades enfrentadas pela então trabalhadora, em razão do barulho da operação e do volume das ligações, o que acarretou crises de ansiedade e pânico. E, pior, mesmo após as respostas médicas, além da própria comunicação da empregada sobre a sua condição aos superiores hierárquicos, a empresa ao invés de realocá-la para outro espaço, optou por deliberadamente por isolá-la em um canto na mesma sala [11].

 

 

Spacca

 

Nesse diapasão, a desembargadora relatora entendeu pela clara prática ilícita da empresa ao não tomar atitudes necessárias para amenizar o sofrimento da empregada e integrá-la ao ambiente de trabalho, sendo ratificada a sentença que reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho, assim como o pagamento de uma indenização por dano moral em virtude das situações constrangedoras decorrentes das condutas discriminatórias.

Já em outro processo, uma empresa foi condenada pelo TRT da 15ª Região pela dispensa discriminatória de um funcionário com filho autista como uma forma de retaliação pelo uso frequente do plano de saúde, cujo valor da indenização foi fixado pelo tribunal no importe de 200 mil reais [12].

Em seu voto, o desembargador relator destacou [13]:

“Nesse trilhar, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu o Estatuto das Pessoas com Deficiência, juntamente com a Convenção de Nova York, integram o chamado bloco de constitucionalidade, tratando do conceito de adaptação razoável, que consistem nas adaptações, ajustes e modificações necessários, desde que não acarretem ônus desproporcional e excessivo, requeridas em cada caso, a fim de que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer em igualdade de oportunidades e condições com as demais pessoas, todos os direitos e garantias fundamentais. O dever de adaptação razoável também pode ser estendido ao cuidador da pessoa com deficiência, desde que seja necessário para o exercício dos direitos fundamentais plenos, no caso o direito à saúde do filho do reclamante consubstanciado nos artigos 6º e 196 da CF/88.

 

Ressalto que pela doutrina da proteção integral prevista no artigo 227 da CF/88 e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a criança é considerada sujeito de direitos e prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado. (…)”.

Conclusão

Impende destacar ser essencial a adoção de ações afirmativas no mercado de trabalho, pois, não obstante as boas práticas de ESG e o cumprimento das exigências legais, tais condutas fomentam a criação de um ambiente do trabalho saudável, como também mais humanizado.

Em arremate, considerando que o mês de abril traz uma necessária reflexão e uma melhor conscientização sobre o autismo, é dever do Estado e de toda a sociedade contribuir não só para a inclusão das pessoas com TEA no mercado de trabalho, propiciando um meio ambiente saudável, como de criar mecanismos de proteção nas empresas para os familiares dessas pessoas que naturalmente exigem cuidados.

Isto porque, além de combater a discriminação e o preconceito enraizados em nossa cultura, tais ações podem favorecer a busca na plena promoção da igualdade social que, em tempos de ESG [14], revela-se imprescindível na organização das empresas.