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TRIBUNAL DOS EUA DECIDE A FAVOR DO MEIO AMBIENTE COM BASE NA CONSTITUIÇÃO VIVA

Tribunal Superior de Montana, estado conservador-republicano dos EUA, decidiu que a lei estadual que favorece o uso de combustíveis fósseis viola o “direito inalienável” da população a “um meio ambiente limpo e saudável”, consagrado na Constituição do estado. A lei é, portanto, inconstitucional.

Na decisão por 6 votos a 1, os ministros do Tribunal Superior explicam que a lei permite a órgãos governamentais conceder autorização ou permissão a projetos de mineração e extração de carvão, petróleo e gás natural, bem como processamento, refino, transporte e queima de combustíveis fósseis, sem analisar suas contribuições para o aquecimento global e efeitos da mudança do clima.

 
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efeito estufa

Além de Montana, mais cinco estados dos EUA têm o direito a um meio ambiente limpo consagrado em suas constituições

Na verdade, a lei (Montana Environmental Policy Act) faz mais do que desconhecer o problema. Ela proíbe órgãos públicos, ao avaliar o licenciamento desses projetos, “de levar em consideração os efeitos danosos ao meio ambiente. Causados pelas emissões de gases com efeito estufa, principalmente do dióxido de carbono (CO2), que retêm o calor do sol na atmosfera” e provocam as mudanças do clima.

Constituição viva versus originalismo

A principal discussão no caso perante o tribunal superior se refere aos conceitos de constituição viva e originalismo (bem conhecidos dos operadores do Direito), que assim são explicados nos EUA:

Uma “constituição viva” interpreta a Constituição como um documento dinâmico, que evolui com as mudanças sociais, de forma que seu significado se adapta no decorrer do tempo para se ajustar a valores atuais; o “originalismo” se sustenta na crença de que a Constituição deve ser interpretada com base no entendimento original do texto na época em que foi escrito, fixando seu significado à intenção dos constituintes.

 

O estado, que defende a lei e os interesses das empresas, ficou com o originalismo no caso. Argumentou que os constituintes não tiveram a intenção de considerar a degradação ambiental provocada pela mudança do clima, ao estabelecer “o direito a um meio ambiente limpo e saudável”, porque sequer discutiram o assunto. Eles focaram apenas no ar e na água limpos, não poluídos.

Os ministros do Tribunal Superior, que, em Montana, são nomeados após vencer eleições não partidárias, ficaram com a constituição viva. Argumentaram que “os constituintes não eram obrigados a prever todas as questões que deveriam ser incluídas nos direitos consagrados na Constituição de Montana”.

“A Constituição não é uma camisa de força. É uma coisa viva, elaborada para atender às necessidades de uma sociedade progressiva e é capaz de ser expandida para abrigar relações mais extensivas”, diz o voto vencedor.

Os ministros citaram exemplos. Um deles se refere ao uso de urnas eletrônicas nas eleições, que não foi contemplado pelos constituintes. No entanto, tal uso “é protegido pela Constituição, que se adapta a emergências atuais e futuras”. Se consistente com os objetivos e princípios da Constituição, ela pode ser estendida a outras relações e circunstâncias que um estado ou sociedade evoluída pode produzir”.

Outro exemplo se encaixa no dispositivo constitucional, que proíbe buscas e apreensões sem mandado judicial. Antigamente, elas se referiam a ambientes físicos (tais como casas, escritórios e carros), sem previsão dos avanços tecnológicos que viriam por aí.

“Em 1889, os constituintes da Constituição de Montana certamente não levaram em consideração casos de escuta e gravação eletrônica, imagens térmicas, gravações de vídeo, comunicações por celular e dados armazenados no aparelho, como uma biblioteca de fotos digitais, entre outros.”

 

“O estado não explica por que devemos tratar o direito inalienável a um meio ambiente limpo e saudável diferentemente disso. Deveríamos entender que poluentes não existentes no passado devem ser isentos desse direito? Certamente, não. Avanços consistentes com os objetivos e princípios da Constituição são garantidos pela constituição viva de Montana.”

O posicionamento dos ministros do Tribunal Superior de Montana é raro nos EUA, onde há uma maioria de juízes conservadores. Por exemplo, a maioria dos ministros da Suprema Corte são originalistas ou tendem para o originalismo.

Medidas constitucionais preventivas

O estado também alegou, na defesa da lei, que os peticionários – 16 crianças e adolescentes interessados em defender seu futuro no planeta – não podem provar que foram afetados pela mudança do clima, causada por emissões de gases de efeito estufa, e, portanto, não foram afetados pela lei que protege as atividades do setor.

Os ministros discordaram: “Concluímos que a intenção dos constituintes era a de garantir proteções ambientais que fossem tanto antecipatórias quanto preventivas e não pretendiam apenas impedir a degradação ambiental que poderia ser conclusivamente ligada a problemas de saúde ou perigos físicos”.

“Landmark decision”

Costuma-se traduzir landmark decision (também landmark ruling ou landmark case) como “decisão histórica”. Mas essa é uma declaração incompleta, porque não traduz fielmente o significado da expressão. Seria preciso mais adjetivos – ou uma explicação.

Nos EUA, landmark decision se refere a uma decisão judicial que exerce um impacto significativo na lei, nos princípios jurídicos ou na política pública. Em resumo, ela se compõe dos seguintes elementos:

  • Estabelece um princípio jurídico novo. Uma landmark decision cria um novo conceito ou princípio jurídico que muda como a lei é interpretada;

     
  • Estabelece um precedente. Uma landmark decision pode estabelecer um novo padrão, que será aplicado em casos futuros;

  • Muda o curso da história. Uma landmark decision pode ter um efeito dramático no sistema político e mudar o curso da história.

De qualquer forma, a decisão do Tribunal Superior de Montana, que manteve decisão semelhante de primeiro grau, foi histórica. Como a própria decisão menciona, outras ações movidas por crianças e adolescentes, em defesa de um meio ambiente limpo e saudável para seu futuro, não progrediram em outros tribunais pelo país – diferentemente dos tribunais de Montana.

Montana é um estado que abriga as maiores produtoras de carvão nos Estados Unidos e tem reservas abundantes de petróleo e gás natural, que contribuem para emissões de gases com efeito estufa e, portanto, com mudanças do clima.

Além de Montana, mais cinco estados dos EUA – Havaí, Illinois, Pensilvânia, Massachusetts e Nova York – têm o direito a um meio ambiente limpo e saudável consagrado em suas constituições estaduais.