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EXPANSÃO DO RECONHECIMENTO FACIAL NO BRASIL ATINGE 75 MILHÕES DE PESSOAS MONITORADAS

O uso crescente de sistemas de reconhecimento facial por órgãos de segurança pública no Brasil tem sido alvo de críticas por falta de transparência e ausência de estudos sobre seus impactos. De acordo com o relatório intitulado "Vigilância por Lentes Opacas: Mapeamento da Transparência e Responsabilização nos Projetos de Reconhecimento Facial no Brasil", a expansão dessas tecnologias está gerando preocupações quanto ao reforço de desigualdades e discriminações sociais. Os autores do estudo defendem que o uso desses sistemas em espaços públicos deveria ser proibido.

A pesquisa foi realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) em conjunto com o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin). Ela analisou 50 iniciativas de reconhecimento facial espalhadas por todas as regiões do Brasil, evidenciando a falta de clareza sobre o funcionamento dessas ferramentas, os custos envolvidos e a real eficácia na promoção da segurança pública. Desde 2019, com a liberação de verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública, o uso dessas câmeras vem crescendo, mas a transparência permanece limitada.

O levantamento revelou a existência de 264 projetos operacionais, cobrindo potencialmente uma população de 75,4 milhões de brasileiros. No entanto, o estudo aponta a ausência de informações cruciais sobre as empresas fornecedoras, os responsáveis pela operação dos sistemas, os gastos públicos e os impactos reais na segurança. Segundo o relatório, "os projetos avançam rapidamente sem garantir a proteção dos direitos fundamentais, transformando os espaços públicos em laboratórios para experimentação tecnológica."

 

A ausência de regulamentação adequada e a falta de mecanismos claros de transparência estão entre as principais preocupações destacadas no documento. Sem uma estrutura regulatória eficiente, o uso dessas tecnologias abre brechas para abusos e violações de direitos, o que, segundo os autores, demanda uma revisão urgente das políticas públicas de segurança que adotam reconhecimento facial.

Um dos pontos mais alarmantes da pesquisa é a constatação de que 80% dos projetos analisados não contam com relatórios de impacto, e 75% deles não possuem políticas adequadas de proteção de dados. Além disso, os dados levantados mostram que a tecnologia não tem se mostrado eficaz na redução da criminalidade, ao contrário do que é muitas vezes prometido. O estudo ressalta o risco de discriminação, destacando que 90% das prisões realizadas com base em reconhecimento facial envolvem pessoas negras, o que agrava o quadro de desigualdade racial.

Outro ponto crucial levantado pelo relatório é o tratamento inadequado dos dados coletados. Embora a Constituição Brasileira tenha recentemente reconhecido a proteção de dados como um direito fundamental, o uso dessas informações no âmbito da segurança pública ocorre sem as devidas salvaguardas. A falta de regulamentação e padronização tecnológica, bem como a ausência de mecanismos de controle social e transparência, têm permitido que esses projetos se espalhem pelo país sem qualquer tipo de supervisão adequada.

A pesquisa também destaca que a descentralização da adoção dessas tecnologias, por meio de aquisições feitas individualmente por diversos municípios, tem gerado um cenário de desresponsabilização. Cada entidade decide de forma isolada qual tecnologia utilizar, quais softwares empregar, e com quais fornecedores trabalhar, sem diretrizes claras que garantam o uso ético e eficiente dos sistemas.

Diante de tais evidências, o relatório conclui que o banimento do uso de tecnologias de reconhecimento facial, especialmente no contexto da segurança pública, é uma medida urgente. A continuidade dessas práticas sem garantias de transparência, controle social e respeito aos direitos fundamentais contribui para a perpetuação de desigualdades e mina a confiança da população nas instituições públicas.

Portanto, o cenário que se desenha no Brasil em relação ao reconhecimento facial é de risco e incertezas, com a expansão de projetos que não passam pelo crivo necessário de regulamentação e avaliação, colocando em xeque os direitos individuais e a segurança das pessoas. A necessidade de uma discussão mais ampla e democrática sobre o uso dessas tecnologias é urgente, de modo a evitar abusos e garantir que inovações tecnológicas não sejam usadas em detrimento da população, sobretudo das comunidades mais vulneráveis.