STF APENAS CUMPRE SEU PAPEL AO CONTROLAR LEGISLATIVO, AFIRMA ABBOUD
Ao contrário do que a mídia não especializada faz parecer, o Supremo Tribunal Federal não alimenta uma disputa por protagonismo quando invalida leis criadas pelo Congresso Nacional. Isso porque, ao exercer o controle do Poder Legislativo, a corte tão somente cumpre o papel que lhe foi conferido pela Constituição.
Quem diz isso é o advogado e professor de Direito Constitucional Georges Abboud. Ele tratou do assunto em entrevista à série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito. Nela, a revista eletrônica Consultor Jurídico conversa com alguns dos nomes mais importantes do Direito sobre os assuntos mais relevantes da atualidade.
Para Abboud, a ideia de que há um conflito entre STF e Congresso é fruto de uma má compreensão do sistema constitucional brasileiro. Esse sistema conferiu ao Supremo, por opção do constituinte, o controle do Legislativo e das omissões desse poder. E, ao exercer essa função, é natural que a corte declare a inconstitucionalidade de determinadas normas provenientes do Congresso e cuide de omissões históricas, como o marco temporal das terras indígenas.
“Essa é a função do Supremo. Não consigo vislumbrar uma invasão indevida sem antes analisar caso a caso. O Supremo é o grande controlador dos demais poderes pela engenharia da Constituição brasileira”, disse Abboud.
Segundo ele, a má compreensão do papel constitucional do Supremo resulta em uma exposição igualmente ruim dessa temática nos veículos não especializados em Direito e Judiciário. Assim, sempre que o STF cumpre o seu ofício, essa atuação é noticiada como se sinalizasse uma “invasão indevida, uma ingerência”.
“E raras vezes, na minha avaliação, essa ingerência se deu de forma indevida, ou seja, com a prática de ativismo judicial”, disse ele, que já abordou a questão em artigo publicado pela ConJur.
Para Abboud, por trás dessa alardeada “intromissão” do Supremo nos outros poderes há, na realidade, um jogo de forças com o objetivo de pressioná-lo politicamente para que, no futuro, ele se sinta inibido e deixe de exercer seu papel.
Precedentes
Noticiário à parte, o advogado observou que o “desenho” atual do Judiciário brasileiro, criado com a Constituição democrática de 1988, só foi assimilado, de forma geral, nas últimas décadas. E, nesse contexto, o protagonismo do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça pode ser considerado um fato recente.
Outra característica desse cenário, segundo ele, é a falta de entendimento sobre a importância da aplicação das decisões vinculantes emitidas por esses tribunais pelas instâncias inferiores.
“Nós temos visto hoje o aumento da preocupação dos tribunais superiores no sentido de que seus precedentes sejam observados nas instâncias inferiores. Não raras vezes, uma jurisprudência mais garantista, mais legalista do STJ em matérias penais, enfrenta muita resistência nos tribunais locais. E esse incômodo é vislumbrado em debates e falas dos próprios ministros do STJ. No Supremo, nós também temos verificado isso em questões trabalhistas, entre outras”, disse Abboud.
“Fatalmente, será crucial a manutenção dessa ação coordenada dos dois tribunais superiores para o controle da segurança jurídica, fazendo com que suas decisões tenham eficácia e concretude nas instâncias inferiores.”
Reclamação e a ajuda do CNJ
Abboud também afirmou que, por muito tempo, a comunidade jurídica não fez o devido uso dos mecanismos destinados a provocar esse controle, como a reclamação e o recurso especial. Hoje, porém, a reclamação se tornou um dos instrumentos mais relevantes, em termos de quantidade, no Supremo. E isso, segundo ele, é um sinal de que a corte reconhece a importância da reclamação para a garantia de suas decisões.
“E em alguns casos em que são verificadas uma má aplicação do Direito e uma real intenção de discordância nas instâncias inferiores, o CNJ também tem adotado algumas medidas cruciais, principalmente em matérias de inquérito e penais, para verificar o porquê dessa resistência para observar e prestigiar uma decisão de um tribunal superior em um caso concreto”, completou Abboud, que é livre-docente e professor de Processo Civil da PUC-SP e de Direito Processual e Constitucional do mestrado e do doutorado do IDP.