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STJ PODE JULGAR CONFLITO ENTRE LEI ORDINÁRIA E LEI COMPLEMENTAR, DEFINE 1ª TURMA

O Superior Tribunal de Justiça tem competência para julgar casos que se baseiam no conflito entre lei ordinária e lei complementar, desde que a primeira tenha como fundamento de validade a segunda.

Lucas Pricken/STJ

Voto da ministra Regina Helena Costa levou a mudança de posição

Se tanto a lei ordinária quanto a lei complementar tiverem como fundamento de validade diretamente a Constituição Federal, então a competência para julgamento da controvérsia entre elas será do Supremo Tribunal Federal.

 

A posição foi definida pela 1ª Turma do STJ. O colegiado conheceu de um recurso especial do município de Curitiba que opõe interpretação da Lei 4.320/1964 e do Código Tributário Nacional, considerado lei complementar. O mérito ainda será analisado.

O precedente é importante porque supera a jurisprudência solidificada do STJ segundo a qual, sempre que houver conflito entre essas legislações, a competência fica a cargo do Supremo.

Isso porque a invasão, por lei ordinária, da esfera de competência reservada constitucionalmente à lei complementar acarreta a sua inconstitucionalidade, e não a sua ilegalidade.

 

O problema é que nem sempre o STF entende que há ofensa direta à Constituição. Nesses casos, cria-se uma espécie de “limbo jurisdicional”: o STJ entende que cabe ao Supremo, enquanto o Supremo entende que cabe ao STJ. A parte fica sem ter a quem recorrer.

Essa é a situação no caso dos autos, o que motivou a 1ª Turma do STJ a fazer uma melhor análise. A nova posição foi sugerida pela ministra Regina Helena Costa, incorporada pelo relator, Gurgel de Faria, e aprovada por unanimidade de votos.

Esse limbo é mais uma consequência da amplitude com que o constituinte de 1988 tratou o tema tributário. Isso faz com que STJ e STF, por muitas vezes, possam julgar as mesmas controvérsias, mas sob primas distintos: infraconstitucional e constitucional.

Ao abordar o tema, a ministra Regina Helena citou reportagem da revista eletrônica Consultor Jurídico mensurando esse impacto. O texto, de junho de 2022, contabiliza que 16 teses vinculantes do STJ foram revisadas graças a posicionamento do STF, muitas delas tributárias.

 

Lei ordinária x lei complementar

Lucas Pricken/STJ

Relator, ministro Gurgel de Faria aderiu à proposta do voto divergente

A posição da ministra Regina Helena Costa afirma que há situações em que isso não acontece. Para ela, não existe hierarquia necessária entre lei complementar e lei ordinária, já que ambas retiram seu fundamento de validade diretamente da Constituição.

A hierarquia entre elas é possível se a lei ordinária encontrar seu fundamento de validade também na lei complementar.

Nesse caso, a lei ordinária extrairá seu fundamento de validade mediatamente (indiretamente) da Constituição e imediatamente (diretamente) da lei complementar.

“Sob o prisma formal, a lei complementar é hierarquicamente superior à lei ordinária, nos termos do artigo 59, parágrafo único da Constituição. Quanto ao aspecto material, uma poderá ou não ser hierarquicamente superior à outra, dependendo da existência de vinculação do conteúdo da norma inferior”, explicou.

Assim, nos casos de haver essa hierarquia, caberá ao STJ julgar o conflito entre ambas as leis, uma vez que a ofensa à Constituição será indireta.

“Quando o Supremo diz que a violação à Constituição é indireta ou reflexa e, por isso, não admite o recurso extraordinário, ele está dizendo que a controvérsia diz com a hierarquia entre essas duas espécies legislativas. Portanto, a questão é de competência do STJ.”

 

Questão tributária

Esse é o caso em julgamento na 1ª Turma. A alegação do município de Curitiba é que a União está incluindo na base de cálculo do Pasep verbas que são contabilmente classificadas como receita, mas que, na prática, apenas passam pelos cofres sem se incorporar ao patrimônio, pois são repassadas a terceiros.

Assim, a União estaria alterando o conceito jurídico-financeiro de receita pública da Lei 4.320/1964, a norma que fixa as formas de elaboração e controle de orçamentos públicos.

E ao fazê-lo, estaria também violando o artigo 110 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a lei tributária não pode alterar conceitos presentes em outros ramos do Direito para definir ou limitar competências tributárias.

O STF tem precedentes indicando que, nesse caso, a ofensa ao texto constitucional seria meramente reflexa ou indireta.

Essa posição foi firmada pela 1ª Turma do STF em 2022, em recurso do município de Curitiba também sobre a cobrança do Pasep (ARE 1.310.286). Esse caso ficou sem resposta de mérito na instância superior.

Finalmente, a 1ª Turma poderá fazer a análise. O recurso volta agora para julgamento do mérito pelo relator, ministro Gurgel de Faria. Excepcionalmente, o colegiado vai publicar acórdão com a decisão de conhecimento do REsp.