SUPREMA CORTE DOS EUA FACILITA PROCESSO CONTRA POLICIAIS POR USO FATAL DA FORÇA
Por quase três décadas, policiais dos EUA conseguiram escapar de ações civis que pleiteavam indenização por uso excessivo ou fatal de força, com base na teoria do “momento da ameaça” criada pela Suprema Corte em 1989.

Suprema Corte mudou entendimento que dificultava processos contra policiais por uso excessivo ou fatal da força
De acordo com essa teoria, só podem ser analisadas as circunstâncias do fato no exato momento em que o policial sentiu que sua vida estava ameaçada e, por isso, atirou para matar — mesmo que a vítima estivesse desarmada ou fosse inocente.
Em outras palavras, “juízes e jurados não podem questionar decisões tomadas por policiais em frações de segundos, não importa quão desnecessário um assassinato possa parecer em retrospectiva”, diz a doutrina.
A teoria criou um efeito colateral nocivo na polícia dos EUA. Surgiu uma classe de policiais que são apelidados de “trigger-happy cops”, termo que faz menção a certos agentes que se sentem felizes ao apertar o gatilho.
No final da semana passada, a Suprema Corte tomou uma decisão que modificou esse entendimento. A corte decidiu, por unanimidade, que os juízes devem analisar a “totalidade das circunstâncias” em que os fatos ocorreram.
Ou seja, os juízes e os jurados devem examinar toda a história do episódio para decidir se houve uso de “força irracional”.
Policial assassinou motorista
A ação julgada pela Suprema Corte (Barnes v. Felix) conta a história de um motorista que foi morto por um policial em uma parada de trânsito de rotina, no Texas. O policial Roberto Felix confrontou Ashtian Barnes, um homem negro de 24 anos, porque o carro alugado por sua namorada, que ele dirigia para buscar a filha dela na escola, tinha dívidas de pedágio.
Na abordagem, Barnes disse aos policiais que havia esquecido a carteira de motorista em casa. Felix disse a ele para sair do carro e pediu documentos do veículo. Assim que Barnes tentou apanhar os documentos no porta luvas, o carro começou a andar. O policial pulou então na soleira da porta do carro e atirou duas vezes em Barnes, que morreu na hora.
A mãe de Barnes moveu uma ação indenizatória por violação de direitos civis. Um juiz federal de primeira instância decidiu trancar o processo. Ele concluiu que o policial não usou força excessiva, em violação da Quarta Emenda da Constituição.
A regra proíbe buscas e apreensões sem mandado judicial e não menciona uso excessivo de força policial. Mas um precedente da Suprema Corte estabeleceu que o uso excessivo de força pela polícia deve ser “objetivamente razoável”, à luz dos fatos e circunstâncias da situação.
Em grau de recurso, o Tribunal Federal de Recursos da 5ª Região decidiu que os direitos garantidos a Barnes pela Quarta Emenda não foram violados, porque um precedente da própria corte respeita a doutrina do “momento da ameaça”.
A Suprema Corte declarou que o tribunal de recursos errou. Acatou o argumento da mãe do homem assassinado de que o próprio policial se colocou em perigo ao pular no carro, tornando-se, ele mesmo, responsável pela criação do “momento de ameaça”
Tudo deve ser analisado
A decisão que mudou o entendimento, assinada pela ministra Elena Kagan, afirma que o exame do “momento da ameaça” é importante, mas a análise do caso não tem limite de tempo. “As cortes devem levar em conta todos os fatos e eventos que levaram ao desfecho final da situação”, escreveu.
“Os eventos iniciais podem influenciar como um policial razoável teria compreendido e respondido a eventos posteriores. Um tribunal que decide um caso de uso da força não pode revisar a totalidade das circunstâncias se colocar limites em sua cronologia.”
“Eventos anteriores podem demonstrar, por exemplo, porque um policial razoável teria percebido a conduta ambígua de um suspeito como ameaçadora”, afirmou. A ministra se refere a “um policial razoável” porque essa é a terminologia usada em precedente, para definir, digamos, um policial sensato. O precedente de 1989, que criou a doutrina do “momento da ameaça”, estipulou que “um agente da polícia precisa apenas respeitar o padrão do que um policial razoável o faria”. E explicou:
“O cálculo da razoabilidade deve incorporar a consideração do fato de que os agentes policiais são frequentemente forçados a fazer julgamentos em frações de segundo — em circunstâncias tensas, incertas e em rápida evolução — sobre a quantidade de força necessária numa situação específica.”