É abusiva a justa causa por atos de manifestações nas mídias sociais?
É sabido que a legislação trabalhista prevê que a demissão por justa causa deve seguir determinados critérios legais, de sorte que, em casos de eventuais abusos, tal problemática poderá ser levada ao âmbito do Poder Judiciário, e, a depender da situação concreta, ser inclusive revertida.

Nesse sentido, o relacionamento interpessoal entre empregadores e trabalhadores deve sempre se pautar nos deveres da boa-fé objetiva e do respeito mútuo, para além de pressupor a observância das normas previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Dito isso, verifica-se que desde o surgimento das redes sociais e dos aplicativos de mensagens — tais como Facebook, Instagram, WhatsApp, dentre outros —, algumas empresas têm se utilizado dos registros dessas plataformas digitais como pretexto para aplicar demissões por justo motivo.
Por certo, considerando as inúmeras polêmicas que giram em torno da matéria, o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana, na coluna Prática Trabalhista da revista Consultor Jurídico (ConJur) [1], razão pela qual agradecemos o contato.
Lição de especialista
Mas o que seria o conceito de justa causa para o Direito do Trabalho? Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos de Adalberto Martins [2]:
“Nas palavras de Wagner Giglio, ‘a justa causa traduz-se no ato faltoso grave, praticado por uma das partes, que autorize a rescindir o contrato sem ônus para o denunciante’.”

Diante do conceito supramencionado, é possível afirmar que nem toda falta justifica a rescisão do contrato de trabalho. A justa causa caracteriza-se pelo dolo ou culpa grave. José Martins Catarino ensina que se a culpa for leve ou levíssima, ou não houver dolo, a despedida por justa causa não se justifica, e sim uma punição menos severa (suspensão ou advertência).
A doutrina concebe a existência de três sistemas legislativos a respeito da justa causa para a rescisão do contrato de trabalho: o genérico, o taxativo e o exemplificativo (…). No que respeita este aspecto, a doutrina é uníssora em assegurar que o legislador pátrio optou pelo sistema taxativo, em detrimento do genérico e do exemplificativo. No Brasil, a lei enumerou hipóteses de justa causa, motivo pelo qual não se permite invocar motivos não previstos legalmente para justificar a rescisão do contrato de trabalho”.
Legislação
Do ponto de vista normativo no Brasil, o artigo 482 da CLT [3] prevê que a demissão por justa causa deve seguir determinados critérios a embasar o encerramento de contrato com o trabalhador de forma motivada, sendo que nesta modalidade de extinção do pacto laboral o trabalhador terá reduzido ao final os seus direitos no momento do pagamento das verbas rescisórias [4].
Casos práticos
Um trabalhador que foi acusado de postar figurinhas “desrespeitosas” num grupo corporativo de WhatsApp teve revertida a sua dispensa por justa causa, sendo a empresa condenada ao pagamento das verbas rescisórias oriundas de uma dispensa imotivada [5]. O então desligamento do trabalhador que se encontrava há mais de 13 anos na empresa do ramo de serviços gráficos se deu em razão da acusação de “mau procedimento e indisciplina”.
Segundo informações extraídas do processo, após a empresa divulgar no WhatsApp a informação de que atrasaria o pagamento do adiantamento salarial aos empregados, o trabalhador postou figurinhas no grupo do qual também fazia parte o proprietário da companhia. As figurinhas foram consideradas “desrespeitosas” pela empresa, e que teriam causado tumulto no ambiente de trabalho, justificando, assim, a aplicação da justa causa.
Porém no julgamento da ação, o magistrado ponderou: “A despedida por justa causa caracteriza-se como a mais grave penalidade aplicada ao trabalhador e, por tal razão, deve ser admitida somente quando comprovada, de forma robusta, a ocorrência de falta grave o suficiente para quebrar, definitivamente, a fidúcia inerente ao contrato de trabalho”. Para além disso, o juiz também levou em consideração o fato de que outro trabalhador que enviou figurinha no grupo, assim como os demais colegas que enviaram mensagens externando indignação, não foram igualmente dispensados.
Portanto, concluiu-se que os argumentos apresentados pela empresa foram frágeis, bem como amplificadas pela decisão unilateral de punir apenas um trabalhador, ignorando outros que tiveram comportamentos semelhantes ao profissional demitido. Nesse diapasão, a demissão por falta grave deve ser excepcional, respaldada por provas robustas e por ações repugnantes que realmente comprometam a relação de confiança no contrato de trabalho.
Aliás, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) também já foi provocado a emitir juízo de valor sobre a mesma temática em um caso semelhante envolvendo publicações inadequadas em grupos de Whatsapp. No caso julgamento pela Corte Superior Trabalhista, determinado trabalhador havia sido dispensado por ato lesivo à honra e à boa-fama do empregador [6], pela conduta de reclamar sobre o atraso no pagamento do 13º salário.
Em seu voto, o ministro relator destacou:
“O reclamante valeu-se de seu aplicativo de mensagens para externar seu sentimento de insatisfação com o suposto atraso do pagamento da parcela do 13º salário — a qual, em realidade, foi quitada tempestivamente. Conquanto a linguagem empregada denote agressividade e suscite repúdio, configurando, portanto, uma conduta reprovável, não se reveste da gravidade necessária à configuração da justa causa, sobretudo quando considerado que o reclamante prestou serviços por oito anos sem ter cometido infração disciplinar e que a publicação foi retirada em poucos minutos. Não há, pois, como concluir que após oito anos de vínculo empregatício, a publicação, mantida por poucos minutos, contendo uma reclamação acerca do atraso de uma das parcelas legais implique na quebra absoluta da fidúcia imprescindível à relação empregatícia.”
Diante de tais casos práticos, infere-se ser necessária prudência para a aplicação da rescisão motivada, eis que tal modalidade de extinção contratual traz uma mácula para o trabalhador, assim como prejuízos severos que poderão impactar fortemente em sua vida pessoal e profissional.
Por tal razão, é preciso que as empresas invistam melhor em medidas preventivas, trazendo regras claras sobre o assunto, bem como promova a capacitação e os treinamentos de seus trabalhadores, de modo a fazer cumprir as normas previamente estabelecidas, fortalecendo o diálogo interno.
Em arremate, para além dessas medidas de cautela, a empresa poderá também adotar outros mecanismos, tais como registros de ocorrências, regulamentos internos e códigos de condutas, tudo, enfim, a evitar a ocorrência de danos, afinal, o investimento na prevenção é muito mais vantajoso que o pagamento pela reparação do prejuízo correspondente.