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PARA ADVOGADOS, INSPEÇÃO DO CNJ REVELA PROJETO DE PODER E EXTENSÃO DA 'LAVA JATO'

A decisão do corregedor-nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, de afastar juízes de duas instâncias como resultado da correição promovida pelo CNJ na 13ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região mostra que a falecida “lava jato” tinha muitos tentáculos e um projeto de poder, de acordo com os advogados consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

Gabriela Hardt

A juíza Gabriela Hardt foi afastada de suas funções por decisão do CNJ

 

Nesta segunda-feira (15/4), Salomão afastou de suas funções os desembargadores do TRF-4 Carlos Eduardo Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, a juíza Gabriela Hardt e o juiz Danilo Pereira Júnior, que atuaram na 13ª Vara de Curitiba.

Na decisão, Salomão afirmou que os fatos apontados na correição são graves, como o “atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras” e a “discussão prévia” de Hardt em um aplicativo de mensagens, antecipando sua decisão.

O ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil-PR) também é parte em uma das reclamações disciplinares, mas, segundo o documento assinado por Salomão, seu caso “será tratado no mérito, quando do exame da questão pelo Plenário do CNJ, dado que não há nenhuma providência cautelar a ser adotada no campo administrativo”. 

 

Projeto de poder

Para Aury Lopes Jr., a correição e a decisão de Salomão ajudam a revelar a estrutura paralela ilegal montada durante a “lava jato”, que por anos foi “denunciada por advogados”, a quem ninguém “dava ouvidos”.

“O dark side da ‘lava jato’ não foi só o conluio entre MPF e juiz, o consórcio de justiceiros, não foi só a ‘equipe Moro’ e a sistemática violação do devido processo penal, o abuso das prisões preventivas para tortura e as delações premiadas extorquidas. Também havia um projeto de poder muito complexo, uma arrogância e um sentimento de que ‘tudo podemos porque estamos passando o país a limpo’, porque temos a opinião pública e publicada ao nosso lado”, diz o advogado.

De acordo com ele, as críticas à “lava jato” foram ignoradas porque o país ficou sedado pelo “bizarro espetáculo midiático” em torno das investigações. Ainda segundo o advogado, a ideia do MPF de criar uma fundação para gerir bilhões precisa ser muito bem investigada.

“Esse projeto da ‘fundação’ precisa ser muito bem investigado, juntamente com a relação incestuosa entre a equipe Moro (MPF junto com juiz) e as ‘cooperações internacionais informais’ — ou seja, ilegais — com os Estados Unidos e a Suíça. É preciso que o Poder Judiciário faça uma anamnese séria de tudo isso e que, junto com a grande mídia, faça o mea culpa e amadureça, para que absurdos assim não se repitam e que não sejamos mais vítimas de salvacionistas e justiceiros.”

‘Há muita coisa por apurar’

Segundo o advogado e professor Lenio Streck, a decisão de Salomão ajuda a restaurar a credibilidade do Judiciário após os abusos da “lava jato”. Ele, no entanto, alerta: “Ainda há muita coisa por apurar”.

“Não é surpresa para quem, como eu, denunciou os vários bypass praticados na operação. Sentenças no recorta e cola, decisões protocoladas dois minutos depois de o advogado anexar a defesa, condenações sem provas, desobediência a decisões do STF, dinheiro mal administrado na 13ª Vara, atos autoritários”, listou ele.

Streck entende que o CNJ deve punir aqueles que “pularam a barca” para enfrentar a difícil missão de restaurar a credibilidade do Judiciário. “A ‘lava jato’ se notabilizou por atirar a flecha e depois pintar o alvo. Não erravam nunca. Agora foram pegos. Há muita coisa por apurar.”

Desvio

No relatório de apoio à correição na 13ª Vara de Curitiba, o delegado da Polícia Federal Élzio Vicente da Silva afirma que Sergio Moro, o ex-procurador da República Deltan Dallagnol e Hardt agiram em conluio para desviar R$ 2,5 bilhões dos valores oriundos da “lava jato” para criar uma fundação privada.

No período entre 2016 e 2019, diz o delegado no documento, Moro, Hardt e Dallagnol, além de outros procuradores da autodenominada força-tarefa, “atuaram para promover o desvio, por meio de um conjunto de atos comissivos e omissivos e com auxílio de agentes públicos americanos e dos gerentes da Petrobras Taísa Oliveira Maciel, Carlos Rafael Lima Macedo, e representantes da Petrobras não especificados, de R$ 2.567.756.592,009 destinados originalmente ao Estado brasileiro, para criação de uma fundação voltada ao atendimento a interesses privados”.

A pretensão dos procuradores e dos outros atores envolvidos na história caiu por terra após a Procuradoria-Geral da República — à época comandada por Raquel Dodge — ajuizar ação de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal, que suspendeu o acordo e, consequentemente, arruinou os planos da fundação.

‘Escândalo’

Para Pedro Serrano, o caso é “factualmente um escândalo” e justifica o afastamento dos magistrados.

“Creio que os afastamentos foram corretos porque os indícios são muito graves, precisam ser apurados, e a melhor forma de apurar é afastar para possibilitar uma apuração mais isenta e imune a interferências”, disse ele. “O caso dos R$ 2,5 bilhões me parece factualmente um imenso escândalo. É preciso agora apurar o eventual envolvimento das autoridades e qual a extensão desse envolvimento. Mas o fato em si parece escandaloso.”

No entendimento do advogado e cientista político Fernando Fernandes, a decisão mais uma vez mostra como funcionava o conluio entre juízes e integrantes do Ministério Público Federal de Curitiba. 

 

“A decisão que afasta a juíza e aponta o conluio de Moro ratifica essa promíscua relação do que Gilmar Mendes chamou de ‘estamento de Curitiba’, a Stasi que tentou aplicar o ‘ código do russo’ subvertendo nossa Constituição.”

Esqueletos no relatório

relatório final da correição na 13ª Vara mostrou que não foi feito inventário para indicar onde foram guardados todos os itens apreendidos pela “lava jato”, como obras de arte, e não foi possível identificar uma série de bens e recursos, entre eles os confiscados no exterior.

 

O resultado parcial do trabalho do CNJ, divulgado em agosto de 2023, já demonstrava a bagunça da 13ª Vara. A conclusão é que houve uma “gestão caótica” no controle de valores oriundos de acordos de colaboração e de leniência firmados com o Ministério Público e homologados por Sergio Moro.

Por meio desses acordos, o grupo de procuradores da “lava jato” recolheu e repassou à Petrobras R$ 2,1 bilhões entre 2015 e 2018, com autorização da 13ª Vara Federal, a título de ressarcimento pelos desvios praticados.

 

Esses valores permitiram à Petrobras, que era investigada por autoridades americanas, firmar acordo no exterior, segundo o qual o dinheiro que seria devido fora do Brasil acabaria investido na criação de uma fundação com o objetivo de organizar atividades anticorrupção.

Um outro levantamento, feito pelo Tribunal de Contas da União, identificou irregularidades na destinação de valores obtidos em acordos de leniência na ordem de R$ 22 bilhões. Segundo o TCU, o dinheiro foi movimentado sem que houvesse qualquer preocupação com transparência.

Em julgamento de setembro passado, o ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, lembrou a tentativa da “lava jato” de Curitiba de criar um fundo bilionário com dinheiro da Petrobras, a ser administrado pelos próprios procuradores, para investir no que chamavam de “projetos de combate à corrupção”. Também disse que o TCU deve frear a transferência de patrimônio do Estado para viabilizar interesses de agentes públicos.

“A grande verdade é que nós temos promotores e procuradores espalhados pelo Brasil que viraram verdadeiros gestores públicos. E o pior: sem a responsabilidade que os gestores públicos têm. O que está acontecendo é a transferência de patrimônio do Estado brasileiro para a gestão de agentes da lei. É disso que nós estamos tratando nesta tarde”, disse Dantas na ocasião.