A TEORIA DA ACTIO NATA NAS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE E O DIREITO FALIMENTAR
As ações de responsabilidade são importantes instrumentos jurídicos para responsabilização de administradores e acionistas controladores por atos lesivos à empresa, protegendo a sociedade, acionistas minoritários e credores de abusos, fraudes ou má gestão. Em casos extremos, tais atos podem acarretar a falência da empresa, emergindo questões sobre o exercício do direito de ação e o início do prazo prescricional.
O artigo 246 da Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações) assegura aos acionistas prejudicados o direito de promover ação de responsabilidade contra administradores e controladores, visando proteger os minoritários e garantir-lhes compensação por atos ilícitos e abusos de poder que impactem seu investimento.
Na mesma linha, a Lei 11.101/2005 (Lei de Falências) prevê em seu artigo 82 a responsabilização de sócios, controladores e administradores da sociedade falida por danos causados à massa falida. Neste cenário, quando uma sociedade anônima tem sua falência decretada e emergem evidências de atos lesivos praticados pelos acionistas majoritários ou pelos administradores, surge o direito de ação para responsabilização desses agentes pelos prejuízos causados à massa falida e a coletividade de credores, mas também aos acionistas minoritários.
Embora as ações previstas nos artigos 159 e 246, LSA e no artigo 82, LF tenham fundamentos e legitimados diversos, têm como ponto em comum a dificuldade de se obter a plena ciência dos fatos e da extensão dos danos. Nesse cenário, a teoria da actio nata é essencial tanto para resguardar os interesses da massa falida e da coletividade de credores no direito falimentar, quanto dos acionistas minoritários prejudicados no direito societário.
No direito brasileiro, o artigo 189 do Código Civil opta pelo viés objetivo da teoria da actio nata, segundo o qual a prescrição começa a correr com a violação do direito, assim que a obrigação se tornar exigível, adotada em inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça [1].
De acordo com José Fernando Simão [2], “a prescrição do direito é uma consequência da prescrição da ação, e só depois da violação do direito ou do fato de se haver o direito tornado exigível ou ajuizável é que se pode dizer que actio nata est. Sem a ação ter nascido, não pode ela morrer, porque coisa alguma morre sem primeiro ter nascido (…)”.
Nessa linha de pensamento, a aplicação da teoria da actio nata subjetiva é de extrema relevância em casos de fraude, uma vez que a própria natureza dissimulada desses atos impede que o lesado tenha ciência do ocorrido no momento de sua prática, não sendo possível considerar nascida a pretensão se não há o conhecimento inequívoco do fato que lhe dá suporte.
Desafio
Com o decreto de falência, o cenário se torna ainda mais desafiador. Além da ruptura de gestão com o afastamento dos órgãos ordinários de administração da companhia, demandando certo tempo para que se alcance o domínio adequado das informações necessárias ao bom andamento da falência, há um maior potencial para que atos lesivos venham à tona somente após a análise contábil e fiscal aprofundada conduzida pelo administrador judicial.
Dessa forma, a descoberta de atos fraudulentos no contexto da falência justificaria o início do prazo prescricional apenas a partir da revelação clara e inequívoca dos fatos, uma vez que, antes disso, os legitimados para as ações não teriam sequer condições de identificar os atos ilícitos com precisão, tampouco disporiam de elementos mínimos de prova, observada a limitação da legitimidade do administrador judicial como representante legal da massa falida, que não abrange, salvo melhor juízo, a pretensão de acionistas minoritários em face dos controladores e administradores.
Quanto aos prazos (decadenciais) do procedimento falimentar, destacamos a sincronicidade do seu termo inicial a partir do decreto de quebra, devendo o administrador judicial apresentar em 40 dias, prorrogáveis por igual período, relatório circunstanciado acerca das causas da falência e a responsabilidade civil e penal dos envolvidos (artigo 22, III, ‘e’, LF), sem prejuízo de eventuais complementações, ao mesmo passo em que prevê o prazo de três anos para ajuizamento de ações revocatórias (artigo 132), para habilitação e reserva de créditos (artigo 10, §10) e para extinção das obrigações do falido (artigo 158, V).
Portanto, numa situação ideal de tramitação do feito falimentar, tão logo decretada a falência o administrador judicial teria acesso a todos os documentos e informações necessários para a elaboração de relatório circunstanciado e, constatadas lesões à esfera jurídica da massa falida, teria condições e prazos adequados para tomar as ações cabíveis, que obedecem ao princípio da duração razoável do processo falimentar.
Porém, mesmo com a centralização de todos os interesses da massa falida na figura do administrador judicial, como já dito, a própria natureza dissimulada dos atos lesivos pode exigir maior tempo para a descoberta do dano e de suas evidências, cabendo a reflexão aqui trazida sobre o tempo do nascimento da pretensão à sua reparação e o termo inicial do seu prazo prescricional.
Caso concreto
Em recente julgado, o STJ posicionou-se pela aplicação da teoria da actio nata subjetiva, reconhecendo que “em situações excepcionais, em que demonstrada a inviabilidade de conhecimento dos demais sócios acerca da gestão fraudulenta da sociedade pelo administrador, a regra do art. 189 do Código Civil assume viés humanizado e voltado aos interesses sociais, admitindo-se a aplicação da teoria da actio nata em sua vertente subjetiva, que adota como marco inicial do prazo prescricional o conhecimento da violação ao direito subjetivo pelo seu titular” [3].
Parece-nos ser essa a melhor interpretação para a questão posta, devendo o exercício do direito à reparação de danos causados por atos lesivos de acionistas majoritários e administradores estar vinculado ao conhecimento efetivo do dano e de sua extensão, especialmente no âmbito falimentar.
Esse raciocínio também se aplica a hipóteses de fraudes descobertas fora do direito de insolvência, especialmente em ações de responsabilidade movidas por acionistas minoritários. Casos de corrupção corporativa, fraudes contábeis ou outras práticas ilícitas, muitas vezes desvendados apenas após acordos de leniência ou delações premiadas, reforçam a importância de que o termo inicial do prazo prescricional seja contado a partir do conhecimento inequívoco dos fatos. Nesses contextos, as práticas fraudulentas podem permanecer ocultas por longos períodos, e, sem a comprovação efetiva dos atos lesivos, os acionistas minoritários não teriam meios para identificar ou comprovar as irregularidades, inviabilizando uma ação de responsabilidade.
A aplicação da teoria da actio nata subjetiva, nas hipóteses tratadas, é crucial, pois permite que o prazo prescricional seja contado a partir do momento em que há ciência inequívoca dos fatos, com reunião de conjunto probatório adequado para o exercício da pretensão. Assim, os legitimados, como o administrador judicial, os credores, o Ministério Público e acionistas minoritários, podem buscar reparação com base em dados concretos e verificáveis, reconhecendo a complexidade e a dissimulação frequentemente presentes em casos de fraudes institucionais.