FUNDAÇÃO E MINERADORAS DEVEM PAGAR R$ 56 MILHÕES POR PROPAGANDA SOBRE O DESASTRE DE MARIANA (MG)
A Fundação Renova e suas empresas mantenedoras (Vale, BHP Billiton e Samarco) foram condenadas a pagar R$ 56 milhões em danos morais e a veicular contrapropaganda do material publicitário veiculado em 2021 sobre o desastre ambiental de Mariana (MG).
A 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte constatou evidente “desvio de finalidade da fundação que se prestou a uma campanha publicitária e de marketing para criação de uma narrativa fantasiosa a favor da própria fundação”.
As propagandas contestadas pelas instituições de Justiça trataram de toxicidade dos resíduos, qualidade da água, pagamento de indenizações, obras de infraestrutura e reassentamento, municípios abrangidos e repasses efetuados, recuperação econômica, povos tradicionais, patrimônio histórico, cultural e afetivo, projetos sociais e de proteção social, estudos de saúde e Escola Municipal Gustavo Capanema.
“A situação, além de demonstrar o desrespeito da Renova ao seu próprio estatuto, demonstra claramente uma falta de respeito em relação às vítimas e à sociedade brasileira”, afirma na sentença o juiz Vinicius Cobucci.
Além de determinar que a Fundação Renova produza novas peças publicitárias sobre os mesmos assuntos tratados nas propagandas originais, o magistrado ainda estipulou o pagamento de R$ 56,3 milhões a título de danos materiais e morais, sujeitos a correção monetária.
Atuaram na ação civil pública o Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP-MG), Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo (DP-ES) e Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG).
Propaganda ilegal
Ação civil pública ajuizada em 2021 alegava que a Renova estava veiculando material publicitário que, propositadamente, continha “informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas” a respeito de assuntos fundamentais para a população, como toxicidade dos rejeitos, qualidade do ambiente aquático, recuperação de nascentes e bioengenharia, recuperação econômica, indenização e reassentamento.
No período de 2018 a 2021, a fundação havia empregado R$ 28,1 milhões em publicidade, sendo que, em pouco mais de um mês (6 de setembro a 11 de outubro de 2020), foram gastos R$ 17,4 milhões com um único contrato de publicidade. Ao todo, foram 861 inserções em TVs e 756 em emissoras de rádio, sem incluir o material divulgado em veículos impressos e portais de notícias.
Em todas as peças publicitárias, à exceção da propaganda sobre a qualidade da água, o juízo reconheceu a procedência das alegações quanto ao conteúdo direcionado para minimizar, omitir e até contradizer a realidade dos fatos, numa “verdadeira campanha de desinformação, com o intuito de minimizar o impacto do rompimento da barragem de Mariana”.
Ao tratar da toxicidade dos resíduos e dos estudos de saúde, por exemplo, as peças publicitárias produzidas pela Renova ignoraram propositadamente estudos contratados pelo MPF que apontaram a contaminação por metais em tecido muscular de exemplares de pescado em toda a área atingida pelo desastre, assim como a existência de substâncias químicas que poderiam causar danos à saúde humana.
Em outros temas, como pagamento de indenizações, municípios atingidos e reassentamento, os números contradisseram os fatos ou induziram a equívocos: o número divulgado de indenizações pagas incluiu indevidamente valores pagos a título de auxílio financeiro, que, conforme a jurisprudência, não possui caráter de indenização; o número de municípios (39) informado na propaganda era inferior ao número (45) reconhecido pelo Comitê Interfederativo; e a peça publicitária sobre obras de infraestrutura e reassentamento omitia a insatisfação, inadequação e ineficiência do programa de reassentamento das famílias de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo e Gesteira.
Em 2021, a fundação somente havia construído cinco casas das 235 previstas e o último prazo para entrega das obras estabelecido pela Justiça (27 de fevereiro de 2021) não fora cumprido, com apenas 1,7% das famílias reassentadas. A propaganda também não mostrava que, das 239 famílias envolvidas no reassentamento coletivo de Bento Rodrigues, 58 registravam insatisfação com o lote ou projeto, novos núcleos cedidos, inquilinos ou herdeiros, divergências de área, entre outros motivos.
Má-fé
Vinicius Cobucci também considerou que a entidade, ao se defender das alegações dos ministérios públicos e defensorias, agiu de má-fé, “sem qualquer pudor ou autocrítica, ao defender teses em juízo baseadas em informações falsas”.
“Ademais, é impressionante a capacidade da Fundação de responsabilizar terceiros por atrasos e outras circunstâncias. Não há autocrítica ou humildade para admitir que a fundação erra. Em sua litigância de má-fé, a fundação pinta um quadro em que se vitimiza, na medida que suas ações são obstadas por fatores externos imprevisíveis ou falta de colaboração de terceiros. É óbvio que um processo de reconstrução do maior desastre ambiental do país será marcado por contratempos, dificuldades e eventualmente atrasos”, afirmou.
“No entanto, falta à Renova em sua atuação administrativa e em suas manifestações judiciais bom senso. A transparência envolve o reconhecimento de próprias falhas e medidas para mitigá-las. A contestação apresentada é um triste retratado de uma tentativa desesperada e defensiva de atribuir a culpa a terceiros ou outros eventos e de como a máquina administrativa da Renova está mais preocupada com a autodefesa e autopromoção do que com qualquer compromisso real e efetivo com a reparação.”
As propagandas violaram princípios do Direito Ambiental, em especial os de prevenção e precaução, como também as cláusulas 07 e 12 do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta — acordo assinado em 2016, no bojo do qual foi criada a Fundação Renova —, que obrigam à veiculação de informações, no processo de reparação, de forma transparente, clara e objetiva. A publicidade também incorreu em desvio de finalidade, “com nítido dolo de trazer desinformação e afastar as vítimas dos seus direitos”.
Nova violência
Para o juiz, por fim, o dano moral coletivo é evidente e decorre da ofensa aos direitos das vítimas do desastre e de toda sociedade.
Ao analisar uma das peças publicitárias, ele afirmou que “ainda que seja legítimo o eventual sentimento de gratidão de uma vítima individualmente contemplada por uma ação de reparação, a tentativa de romantizar a reparação, sem levar em conta o trauma do passado, configura uma nova violência à memória das vítimas. A própria romantização da peça publicitária foge das disposições do TTAC que exigem respeito e sobriedade em relação à vítima”.
“Além de não reconhecerem a responsabilidade pelo desastre, as ações de publicidade da Renova minimizam o próprio impacto da tragédia, na contramão do entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, já que a Corte entende que atos de reconhecimento de responsabilidade são uma das medidas de reparação”, conclui a sentença. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.