GOVERNO DO RJ EMPURRA PARA A JUSTIÇA DECISÕES TÍPICAS DO EXECUTIVO
O caso da concessionária de saneamento Iguá, que teve uma decisão arbitral questionada pelo governo do Rio de Janeiro no Tribunal de Justiça fluminense, mesmo tendo o governo escolhido a arbitragem como meio de solucionar divergências, reflete uma situação mais ampla que aflige o ambiente de negócios no estado.

Desembargador Ricardo Couto de Castro, presidente do TJ-RJ, vai analisar a dsputa entre Iguá e governo do Rio
É crescente o número de processos na Justiça contra o governo estadual, o que revela que a opção da administração pública tem sido a de terceirizar decisões que deveriam ser suas — com o fito de ganhar tempo e investir em projetos eleitorais.
Entraram 61 mil novas ações contra o governo estadual nos últimos 12 meses, de acordo com dados do relatório Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça. O número foi 2,2% maior do que nos 12 meses anteriores, segundo maior crescimento entre os grandes litigantes da Justiça.
Isso coloca a administração pública como vice-líder de novos ajuizamentos, perdendo apenas para a concessionária Light, alvo de 65 mil ações. O governo também é responsável pelo maior número de casos pendentes de julgamento, com 139 mil processos.
Um exemplo é o recente pedido da Procuradoria-Geral do Estado do Rio para revogar uma decisão arbitral obtida pela Iguá. A empresa abriu o processo arbitral para discutir o reequilíbrio financeiro do contrato, mas o governo não aceitou a decisão de depositar os valores em garantia até que a arbitragem seja concluída.
E usou um recurso que só o poder público tem na Justiça — um pedido de suspensão de liminar, diretamente ao presidente do tribunal — para esvaziar o poder da decisão arbitral. O caso ainda aguarda análise do presidente da corte, desembargador Ricardo Couto de Castro.
Procuradas, nem a Procuradoria-Geral do estado, nem a Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) quiseram se manifestar.
Segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a situação acende uma luz amarela no cenário das resoluções de conflitos e no próprio sentimento de segurança jurídica no ambiente de negócios no Rio de Janeiro, em especial nos contratos concessões de serviços públicos.
Entidades ligadas à arbitragem e defensoras da iniciativa privada temem as consequências do episódio. “Se o estado do Rio aceita que um conflito seja decidido por arbitragem, precisa saber perder e aceitar uma decisão desfavorável. Não pode usar sua força institucional para acionar o Poder Judiciário porque não gostou do resultado, em claro desacordo com a Lei da Arbitragem”, afirma Joaquim Muniz, presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima).
Em fevereiro, a Câmara de Arbitragem Empresarial — Brasil (Camarb) aceitou o pedido da Iguá e abriu procedimento para avaliar os argumentos para o reequilíbrio do contrato de concessão.
Segundo a empresa, os prejuízos não previstos no edital chegam à cifra de R$ 828,4 milhões, decorrentes do subdimensionamento na tarifa social na região atendida e de perdas de água na tubulação duas vezes maiores do que o estimado pela Agenersa.
Como havia urgência, já que o prazo para o último pagamento da outorga estava próximo, a Camarb nomeou um árbitro de urgência, que autorizou o depósito do valor em garantia.
Para Luciano Timm, que preside a Associação Brasileira de Liberdade Econômica (Able), a arbitragem tem sido fundamental para a concessão de serviços públicos, melhoria no ambiente de negócios, segurança jurídica e redução de tempo e custos com processos judiciais.
“Quando se pensa em investir no Brasil, o empresário quer saber quanto pode ganhar, mas também o que acontece se tudo der errado. E, nessa última preocupação, está embutido o risco judicial no Brasil”, afirma o advogado. Por isso, a entidade pediu ao TJ-RJ seu ingresso como amicus curiae (amiga da corte) na briga entre a PGE-RJ e a Iguá.
“A arbitragem reduziu o tempo de tramitação das discussões de dez anos para apenas 18 meses, em média, em comparação com o Judiciário”, explica Luíza Lucas Bruxellas, advogada especialista em arbitragem.
Segundo ela, “foram anos de avanço da jurisprudência, desde a edição da Lei 9.307, de 1996, para reconhecer o espaço e a autoridade da arbitragem. Construção que, agora, o estado do Rio de Janeiro simplesmente joga fora, colocando a perder o interesse de investidores”.
Luciano Timm segue na mesma linha e vê um preocupante risco de retrocesso no nível de investimentos: “Quando o caminho da judicialização vira a regra, anulam-se todas as vantagens da arbitragem: aumentam os custos dos conflitos, diminui a segurança jurídica e há uma piora no ambiente de negócios”, diz ele.