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FUNDAÇÃO E MINERADORAS DEVEM PAGAR R$ 56 MILHÕES POR PROPAGANDA SOBRE O DESASTRE DE MARIANA (MG)

A Fundação Renova e suas empresas mantenedoras (Vale, BHP Billiton e Samarco) foram condenadas a pagar R$ 56 milhões em danos morais e a veicular contrapropaganda do material publicitário veiculado em 2021 sobre o desastre ambiental de Mariana (MG).

 
Desastre ambiental em Mariana (MG) foi causado por rompimento da barragem do Fundão, da Vale, em 2015

Desastre ambiental em Mariana (MG) foi causado por rompimento da barragem do Fundão, da Vale, em 2015

A 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte constatou evidente “desvio de finalidade da fundação que se prestou a uma campanha publicitária e de marketing para criação de uma narrativa fantasiosa a favor da própria fundação”.

 

As propagandas contestadas pelas instituições de Justiça trataram de toxicidade dos resíduos, qualidade da água, pagamento de indenizações, obras de infraestrutura e reassentamento, municípios abrangidos e repasses efetuados, recuperação econômica, povos tradicionais, patrimônio histórico, cultural e afetivo, projetos sociais e de proteção social, estudos de saúde e Escola Municipal Gustavo Capanema.

“A situação, além de demonstrar o desrespeito da Renova ao seu próprio estatuto, demonstra claramente uma falta de respeito em relação às vítimas e à sociedade brasileira”, afirma na sentença o juiz Vinicius Cobucci.

Além de determinar que a Fundação Renova produza novas peças publicitárias sobre os mesmos assuntos tratados nas propagandas originais, o magistrado ainda estipulou o pagamento de R$ 56,3 milhões a título de danos materiais e morais, sujeitos a correção monetária.

Atuaram na ação civil pública o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DP-ES) e Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG).

Propaganda ilegal

Ação civil pública ajuizada em 2021 alegava que a Renova estava veiculando material publicitário que, propositadamente, continha “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas” a respeito de assuntos fundamentais para a população, como toxicidade dos rejeitos, qualidade do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização e reassentamento.

No período de 2018 a 2021, a fundação havia empregado R$ 28,1 milhões em publicidade, sendo que, em pouco mais de um mês (6 de setembro a 11 de outubro de 2020), foram gastos R$ 17,4 milhões com um único contrato de publicidade. Ao todo, foram 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, sem incluir o material divulgado em veículos impressos e portais de notícias.

Em todas as peças publicitárias, à exceção da propaganda sobre a qualidade da água, o juízo reconheceu a procedência das alegações quanto ao conteúdo direcionado para minimizar, omitir e até contradizer a realidade dos fatos, numa “verdadeira campanha de desinformação, com o intuito de minimizar o impacto do rompimento da barragem de Mariana”.

 

Ao tratar da toxicidade dos resíduos e dos estudos de saúde, por exemplo, as peças publicitárias produzidas pela Renova ignoraram propositadamente estudos contratados pelo MPF que apontaram a contaminação por metais em tecido muscular de exemplares de pescado em toda a área atingida pelo desastre, assim como a existência de substâncias químicas que poderiam causar danos à saúde humana.

Em outros temas, como pagamento de indenizações, municípios atingidos e reassentamento, os números contradisseram os fatos ou induziram a equívocos: o número divulgado de indenizações pagas incluiu indevidamente valores pagos a título de auxílio financeiro, que, conforme a jurisprudência, não possui caráter de indenização; o número de municípios (39) informado na propaganda era inferior ao número (45) reconhecido pelo Comitê Interfederativo; e a peça publicitária sobre obras de infraestrutura e reassentamento omitia a insatisfação, inadequação e ineficiência do programa de reassentamento das famílias de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira.

Em 2021, a fundação somente havia construído cinco casas das 235 previstas e o último prazo para entrega das obras estabelecido pela Justiça (27 de fevereiro de 2021) não fora cumprido, com apenas 1,7% das famílias reassentadas. A propaganda também não mostrava que, das 239 famílias envolvidas no reassentamento coletivo de Bento Rodrigues, 58 registravam insatisfação com o lote ou projeto, novos núcleos cedidos, inquilinos ou herdeiros, divergências de área, entre outros motivos.

Má-fé

Vinicius Cobucci também considerou que a entidade, ao se defender das alegações dos ministérios públicos e defensorias, agiu de má-fé, “sem qualquer pudor ou autocrítica, ao defender teses em juízo baseadas em informações falsas”.

 

“Ademais, é impressionante a capacidade da Fundação de responsabilizar terceiros por atrasos e outras circunstâncias. Não há autocrítica ou humildade para admitir que a fundação erra. Em sua litigância de má-fé, a fundação pinta um quadro em que se vitimiza, na medida que suas ações são obstadas por fatores externos imprevisíveis ou falta de colaboração de terceiros. É óbvio que um processo de reconstrução do maior desastre ambiental do país será marcado por contratempos, dificuldades e eventualmente atrasos”, afirmou.

“No entanto, falta à Renova em sua atuação administrativa e em suas manifestações judiciais bom senso. A transparência envolve o reconhecimento de próprias falhas e medidas para mitigá-las. A contestação apresentada é um triste retratado de uma tentativa desesperada e defensiva de atribuir a culpa a terceiros ou outros eventos e de como a máquina administrativa da Renova está mais preocupada com a autodefesa e autopromoção do que com qualquer compromisso real e efetivo com a reparação.”

As propagandas violaram princípios do Direito Ambiental, em especial os de prevenção e precaução, como também as cláusulas 07 e 12 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta — acordo assinado em 2016, no bojo do qual foi criada a Fundação Renova —, que obrigam à veiculação de informações, no processo de reparação, de forma transparente, clara e objetiva. A publicidade também incorreu em desvio de finalidade, “com nítido dolo de trazer desinformação e afastar as vítimas dos seus direitos”.

 

Nova violência

Para o juiz, por fim, o dano moral coletivo é evidente e decorre da ofensa aos direitos das vítimas do desastre e de toda sociedade.

Ao analisar uma das peças publicitárias, ele afirmou que “ainda que seja legítimo o eventual sentimento de gratidão de uma vítima individualmente contemplada por uma ação de reparação, a tentativa de romantizar a reparação, sem levar em conta o trauma do passado, configura uma nova violência à memória das vítimas. A própria romantização da peça publicitária foge das disposições do TTAC que exigem respeito e sobriedade em relação à vítima”.

“Além de não reconhecerem a responsabilidade pelo desastre, as ações de publicidade da Renova minimizam o próprio impacto da tragédia, na contramão do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que a Corte entende que atos de reconhecimento de responsabilidade são uma das medidas de reparação”, conclui a sentença. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.