CONCURSOS PARA A MAGISTRATURA: PASSADO, PRESENTE E FUTURO
O Brasil passou por diversas fases na admissão de seus juízes. Dos tempos da colônia à atualidade, eles foram e são admitidos por diferentes formas, na busca incessante do ideal ou, simplesmente, do perfil que interessa aos que se acham no exercício do poder.
O desejo de ser juiz, qualquer que seja a época e o local, envolve variados sentimentos. Ascenção social, poder, bons vencimentos (em alguns momentos), estabilidade, dois meses de férias por ano e ideal de fazer justiça (sim, muitos fazem por este ideal). Estes díspares desejos não são comuns a todos os interessados e são bem guardados quando na busca do cargo.
Na primeira fase de nossa história, a Justiça do Reino era instalada através da eleição de vereadores, sendo um deles, o juiz, geralmente o mais votado. Denominado Juiz Ordinário, ele não era formado em Direito, devia apenas ser uma pessoa de bom conceito na comunidade. Distante da Corte, muitas vezes também da sede da Capitania, ele decidia preponderantemente com base nos costumes e práticas locais e não nas Ordenações do Reino. Isto levou Portugal a criar a figura do Juiz de Fora, graduado em Direito e nomeado diretamente pelo rei, permanecendo na localidade apenas por três anos, a fim de não criar vínculos pessoais.
A fase do Império
Proclamada a Independência em 1822, a ela sobreveio a Constituição de 1824 que, influenciada pelo movimento liberal, pregava maior independência dos juízes. E assim foi criada a figura do Juiz de Direito, com a garantia da vitaliciedade (perpétuos, dizia o artigo 153), só perdendo o cargo por sentença judicial (artigo 155). Saem de cena os Juízes Ordinários e os Juízes de Fora.
Mas se a Constituição tinha normas gerais, estas precisavam ser regulamentadas e isto foi feito pelo Código de Processo Criminal do Império, em 1832. Detalhe, no passado as leis não tinham o rigor científico de agora, tratavam de diversos assuntos. No artigo 44 estavam os requisitos, 22 anos de idade e um ano de prática forense. Pouco? Sim, mas tinha uma razão. Eles deviam ser formados em Direito e o Brasil só teve suas primeiras faculdades (Olinda e São Paulo) em 1827. A conta em 1832 dava certo.
Mas quem eram estes juízes? Pessoas de famílias abastadas, tradicionais, com poder econômico ou político. Ninguém conseguia graduar-se sem um mínimo de posses. E ninguém conseguia ser nomeado juiz (não havia concurso) sem ter relacionamento próximo ao Imperador, que tinha o poder de nomeação (Constituição, artigo 102, inciso III). Registre-se que nesta fase de nossa história os juízes podiam ocupar cargos fora da Justiça, o que ocorreu até na vigência das primeiras décadas da República.
A fase da República
A Proclamação da República não trouxe grandes mudanças. Os juízes federais eram nomeados pelo Presidente da República. Na Justiça dos estados, em que pesem algumas tentativas de introdução de concursos em Santa Catarina e Rio Grande do Sul, as nomeações ficaram nas mãos dos Presidentes, nome que se dava as atuais Governadores.
Neste período introduziu-se uma prévia dos concursos atuais. Foi a fase da chamada habilitação. Os interessados habilitavam-se no Tribunal de Justiça, juntando seu currículo, livros e títulos. Procedia-se uma investigação sobre as suas vidas e depois, em sessão secreta, o Tribunal escolhia três. Mendonça, Carrijo e Costa, em oportuna obra sobre concursos para a magistratura, com clareza explicam como isto se dava no Estado de Goiás:
“Vaga uma comarca, caberia ao Executivo comunicar ao presidente do STJ para que esse, no prazo de 20 dias, apresentasse uma lista tríplice contendo os nomes habilitados ao cargo de Juiz de Direito (art. 17). A escolha do chefe do Executivo poderia recair sobre qualquer um deles, não se obedecendo a ordem de classificação” [1].
Na década de 1920, aos poucos, a situação começou a mudar. Em 1921, em São Paulo, por força do disposto no artigo 3º e seguintes da Lei 1.795, de 17 de novembro, realizou-se concurso de provas e títulos, nomeando-se, em 1922, 17 candidatos aprovados. No Paraná a Constituição Estadual de 1927 dispôs no art. 52 que os juízes seriam nomeados através de concursos e a partir de então os concursos de provas e títulos tornaram-se a regra. Mas foi somente na década de 1930, por força da Constituição de 1934, que se fez tal exigência para os Juízes de Direito (artigo 104, “a”), tornando obrigatória em toda a federação. Em Goiás, como informa a obra citada, o primeiro concurso ocorreu em 1937 (p. 56).
Porém isto ainda não foi garantia de concursos isentos de proteção. Durante décadas, através de meios diversos, ainda existiam formas de proteção tornando o certame desigual. Não de forma idêntica. Em alguns tribunais de Justiça os concursos eram sérios e havia apenas uma recomendação aos candidatos que chegavam ao oral, por alguém próximo ao examinador. Mas em outros havia, até, liberação da prova que seria aplicada a algum pretendente com um bom padrinho. O aprimoramento foi se dando aos poucos, sendo os anos 1980 uma virada de página.
A fase do Conselho Nacional de Justiça
Na virada do milênio os concursos passaram a ter a presença de muitos candidatos de outros estados. Isto já existia desde os anos 1930, porém em número restrito. Nos anos 1960 era comum pessoas do Brasil inteiro fazerem concurso no estado da Guanabara, ou seja, Rio de Janeiro, não só pelos encantos da cidade, mas também porque os vencimentos eram bem superiores aos dos demais estados da federação. Mas depois dos anos 2000 a migração passou a ser em elevado número, de sul ao norte e de norte ao sul.
A uniformização tornou-se necessária e por isso, em 2009, o CNJ editou a Resolução nº 75, de 12/05/2009. A iniciativa foi positiva, não só por dar caráter semelhante aos certames, mas, principalmente, por impor práticas salutares, como a publicidade. Além disto, em determinado momento os vencimentos tornaram-se praticamente iguais, pois os estados conseguiram vincular-se ao fixado para o Supremo Tribunal Federal.
Nesta nova realidade, para o bem e para o mal, perdeu-se o conhecimento entre a banca examinadora e o pretendente. Para o bem, porque evita o protecionismo ou a perseguição. Para o mal, porque não se sabe quem é o candidato e muito menos se tem aptidões para o cargo almejado. Evidentemente, nas raras aparições, como na prova oral, todos se vestem e se comportam da forma padronizada (homens de terno escuro, etc.).
Várias Resoluções foram editadas objetivando melhorar o sistema. No entanto, dois problemas principais persistem e não se tem notícias de quem pretenda enfrentá-los. Por óbvio, não são de fácil solução.
1) Exame psicotécnico. Nunca foi levado a sério e, aqui ou ali, os resultados desta omissão aparecem. Atritos em audiência, um magistrado que não recebe advogados, outro que não conversa com os servidores, portadores de depressão e problemas semelhantes. No mundo real os exames não impugnam ninguém ou, quando impugnam, são rejeitados. Óbvio que têm que ser feitos com garantias, inclusive direito a recurso a uma banca colegiada. Mas já passou da hora de serem levados mais a sério.
2) Investigação da pessoa do candidato: embalados no sonho de que todos são maravilhosos, atualmente a investigação se limita a inúteis pedidos de informações a pessoas que os próprios candidatos indicam. Ninguém jamais os critica, inclusive pelo medo de sofrer uma ação por dano moral. Enquanto isto, facções criminosas bem mais organizadas que o estado investem em todas as áreas e, evidentemente, nos concursos públicos para a magistratura, MP, PF e servidores. Óbvio que a investigação dos candidatos que vão à prova oral da magistratura é necessária. Não estamos nos anos 1950.
Pois bem, vista a questão no passado e na atualidade, resta pensar no futuro. Para este temos que ser otimistas, sonhar que os defeitos sejam eliminados, que a prova única instituída pela Resolução 531, de 14 de novembro de 2023, seja um sucesso, revogá-la se for um fracasso, e esperar que o Brasil jamais siga o exemplo do México, que trocou os concursos por eleição de juízes, o que significaria a certidão de óbito da magistratura.